sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Ditadura Imaginária

Por Atanásio Mykonios



A direita política e econômica no Brasil conseguiu uma façanha de tirar o chapéu. Desde o começo do ano passado, a movimentação indicava que uma agenda factual deveria ser imposta no cenário político. Era preciso que uma força política nova surgisse com potencial para derrubar aquilo que já se mostrava insuportável para as elites – o aumento da massa salarial, que, segundo o IPEA, já demonstrava estar acima dos rendimentos e da valorização do capital em geral. Não fosse apenas isso, seria preciso avançar sobre o estado-nacional, seria necessário desmontá-lo para repor ou recompor o capital em sua articulação orgânica.

Não bastava apenas um movimento direto contra a atual situação. Os gestores, os acionistas e os capitalistas associados utilizam novas estratégias, mais difusas, com capilaridade social mais eficiente, se valem de grupos diversos para alcançarem seus objetivos de controle e dominação das condições de produção, especialmente o aparato estatal. Parece não haver necessidade de um confronto direto, um golpe armado com forças regulares institucionais, parece ser mais importante criar condições não só ideológicas, mas penetrar na diversidade e capturar o que mais é latente no imaginário coletivo, pois no caso, a imensa insatisfação contra aspectos da vida política como administração, a imoralidade praticada pela esquerda, os desvios e a corrupção. Os nazistas utilizaram os mesmos meios para chegar à dominação total.



Cena do Filme Terra em Transe de Glauber Rocha
Fonte: História: Questionem as Fontes 
(http://questioneasfontes.blogspot.com.br/2013/10/9-c-ditadura-militar-no-brasil-1964-1985.html)

Esse cenário construído metodicamente, precisava ser legitimado pelas massas, com a condição de que os meios de comunicação criassem as possibilidades de um discurso midiático capaz de atingir o cerne político, fortalecendo uma agenda política contra o poder estatal central e contra as esquerdas de modo geral. Para isso, era necessário um ideário muito bem articulado, em que teria como base uma suposta conspiração engendrada de há 12 anos, com a chegada do PT ao poder central estatal. Dessa forma, construiu-se, em concomitância à ideia de uma conspiração, a noção de que há uma ditadura de esquerda alicerçada na velha prática stalinista, formando assim a concepção de que o PT não passaria de uma organização comunista sanguinária, um partido antidemocrático, com caráter corrupto e ligado ao que há de pior na atualidade geopolítica. A leitura assimilada por parte da população e criada pela direita foi muito bem articulada, as massas incautas e principalmente aquela parcela da população semiformada na órbita da política, encontrou um veio para vomitar sua indignação difusa e abstrata, sustentada por uma construção instrumental do real e da política, historicamente descompromissada com a realidade e alienada ao movimento do capital, com nítido caráter despolitizado. Essa parcela da população nunca foi esquerda nem direita. Ela está no limbo histórico e foi inteligentemente capturada pela mídia que tem seus interesses em desmoralizar a esquerda e defenestrá-la do poder estatal central. Ocorre que agora a impressão que se tem, não generalizada, mas por parte dessa parcela despolitizada, é que estamos sob uma ditadura de esquerda, tão feroz que toda e qualquer ação ou corrupção é jogada na conta dessa ditadura que deve ser derrubada. E com isso, de roldão, todos que são de esquerda passam a ser identificados com a marca do demônio, e que devem, juntamente com o PT e os petralhas, serem destituídos, mandados embora do país, deportados, queimados, etc.

Uma das características do movimento fascista é encontrar um inimigo comum. Talvez parte da direita não tenha consciência da forma como o fascismo é construído, apenas uma parte, talvez não tenha clara a concepção de sua condição, no entanto, esse movimento que ora presenciamos não está consolidado na forma de um fascismo absoluto, diria, como alguns amigos afirmam, uma espécie de protofascismo. Além disto, outro elemento importante comparativo a esse modo é a reação raivosa que se assemelha à estrutura mental estabelecida pelo terrorismo. Para o terrorista, seja ele pertencente a uma célula, a um movimento, a um aparato estatal, seja lá o que for, todos são cúmplices, o que sobressai nesse movimento é o fato de que há uma caça a todos os que de alguma forma devem ser estigmatizados como esquerda. Daí, a partir dessa construção, a direita precisa chegar ao poder para enfim eliminar como numa guerra santa, toda a esquerda, que doravante será codificada com o nome genérico de comunista.

O mais interessante é observar que mesmo não havendo nenhum sinal de que estejamos sob o tacão de uma ditadura, esse contingente politicamente ignorante, passa a crer veementemente que a ditadura deve ser destruída. Esse grupo vê os atos da ditadura em todos os âmbitos da política. Passa a enxergar por todos os lados evidências cabais de que estamos presos a uma ditadura. Mas quais seriam estes sinais? Talvez o primeiro, para esse contingente, é a questão moral relativa à corrupção. A corrupção emerge como o sintoma de uma ditadura, em seguida, todos os elementos que compõem uma espécie de movimento conspiratório à esquerda, isto é, enxergam nas políticas sociais públicas uma evidência de que se trata de um movimento de massas para a sovietização do Brasil. Os fantasmas ganham corpo com a paranoia.

Assim, ocorre que a direita construiu eficazmente um modelo de articulação política que não necessita de grandes elaborações teóricas nem uma adequada compreensão da história ou da realidade. A partir das manifestações de junho de 2013, ela percebeu a grande oportunidade de transformar em realidade social algo estava nos porões, nos churrascos, nos bares, nas reuniões m família, etc., criando uma agenda real de movimentação e mobilização sociais. Essa condição não necessita, tampouco, de uma crítica sobre o próprio sistema capitalista, nada disto é relevante, apenas uma construção difusa, universal, que beira a uma espécie de metafisica religiosa. Me parece que isto basta para que esse contingente da população, que nunca teve contato com a política nem como militante nem como observadora atenta nem na forma de teoria, em sua prática social dispersa, ou que jamais teve possibilidade de uma reflexão crítica autônoma do real, é implicada e enredada numa forma de pensar e expressar jargões que não requer grandes articulações ou mobilizações sociais, a mente foi colonizada por esse vírus fascistoide.


O cretino social se apropria desse discurso e passa a vociferar, agregando a ele uma série de insatisfações como o crime, o estupro, a pobreza, a indolência, o merecimento capitalista, a rentabilidade do trabalho, o darwinismo social, a defesa da empresa, a destruição do estado-nacional, a apoteose segregacionista, a vigilância pequeno-burguesa em torno de comportamentos morais, contra a orientação sexual, etc. Atente para o fato interessante que todo o ódio se volta contra o poder central, há uma fuga da realidade, na qual o problema político se reduz a um governo e a uma condição universal, há o esquecimento das demais instâncias do estado-nacional, isto é, governos estaduais e municipais, e é nesta instância última que a grande articulação política do capital penetra de forma mais sub-reptícia na exploração das condições de produção. Assim, o germe desse ódio foi plantado e germina com muita facilidade e nós ficamos a apagar incêndios aqui e ali e parece não atinarmos para essa construção ideológica. 

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Professores – Âncoras do Capital

Por Atanásio Mykonios



Há muitas tarefas a serem realizadas pela civilização. Uma delas, irremediável condição, é a educação. Não reportei nada sobre o Dia do Professor porque em parte passei a pensar sobre esta questão. Um dia em que passamos em branco, na medida em que não somos capazes de refletir sobre nossa real condição de trabalhadores da educação. Não somos diferentes de outras categorias do trabalho assalariado e abstrato. Na mais das vezes, educamos para o mercado, assim mesmo, de roldão a regressão também faz parte do pacote – regressão intelectual, com toques de extrema burrice, cretinice, ignorância assumida, tanto por parte de nos professores-trabalhadores quanto também por parte de alunos, sem contar coordenadores, diretores, supervisores. Pior ainda são os donos de escolas! De fato, parece haver uma resistência metódica em lidar com a realidade, aprofundar a experiência do real e da materialidade para a compreensão do que nos explora e nos controla. Imaginamos que podemos criar consciência com os livres e as aulas e negligenciamos a nossa própria prática. Dessa forma, não somos exemplo para ninguém, muito menos para nossos próprios alunos. Ensinar a pensar não é suficiente se este pensamento não está intrincadamente relacionado com o real, a totalidade e modo como realizamos nossa sociedade.

Nossas instituições de ensino estão cada vez mais voltadas para a burocracia das formas de transmissão mecânicas e técnicas do conhecimento – uma ciência sem conhecimento é o produto de um esvaziamento que a forma mercadoria introduz na sociabilidade totalizante do capitalismo. Como qualquer mercadoria, somos colocados na prateleira para, quem sabe, formar pessoas humanas, termo tão ao gosto de teólogos e filósofos. Mas, convenhamos, formamos trabalhadores qualificados ou não, com mais ou menos conhecimento técnico. Mas ainda somos tratados, por nós mesmos, com aquela afeição que caracteriza uma mitologia educacional. Ao invés de sermos tão parabenizados pelos nossos alunos, deveríamos ser criticados, questionados e, sobretudo, instados a pensar em nossa real prática como lecionadores de pessoas. Afinal, como é que podemos formar os trabalhadores para o capitalismo e não atinarmos para essa forma estúpida que nos explora definitivamente? Somos uma das âncoras do capitalismo, porque sem técnica, sem treinamento, sem tecnologia, sem ciência, sem obediência, os trabalhadores não podem transformar o mundo numa imensa mercadoria.

Não quero com isto menosprezar a nossa categoria. Mas contribuir para colocá-la no lugar histórico que deve estar. 



sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Um voto pensado e repensado

Por Atanásio Mykonios

Não é fácil tomar uma decisão política, como membro de um grupo de discussão teórica e prática, mesmo em caráter individual; não é fácil tomar uma decisão política como eleitor atento; não é fácil tomar uma decisão política, como professor, pesquisador, etc.; não é fácil tomar uma decisão política tendo sido um membro do PT e há muito fora do partido; não é fácil tomar uma decisão política como um sindicalista que ainda sou, mesmo licenciado de minha atividade profissional para continuar meus estudos; não é fácil tomar uma decisão em meio a um turbilhão de antagonismos que nos tragam para o interior de propostas de economia política sem perspectivas reais de libertação e emancipação; não é fácil tomar uma decisão quando está em jogo a volta de forças retrogradas, reacionárias e fascistas, diante de um partido de trabalhadores que também cometera tantos erros e tantos impropérios com as causas históricas da própria história. Estamos, mais uma vez, num impasse histórico no que tange ao poder de administrar e conduzir o Estado-nacional-brasileiro.

Mesmo tendo seguido a minha linha de pensamentos nas últimas eleições, com o voto nulo – o não-voto – me vejo num dilema ético dos mais terríveis e devo confessar que não se trata de um passeio à beira mar com a mulher dos meus sonhos. Minhas convicções políticas estão colocadas à prova diante de uma questão crucial. Discutir os caminhos do processo econômico e político, quando estamos mergulhados numa polaridade, cujos debatedores se tornam vorazes em suas defesas, implica jogar no lixo, literalmente, a capacidade de analisarmos criticamente o contexto atual, afinal, nenhuma das propostas, efetivamente, pode me representar, mas nem por isto a análise crítica implica um distanciamento da realidade política, como muitos tentam apontar a suposta inação de quem está no campo da pesquisa. De fato, este campo tem sido pouco ouvido pelas forças políticas, mas nem por isso devemos nos isentar desse compromisso político-histórico.

No meu entendimento, um pensador não pode se furtar a abrir dialeticamente sua leitura dos fatos nem deixar que a realidade seja um joguete de emoções baratas, também deve conduzir seu processo de decisão num conflito contínuo de confronto político. Afinal, Marx disse “toda a ciência seria supérflua, se a forma de aparecimento e a essência das coisas coincidissem imediatamente”. Seria grande estultice simplesmente nos contentarmos com os fatos e deles abstraíssemos sua essências com suas aparências, pois é isto que a sociedade espetacular insiste em fazer da teoria um mero espetáculo de superfícies supérfluas e sem caráter prático.

A política não diz respeito apenas a ideias e argumentos, sobretudo, trata de uma luta e de conflitos de interesses entre grupos e não simplesmente entre sujeitos singulares, como se estes fossem portadores do ato político ou da estrondosa desmoralização que marca a política institucional. Esses grupos lutam encarniçadamente para impor seu modo de poder sobre o modo de produção e é no confronto que devemos compreender a política e não como os gregos, que muitos nos fazem pensar como um paraíso de argumentações lógicas em que os oponentes seriam facilmente convencidos, bastando uma construção racional e lógica. Os interesses de grupos não são facilmente demovidos com argumentos lógicos. Estamos no campo do poder e da dominação, da luta pela tomada do poder para conduzir os meandros da econômica política.
Por outro lado, nem todos os interesses são frontalmente confrontados, pois as forças hegemônicas esmagam, constantemente, outras formas de entendimento e de luta em favor de uma sociedade livre do capitalismo. No interior do campo das esquerdas, faço parte de um grupo que radicaliza a crítica ao capitalismo com a perspectiva de sua destruição, não por meio do antagonismo entre trabalho e capital, como se a tomada do capital pelos trabalhadores fosse capaz de trazer a tão sonhada liberdade e justiça social. Esse campo de ação e pensamento sequer foi colocado à mesa dos contendores políticos. Não é o Estado-nacional quem deterá o capitalismo.

Não sei se posso considerar uma derrota política. A teoria e a prática desse modelo de pensamento ainda não atingiram os partidos, os sindicatos, e em poucos casos, chegou a membros de alguns movimentos sociais. Ainda lidamos com discussões em vários âmbitos, no entanto, a crítica radical ao capitalismo parece estar longe dos espectros políticos institucionalizados. Os partidos de esquerda abordaram de forma tradicional a questão da luta entre Estado-nacional e capitalismo, como se o Estado-nacional fosse um aparato suprahistórico, autônomo, que serviria como um grande bem-feitor em favor dos pobres.
Este pleito nacional está longe de indicar um processo de emancipação humana, ao contrário, estamos às turras com modelos de gerenciamento do Estado-nacional que são extremamente condicionados pelo capital em geral, pela exploração do trabalho e levados a cabo pela tecnocracia, que assume o controle do aparato estatal já em franca colisão com sua própria contradição que, em última instância, é a contradição do capitalismo – valor de uso e valor.
Não pensem os amigos que não estou tomado de uma angústia histórica, pois estamos diante de uma escolha que foi levada ao máximo do antagonismo. Não posso deixar também de considerar o processo de infantilização do eleitorado brasileiro que não consegue sair de sua menor idade e caminhar com suas próprias pernas.

Estamos em uma arapuca política. Se um projeto de superação do capital não está na pauta geral das esquerdas, mas uma pseudossuperação, que escamoteia a reprodução do modo de produção capitalista em outros moldes, então tenho de pensar se devo de fato votar ou não em Dilma-PT-coligações-alianças.

Afinal, eu sei por que não devo votar em Aécio Neves para a presidência da República. Isto está mais do que evidente desde priscas eras. A pergunta que me toma de assalto neste momento é: Por que devo votar em Dilma? E me ocorrem três respostas possíveis e plausíveis. Sei que há outras, mas neste momento são as que me ocorrem com mais nitidez.

1 - Porque se não votar nela estarei abandonando os milhões de pobres que ascenderam materialmente na escala social do processo civilizador do capitalismo, por meio de políticas público-sociais?

2 - Ou porque devo impedir que as forças da obscuridade avancem sobre o poder do Estado-nacional-brasileiro, com seus conspiradores, seus pastores fascistas, seus investidores-abutres, seus homofóbicos, etc.?

3 – Ou as duas anteriores?

Em outras palavras, qual é a razão crucial para votar em Dilma? Posso me contentar em conjugar as duas respostas, o que seria de bom tamanho, no caso, dadas as condições em que está posta a questão. Se colocar numa balança, o que pesa mais a favor de sua eleição, deixar de lado as mazelas e as cagadas do PT ou a ação para fazer emergir milhões que estavam na pobreza material? Pesa mais isto do que a sombra que irá encobrir o Brasil com a obscuridade e deter um regime que irá beirar ao estertor da crise e culminará com ações repressivas que serão desferidas de muitos lados contra o povo, contra os trabalhadores em geral?

Ora bem, a decisão não é fácil como disse no começo desta reflexão. Talvez em meu íntimo tenha sido tomada, mas ainda terei um caminho a percorrer com meus companheiros de luta e reflexão a fim de amadurecer esse conflito histórico.






quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Dilma, Aécio e o conservadorismo

Por Atanásio Mykonios

Quanto à Dilma?

Penso que não resta muito a fazer. Ela tentará manter o que a política social estatal fez. Ela estará diante de um impasse estrutural do capital (nacional e transnacional). A crise baterá inevitavelmente nas relações internas. Terá um congresso neoliberal, terá pouca margem de manobra. Enfrentará o ataque aos salários e tentará obter apoio dos BRICS para garantir algumas ações. O orçamento será comprometido com o pagamento da dívida e por outro lado o desgaste político será muito grande. A máquina estatal da união está tomada pelo aparelhamento partidário. O aparato estrutural sofrerá desgaste. Ela conterá o avanço dos salários. Terá de aumentar o orçamento das políticas sociais o que, de alguma forma, criará desgaste maior. Ficará num dilema entre inflação ou recessão. O capital forçará medidas restritivas quanto à valorização do valor, que culminarão em leis de flexibilização da remuneração do trabalho. Provavelmente os neoliberais promoverão ações contra o governo - no congresso, na mídia, nas ruas. São Paulo liderará esse movimento. Ocorre que o PT tem pouca margem de manobra. Qualquer uma vai cair no colo dos capitalistas associados. Dilma não tem o que dizer a não ser atacar Aécio e esconder o que fará. O capitalismo petista não tem muito mais a fazer, a não ser torcer por um milagre. Qual? A recuperação do capital. Mas este é o problema. O capital só irá se recuperar se avançar sobre os ganhos da massa salarial. Portanto, Dilma cederá, caso queira garantir o que o PT fez.


Quanto a Aécio

No meu entendimento, a questão crucial entre Dilma e Aécio é o fato de que o plano econômico de Aécio visa combater a ação do Estado em determinados setores que tiveram aumento considerável na massa salarial. De acordo com o IPEA, em seu relatório de dezembro de 2013, a massa salarial no Brasil (e não somente o salário mínimo) havia aumentado acima da valorização do capital. Este é o ponto principal em que Aécio trabalhará. Quando o capital fica abaixo da massa salarial, é preciso que o capital então se recomponha, caso contrário ele deixará de autovalorizar-se. Pois bem, diante disto, quais as medidas? Deverá avançar sobre a articulação dos BRICS, desarticulando o banco que este bloco econômico criou; deverá também manter os juros altos, mas fará com que a direção seja mudada, a direção dos investimentos, uma vez que há a clara sinalização de que outros grupos de capitalistas devem ser beneficiados, especialmente os capitalistas associados que não estão naquele grupo que foi favorecido pelo PT na reorganização interna do processo produtivo; penso que haverá pouca mudança nos programas sociais do governo, até porque a fatia do orçamento é pífia; depois vai avançar sobre a massa salarial do funcionalismo público (representa 23,7% da massa salarial do total de trabalhadores); em seguida sobre a recomposição do capital no processo produtivo – indústria e extração (com medidas de ataque indireto e direto sobre esses salários); depois ele vai mexer na educação de modo geral, a fim de desmontar o aparato estrutural que o PT criou (universidades, institutos federais, escolas técnicas, etc.), vai desmontar com o apoio da população, vai desmontar a USP, a UNICAMP e a UNESP, obviamente quem fará isto será o Alckim, com a ajuda de Aécio; isto também ocorrerá com a saúde; a segurança já está semiprivatizada. O que ocorre é que o PT criou uma estrutura social-estatal muito bem articulada e este aparato é um alvo muito bom para o seu desmonte, não significa que será destruído, mas desarticulado para que o capital entre com tudo. Em outras palavras, o PSDB irá privatizar as ações sociais do governo do PT.


Sobre o conservadorismo do Congresso

Quanto a isto, há muito que pensar. Podemos ter, no mínimo, três formas de conservadorismo. Vamos lá!
O primeiro conservadorismo diz respeito ao modo como os parlamentares encaram o capitalismo. Neste sentido, as bancadas anteriores foram conservadoras ao máximo, com poucos momentos em que se fazia uma crítica radical. Neste sentido, desde que o Congresso foi constituído, nossas bancadas foram, são e serão conservadoras.

Em segundo lugar, quanto à condução da economia política (mais ou menos estatizante), isso depende da capacidade de articulação dos congressistas. Essa proposta (mais ou menos estatizante) é cíclica nos países do capitalismo. Na Europa a gente percebe isto muito claramente, há uma oscilação entre liberais e não-liberais. Ou seja, o Estado avança e recua em ações a favor dos mais pobres em todos os lugares e os liberais e os neoliberais avançam sobre essas ações. Não podemos dizer que apoiar medidas estatizantes ou não seja uma questão conservadora. Se estivéssemos a analisar os ações do estado-monopolista da URSS diríamos que todas as ações são efetivamente conservadoras. Aqui, dizemos que são progressistas. Bem, depende do lugar.

Em terceiro lugar, o conservadorismo sobre questões de direitos individuais, comportamentais, etc. Neste campo, poderíamos dizer que sim. Mas se analisarmos os dois modos anteriores de conservadorismo, diríamos que em parte o Congresso será conservador. Em outras palavras, ainda é cedo para dizer isto, porque uma bancada evangélica pode ser muito bem liberal para atuar em favor de ações de desmonte do aparato estatal-social que o PT criou, analisado do ponto de vista neoliberal.

O que ocorre é que a pauta atual gira em torno das questões comportamentais e isto mostra o distanciamento, principalmente por parte das esquerdas, das questões mais importantes relativas ao modo de produção capitalista. Assim, há um fracasso e ao mesmo tempo um sucesso do capital não material sobre as ações da sociedade. Ou seja, o processo e o modo de produção estão muito bem conduzidos pelas bancadas que sustentam o capital e aí ficamos a discutir essas filigranas. 

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Uma interpretação, dentre tantas, acerca da eleição paulista

Por Atanásio Mykonios



Uma mentalidade contra presos, cuja alegação reside nas questões econômicas, a saber, de que um preso é mais custoso que um aluno, levando a uma espécie de fascismo econômico contra os pobres confinados nas cadeias brasileiras.

O discurso contra os trabalhadores em geral, já desmobilizados pelo sindicalismo tacanho e omisso.
Esse discurso contra os homossexuais, que atinge em cheio as liberdades e direitos individuais e coletivos.

O discurso contra movimentos sociais, que encarnam a precária condição social das massas desvalidas.

Uma polícia pronta para exercitar com ferocidade a sua condição de cão de guarda da sociedade escravagista.

Uma política educacional que leva à eficiência mercadológica em todos os seus níveis de aplicação.
No meu entendimento, o eleitorado paulista votou em Alckmin não por Alckmin, mas contra o PT e contra o resto do país. Em parte, na undécima hora, migraram os votos de Marina Silva para Aécio, não por causa de Aécio, mas por causa do PT.

Os que me conhecem sabem que eu, de modo sistemático tenho anulado meus votos desde a eleição de 2006 – não foi diferente nesta e não o será para o segundo turno. Não acredito mais em voto útil nem acredito na escolha do “menos pior” ou na escolha contra o fascismo ou coisa que o valha. Já estamos em plena barbárie do estado-nacional, seja ele comandado por qualquer uma das correntes que se arvoram ao poder.

Pode também parecer que esta pequena reflexão seja uma defesa dos governos do PT e seus aliados desde 2002. Seria demais me estender nas mazelas que foram cometidas pelo PT e pelo lulismo desde a chegada ao poder central-nacional. Suas alianças foram uma vergonha para a política e para a esquerda em geral. Parte da esquerda foi tragada por esse mecanismo sórdido burocraticamente articulado para dar continuidade à governabilidade perpetrada pelo PT.

A corrupção petista não foi diferente da cometida por outros grupos políticos. O aparelhamento das estruturas do Estado seguiu a velha cartilha gramsciana de controle hegemônico das estruturas de poder.

Os quadros petistas engordaram e aumentaram suas áreas de influência sobre setores da sociedade como sindicatos, partidos menores, movimentos sociais e organizações não governamentais. O lulismo soube separar problema social de ganho econômico. Tratou a pobreza como política social (incluindo aí as organizações não governamentais, os psicológicos, as polícias, as igrejas, etc., enquanto a economia caminhava incólume com a própria logica do capital).

No entanto, os ignorantes e acéfalos que vociferam tantas idiotices contra as esquerdas e contra as forças que comandam o Estado-nacional brasileiro, deveriam se dar conta de que o PT não abriu mão, sequer por um instante, do capitalismo que vige entre nós e no mundo inteiro.

A lógica capitalista está também no modo como o Estado-nacional brasileiro guiou e articulou as ações de políticas sociais que beneficiaram materialmente uma parcela significativa da sociedade. Não houve revolução, não houve redistribuição de renda dos mais ricos para os mais pobres. O capitalismo do PT e do lulismo foi uma alavanca inteligente em que propiciou a que parte deste capitalismo de desenvolvimento interno garantisse o crescimento interno, ampliando o mercado por meio de uma vasta cadeia de produtores, que gerou condições gerais de robustez de uma parte dos produtores internos e externos. Nada mais do que a ampliação de um mercado interno, mesmo que aos olhos das classes mais abastadas isto signifique uma espécie de revolução cabocla, para inserir no modo de produção e exploração os que já são explorados.

O que guindou o PT a esta ação histórica se deve a muitos fatores. De minha parte eu considero que o Estado-nacional não deixou de ser o braço jurídico e armado do próprio capital, interno e externo, produtivo e financeiro. Mas, caminhou para fazer ascender um contingente populacional que estava, no meu entendimento, lançado à própria sorte. E por quê?

Porque a escória social e indigente está por toda parte. O capitalismo não necessita do trabalho vivo dessa massa imberbe. Necessita de que compre mercadorias. É uma massa que, de alguma forma, está na zona do rebaixamento humano, irrecuperável. Mas, se considerarmos a fábrica social do valor, ou, dito de outro modo, o sistema social de produção de valor, o PT não fez nada mais que ampliar a exploração do capital de modo mais qualificado.

Essa massa, agora, está no mercado, passiva ou ativamente. No capitalismo, até mesmo a indigência é um elemento de exploração do sistema social do valor – quer dizer que a miséria também é um alvo duplo do capital, primeiro porque é um sintoma da estupidez da exploração do tempo excedente de trabalho socialmente necessário para a produção de mercadorias e, por outro lado, é alvo do capitalismo social que avança sobre essa forma social – a miséria, para dar aos produtores mais fôlego de produção e para que as massas não se sintam desamparadas totalmente.

Ou seja, os pobres derivados do capitalismo, no próprio capitalismo, não têm alternativas. Ou são sustentados ou são eliminados.

Então, qual o recado que o eleitorado paulista deu a uma parte do Brasil?

Ele não quer mais prosseguir com essa estratégia de alavancar a pobreza com os instrumentos do próprio capitalismo. Quer fazer com que as leis que regem livremente o mercado sejam aplicadas aos pobres porque este eleitorado faz parte do Estado da federação onde essas leis foram aplicadas em sua radicalidade. A riqueza do Estado de São Paulo se deve, no entendimento deste eleitorado, ao próprio esforço liberal da livre concorrência entre empresas e trabalhadores e entre trabalhadores em geral.

A máxima da ideologia do capital, que implica levar às últimas consequências a sua própria contradição, revela aqui, neste pleito, um caráter selvagem e destrutivo. Em outras palavras, trata-se de um recado segregacionista. Isto é, a economia política mostra a sua condição em que, de alguma forma, se alia a identidades regionais que se ampliam para identidades religiosas e étnicas. De certa forma, a impressão que tenho é de que os paulistas de fato se sentem superiores ao resto do país.


O PT de Dilma não mudou uma vírgula no cenário que se avizinha quanto à da crise global do capital, um cenário que, diga-se, será catastrófico em vários aspectos. O PT não diz o que fará. O PSDB já tem em sua prática o que fará. 

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Religiões, fascismos e nazismos!!!

Por Atanásio Mykonios


Infelizmente, as religiões expansionistas, como o cristianismo e os islamismos, em especial, não se contentam em crescer, encontram argumentos ontológicos para impor, não apenas aos convertidos, mas a toda sociedade, um modo de vida, um conjunto de normas específicas, um conjunto de proibições e, sobretudo, uma ordem jurídica que legitime a perseguição aos que não são convertidos ou que fazem parte de grupos outros. Como as religiões, notadamente no Ocidente, perderam parte de sua força para a modernização capitalista, que exigia um Estado-nacional aparentemente laico e liberal no que tange aos direitos civis, agora, muito em virtude da crise estrutural, estamos vendo as religiões avançarem sobre exatamente os contrários, querem tomar o Estado-nacional ou querem criar teocracias, muito à luz do que ocorre em várias partes do mundo. Não me iludo quanto a isto, trata-se de uma revanche das religiões que avançam sobre o Estado-nacional que, por sua vez se tornou uma ficção para o grande capital. Ocorre que, com a tradicional cordialidade que nos assombra há séculos, mantivemos sob o discurso do politicamente correto as liberdades religiosas. No entanto, essas religiões expansionistas não veem fronteiras nem limites, querem o poder social, político e econômico. Sua característica mais impressionante, que ressurge a cada período de nossa história, é o fato de que são violentas, castradoras, autoritárias, e assumem, a partir de um determinado ponto do conflito social, o que realmente pensam, sempre fundamentadas em argumentos ontológicos. Não importa o que somos e o que queremos, se não enfrentarmos essa praga neste século, alguns avanços que foram arduamente conquistados, experimentarão um retrocesso abissal. Não se esqueçam de que o nazismo, o fascismo e o stalinismo foram profundamente marcados pela insígnia das religiões organizadas. 

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Estado Laico ou Teocracia: um falso dilema.

Por Atanásio Mykonios



Enganam-se aqueles que creem piamente que o Estado-nacional contemporâneo deve ser eminentemente laico. A laicidade implica um pacto social entre os agentes e as forças políticas, inclusive, entre os agentes religiosos, entre os elementos sociais, as instâncias de poder, etc., que reconheceriam o papel aparentemente neutro da forma mediadora do Estado-nacional. O que ocorre no atual estágio é que essa forma está cercada pelas religiões das mais diversas e uma parte da sociedade, aquela que se acostumou com avanços da modernidade capitalista, teme que esses avanços sejam capturados pelas religiões organizadas.

Mas ambos os lados se esquecem de que a forma-Estado-nacional serve a um senhor assim como as religiões também o fazem. O capitalismo é a expressão histórica de um ente que totalizou a sociabilidade, de forma que o Capital é este deus que atua sobre tudo e sobre todos – o capitalismo é a religião de um deus encarnado na realidade global das relações materiais e espirituais. A religião mundial não é uma ficção, é uma fonte inesgotável de sua auto-efetivação. Mesmo que algumas religiões, de forma explícita ou velada, atuem para a sua própria expansão, ampliando sua influência em diversas esferas sociais, são forçadas a se ajoelharem no interior do grande oráculo do deus-Capital – o Estado.

Os sacerdotes dessa nova religião, totalizante e totalitária, não admitem tergiversações. Infelizes somos todos nós, aqueles que acreditaram fielmente que o Estado-nacional seria a ordem jurídica de um mundo livre das amarras e olhares das religiões organizadas. Faz parte da própria condição histórica de toda religião organizar a vida social de seus fiéis, para isto, elas não abrirão mão de interferir politicamente nos destinos sociais.

Porém, o que estamos a ver na atualidade é que as seitas que obedecem ao deus-Capital não admitem mais que o Estado-nacional seja conduzido apenas por técnicos que não tenham ou não assumam a coloração de uma religião organizada. É a revanche das religiões contra a ciência, contra a liberdade individual, contra os direitos civis, mas não contra a sociedade produtora de mercadorias.

Me corrijam os meus mais diletos amigos, mas não vejo nenhuma religião organizada, pelo mundo, a assumir

frontalmente um movimento contra o deus-Capital, contra esse deus que subsumi a condição humana. Aliás, até os grupos ditos mais radicais que lutam pela afirmação de sua religião, com ações separatistas e fundamentalistas, não negam a ajuda do deus-Capital para impor teocracias pelo mundo afora. Ou seja, há sempre quem os financie com recursos, armas e infraestrutura.


O Estado-nacional é a grande pedra angular dessa religião por excelência. Walter Benjamin destaca com grande maestria essa questão. O capitalismo é a única religião de fato ecumênica, “O capitalismo deve ser visto como uma religião, isto é, o capitalismo está essencialmente a serviço da resolução das mesmas preocupações, aflições e inquietações a que outrora as assim chamadas religiões quiseram oferecer resposta”1. O Estado-nacional é um fenômeno religioso, uma vez que age como mediador entre as classes e o deus-Capital. Parece estranho dizer isto, até com certa naturalidade, mas as religiões organizadas não estão dispostas a abrir mão de sua condição onto-metafisica para romperem com a própria lógica do modo de produção capitalista.

Como seitas, essas religiões lutam apenas para dividir o território e controlar moralmente seus fiéis, e discipliná-los para a obediência, para o trabalho, para a valorização do capital e a dominação de consciência. Escamoteia-se o fato de que os capitalistas se associam em graus diversos de poder e articulação para blindarem o Estado-nacional a fim de estruturarem as condições de produção e utilizam as religiões organizadas para preencherem lacunas com seu poder militar-metafísico e controlar as populações em seu comportamento social e moral.

Aliás, o aspecto da dívida espiritual que marca as religiões é, substancialmente, a marca do capitalismo, nascemos sob o signo da dívida e da promessa eterna de redenção ao pagarmos o que devemos, por meio do culto à mercadoria e ao trabalho – eternos devedores; os ideais mais elevados da religião e em especial do cristianismo estão no trabalho e na dívida, ou seja, “No Ocidente, o capitalismo se desenvolveu como parasita do cristianismo (...), de tal forma que, no final das contas, sua história é essencialmente a história de seu parasita, ou seja, do capitalismo”2.

Por outro lado, essa forma-Estado parece ter se tornado o último bastião da garantia de direitos civis. Como um guarda-chuva, e sua aparente soberania, tornou-se o protetor desses direitos, no entanto, esquecem-se todos de que o direito fundamental à própria humanidade é absolutamente desrespeitado e jogado ao lixo por ordem do deus-Capital. O direito à liberdade, à autodeterminação histórica dos povos, ao direito de decidir romper com esse deus in-maquina não existe nem mesmo para as religiões e o direito a um novo modo de produção, etc. A justiça para este ser, tornado deus-Capital, é a injustiça de todos contra todos, pela exploração dos homens e mulheres para manterem a valorização do valor capitalista.

Portanto, não nos enganemos quanto a isto. Os partidos de esquerda defendem a laicidade do Estado-nacional, no entanto, assumem, de modo reticente, a autoridade desse deus-Capital, imaginando que podem mitigar seus efeitos desastrosos sobre a humanidade, utilizando o oráculo do Estado-nacional para garantirem justiça material distributiva. Até mesmo as esquerdas se submetem à doutrina e à teologia das condições impostas pelo dogmatismo do deus-Capital.

A História da formação do Estado-nacional nos mostra que essa forma esteve eivada de um caráter espiritual, esse espírito absoluto, baixado ao nível da materialidade, seria, segundo Hegel, expressa pelo Estado-nacional. Esse caráter teológico pairou e foi a substância, como um fantasma, desse oráculo social. Sua condição espiritual-messiânica esteve presente nos nazistas, nos soviéticos, com os islâmicos, os cristãos, os norte-americanos, os sionistas, os hindus, os africanos, os europeus em geral, etc. Apenas como ilustração, na Grécia não há diferença entre Estado e Igreja Ortodoxa. Quem paga o salário dos sacerdotes ortodoxos gregos é o Estado.

Por isso, não passa de um falso dilema essa questão. Laicidade ou Teocracia adoram ao deus-Capital.


(1)   BENJAMIN, Walter. O capitalismo como religião. Tradução de Nélio Schneider e Renato Ribeiro Pompeu. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 21.

(2)   Idem, p. 23.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

AS CONTRADIÇÕES NA FORMAÇÃO SOCIAL

Atanásio Mykonios




A sociedade construiu uma ideia difusa acerca da educação, da ciência e do conhecimento. Ideia difusa porque há um elemento contraditório que marcou historicamente ambas as esferas destas na forma de ação social a partir dos séculos XV, XVI, XVII e os subsequentes. Mantemos, ou perseguimos aquela atitude iluminista, apostólica e quase missionaria dessas dimensões. Essa pecha nos persegue até a atualidade. Pensamos sempre que o conhecimento é libertador, que a vida pode ser melhor se conhecermos mais e com mais profundidade. Aprendemos que a educação é um processo civilizador por excelência, e a civilização implica a noção de que há quem não seja civilizado se não passar pelo processo educacional que grassa atualmente. Essa condição também nos persegue continuamente, imaginamos, sobretudo, que aqueles que não são educados ou que, ainda de modo mais radical, não querem ser educados, serão lançados na condição de bárbaros, mas, o discurso sub-reptício é que não poderão ser incluídos no modo civilizatório do capitalismo. Essa visão me parece muito recorrente em nossa sociabilidade. O conhecimento me parece ser outro aspecto dessa moeda de troca entre as pessoas e a esfera ideológica que mantém essas relações relativamente escamoteadas, sob a égide da dominação social. O conhecimento, desde os gregos, tratava de trazer à luz o escondido, ver é conhecer, conhecer é, fundamentalmente, ver – a luz nos coloca diante do que é, para aquém e além de nós. A luz é a grande metáfora do processo do conhecimento. No entanto, mais uma vez, estamos imersos em contradições absurdas. Afinal, o que deve ser conhecido? Quem determina o que deve ser conhecido, quem deve afinal conhecer e em que condições se dá esse conhecimento? Não se trata de negar ou eliminar o conteúdo dialético que está no cerne do conhecimento, nem ao menos excluir o fato de que o conhecimento é um processo histórico com o qual o ser humano está imbricado até as suas entranhas. Não é possível, por outro lado, do ponto de vista fenomenológico, que um ser humano em condições normais possa conhecer tudo, há que proceder a uma escolha - no que concerne à objetividade desse processo. Mesmo que haja liberdade total, o leque do conhecido deverá ser submetido a determinados critérios e objetivos. Não se conhece tudo, porque é necessária a escolha para o conhecer. Então, temos de nos perguntar, quem escolhe o que deve ser conhecido? Se considerarmos o fato de que o conhecimento é também uma relação social, posso inferir, sem grandes elucubrações que a decisão sobre o conhecido, sobre o ato de conhecer engendra poder político. Em outras palavras, a sociedade decide que certos conhecimentos devem ser transmitidos e outros deixados para momentos outros ou simplesmente deixados de lado – há prioridades no conhecimento. Portanto, outra contradição se apresenta – estabelecida entre o conhecimento e a decisão política acerca deste. Toda contradição pode nos colocar diante da alienação. O que isto significa? Que ao não assumir a contradição, nos alienamos do processo de enfrentamento desta mesma alienação, isto é, estamos apartados da relação que implica a contradição, ou melhor, a contra-adição . Pois bem, prossigamos. Chegamos a um dos cernes da sociedade contemporânea – a ciência. Os primeiros pesquisadores da nova forma de conhecimento imaginaram que esta seria o caminho para a libertação total do homem, por meio da pesquisa, do desenvolvimento das capacidades intelectuais do ser humano – capacidades objetivas e subjetivas –, do enfrentamento de todo e qualquer dogmatismo, da superação da menoridade (como Kant denomina), etc. No entanto, essa carta de boas intenções da ciência não durou muito. Gradativamente, a ciência foi capturada pelo modo de produzir mercadorias e a sociedade produtora da valorização do próprio valor do capital se alastrou. Estado, capitalistas, instituições, partidos, sindicatos, movimentos sociais, etc., (por razões históricas que me permito não aprofundar aqui) foram e continuam a ser capturados pelo capital e pela forma social do valor-capital. Entramos na terceira contradição, a que nos mostra que de um lado há a ideia pura da ciência a favor da humanidade e a ciência que atua para garantir que os concorrentes do capital conquistem o mercado. Estamos agora no interior de três contradições engendradas pelo capitalismo. E para manter convergentes os dois lados da contradição, desenvolvemos o discurso ideal acerca da educação, do conhecimento e da ciência, porém, de forma ainda mais perversa, do ponto de vista histórico, nutrimos e reproduzimos todos os mecanismos que estão na lógica interna do capitalismo. Educação, conhecimento e ciência são as faces de uma realidade que nos domina e da qual não temos domínio algum, quem estipula as condições, o que deve ser educado, conhecido e cientificizado é o capitalismo e não a sociedade autônoma e emancipada. Nisto, vale lembrar que esse processo social ocorre de modo que o discurso acerca de está impregnado de uma pretensa emancipação dessas esferas, o que parece não conferir com a realidade. Dessa forma, é preciso não uma educação que liberte, um conhecimento que emancipe e uma ciência que nos dê a compreensão da natureza e das relações entre nós e o mundo. Essas dimensões têm um caráter histórico, consolidadas na trajetória humana, de modo que não poderemos jamais abrir mão daquelas. É preciso eliminar essa forma-capital em sua totalidade antes de prosseguirmos. Também não podemos deixar de reconhecer, eminentemente, que todas as sociedades educaram e continuaremos a educar - não depende do capital essa ação humana, depende de si mesma, de suas condições sociais, materiais, de suas relações e necessidades. Assim, eu penso, honestamente, que não há espaços para que esse trinômio ocorra em bases de libertação e emancipação humanas, porque está atrelado às condições de produção social da fábrica do valor-capital. O resto é apenas digressão e formalidades burocráticas. Educação, conhecimento e ciência não nos libertam neste atual modo de produção, uma vez que educação, ciência e conhecimento estão manietados pelo sistema. Estamos presos à lógica social e ideológica do capital que regula as relações sociais como um todo e neste sentido, atados a uma educação que apenas reproduz, uma ciência sem conhecimento e um conhecimento sem ciência da realidade a que estamos submetidos.

terça-feira, 29 de julho de 2014

No Caminho do CAPITAL ou a Destruição da FAIXA DE GAZA

Por Atanásio Mykonios

É difícil entender o conflito na Faixa de Gaza sendo um brasileiro, com fortes marcas da cultura não judaica nem islâmica, como um ocidental de esquerda. Mas não é nada difícil compreender que há nessa questão uma força de Estado agindo como ato terrorista.

fonte: blogdofavre.ig.com.br

O governo israelense está decidido a avançar o máximo que pode no território a fim de exterminar o Hamas de uma vez por todas. Mas não é só o que aparenta, Israel quer promover uma limpeza à moda de tantas ocorridas ao longo do século XX. Ainda assim, esses propósitos não explicam a magnitude desse ato. As forças armadas israelitas estão dispostas a pagar o preço calculado de uma catástrofe humana até o ponto em que a situação se torne insustentável, do ponto de vista da pressão internacional. Há um preço a pagar quanto à luta política no cenário internacional, Israel está sendo bancado pelas grandes potências e ninguém irá barrar isto a não ser as estas potências ocidentais, quando lhes aprouver e em acordo com Israel. Em outras palavras, o cálculo foi feito, levando em conta o potencial de destruição - há um prazo para fazer a limpeza, após esse limite, os próprios aliados entrarão em cena e farão seu teatro midiático, exigindo que as forças israelenses retrocedam, até aí, os objetivos necessários terão sido alcançados – destruição total e redução da Faixa de Gaza a um imenso campo de refugiados em seu próprio território.

Nesse sentido, não há força que possa barrar esse processo, o governo de Israel tripudiou sobre as declarações do governo brasileiro, e o fará com qualquer um que crie constrangimentos, de fato, nem a ONU será capaz de barrar o que está acontecendo no momento. Trata-se de uma máquina de guerra absurdamente superior a tudo que está presente no Oriente Médio. Este conflito provocado por Israel pode ter várias facetas. Ou várias causas. A própria ONU fala em crimes de guerra, o embaixador de Israel na ONU também fala em crime de guerra. Os israelenses têm um sentimento de ódio, os palestinos idem – a luta pelo melhor discurso na guerra é um fator de sua condição. Mas isso não é suficiente, é preciso uma série de razões que extrapolam as contendas locais. Gaza é um enclave, uma região demarcada e mantida com a força militar que a condena a uma dependência criminosa. Concentra uma demografia elevada, com problemas dos mais diversos. Os movimentos militares e os movimentos de guerra, no capitalismo, são ambos financiados, é preciso saber quem financia para minimamente entender as razões desse processo. Para o Ocidente, Israel é uma fonte inesgotável de interesses, é também um enclave constituído de forma hegemônica com o auxílio do contexto que à época vigia e das grandes potências aliadas, vencedoras da Guerra Mundial. É uma força militar inquestionável, ninguém se atreve a enfrentar tamanho poderio concentrado.

Fonte: www.gamedesire.com

Na verdade, a força militar israelense é a mais eficiente do mundo não em extensão, mas em concentração de esforços e metas. Seus vizinhos não são páreo, nesse sentido, os palestinos estão à própria sorte, tendo de recorrer a organismos internacionais, o que ainda é pouco, condenados a um extermínio. A Rússia está imbricada com problemas na sua região, mas no passado ela tinha uma influência importante, especialmente quando da ação da OLP (Organização para Libertação da Palestina), no entanto, agora, a não ser que seja interesse de Putin estender suas coerções da Síria à Faixa de Gaza, nada poderá deter essa incursão desastrosa no interior da faixa de Gaza. É o momento para Israel, afinal sua arqui-inimiga a Síria, que está em frangalhos com uma guerra fratricida que já ceifou mais de 170 mil vidas. A mobilização das esquerdas e de movimentos sociais pelo mundo afora não consegue criar uma força capaz de dissuadir politicamente o governo de Israel, ao contrário, este tripudia sobre todos. Este irá parar quando cumprir suas metas. O grande problema é identificar as razões que estão em causa nesse processo. Razões internas e razões macrorregionais, para além das fronteiras do Oriente Médio. Os colonos israelenses exercem uma pressão permanente sobre o Estado de Israel, têm poder político e mobilização, isso se deve ao fato histórico de que colonos e grupos ligados à terra são mais conservadores, por vezes reacionários e extremamente beligerantes. Esse é um elemento fundamental para Israel, a terra, a posse e a produção, tornou-se um fator de desequilíbrio na região com a política de Estado e assentamento progressivo desses colonos. Outro aspecto é que, diferentemente do que ocorre no território israelense, a Faixa de Gaza é ocupada por uma população que causa pânico em seus vizinhos. Mas a unidade dos palestinos parece estar longe de se concretizar. Mas é preciso lembrar que os palestinos foram vítimas, desde o início da ocupação do território, por parte de uma força desproporcional, nesse sentido, não se pode falar em organização terrorista mas em ação revolucionária permanente que, em vista da opressão de Estado, não há outra alternativa a não ser uma ação para libertar a Palestina dessa opressão. Por outro lado, a ação do exército israelense é uma das últimas coordenadas em larga escala, promovidas por um exército regular de grande envergadura. Podemos ainda observar que o exército sírio está em combate regular há mais de dois anos e, nos últimos meses a ação regular das forças ucranianas contra separatistas do leste da Ucrânia ganhou vulto. Na África observamos lutas intestinas, a Líbia está em um processo de desagregação, tendo como pano de fundo o controle do petróleo. Na Ásia grupos separatistas, mas ainda não se observa uma ação regular de grandes exércitos pelo mundo. Os norte-americanos mantêm forças regulares no Afeganistão, e espalhadas por todas as partes, bases militares, Inclusive,  ouvi um professor nos dizer que havia mais de 700 bases estadunidenses em todos os continentes.  O que isto significa? Os grandes exércitos não estão em ação. Nem os russos, nem os britânicos, nem os franceses, nem os americanos nem os alemães ou mesmo chineses ou indianos.

Existem as escaramuças cotidianas, ameaças, bravatas, chantagens, retaliações econômicas, diplomáticas e políticas. Isto significa que as grandes forças militares não estão em ação direta no momento. O que há é um esforço para conter conflitos locais e regionais que, de alguma forma, se interligam por meio de redes de financiamento ou de incentivá-los de forma indireta. A questão é que há um conflito que se estende da Ucrânia até Bagdá e pelo sul até Gaza e penetra a África pela Líbia e desce para o sul, espelhando-se pelo continente. Essa região está mergulhada em um banho de sangue. Coincidência ou não, essa região tem gás e petróleo. A luta pelo controle dessa região implica controlar e se possível defenestrar os grupos sociais que estão no caminho da rota de abastecimento dessa energia vital. Isso pelo fato de que esses grupos são e serão um empecilho para a rota de suprimentos, exatamente no momento em que Europa e EUA estão em crise sistêmica-estrutural. Nada indica que esses conflitos terão um fim pacífico até que as condições desse controle estejam absolutamente  dadas. Essas regiões estão se dissolvendo a olhos vistos, o que ocorrerá com as populações locais é ainda uma incógnita, no entanto, me parece crível imaginar, com o que temos em mãos, que estarão à mercê de forças transnacionais que controlarão essa região pulverizada por décadas de guerra. Essas forças serão compostas por um exército mundial. A meu ver isso não tem a ver com questões milenares relativas a diferenças religiosas e étnicas inconciliáveis, essas questões são uma espécie de estratégia diversionista que utiliza grupos extremistas para publicizar um conflito que não se sustenta apenas por ódios viscerais historicamente constituídos. Estados-nacionais, grupos extremistas, terrorismo, separatismo, são elementos de uma mesma realidade que se move em direção a um acerto de contas sobre o futuro próximo do capitalismo. Não se fala mais em ações revolucionárias. Essas populações estão no caminho desse projeto de larga escala, estão abandonadas porque nem mesmo seus estados-nacionais existem mais. É uma maneira que o grande capital encontrou para criar um modelo de administração fazendo implodir esses territórios que foram anteriormente constituídos à força e a fórceps, foram juntados povos e tribos em favor de um modelo burocrático muito à necessidade do capitalismo de estado, contudo, esse estado-pseudo-nacional não é mais interessante ao movimento que é impingido pela nova classe de tecnocratas globalizados, pelo movimento do capital que precisa encontrar saídas para garantir a produção insipiente produção de valor e para isto lança mão de novas estratégias que culminam na dissolução de estados fictícios.


O que importa é que essas regiões serão, doravante, zonas livres, onde as populações viverão um regime de extrema beligerância sem rosto definido, com total abandono e uma espécie de governo sem governo, enquanto a produção estará a cargo das empresas mundiais – o governo mundial está em vigência. Este governo englobará empresas, corporações, uma burocracia estatal-empresarial, uma força policial arregimentada em qualquer lugar do mundo. Nesses lugares que, de alguma forma, já se vive um ambiente em que o que existe é a lei do valor, assim como em outras zonas fora de controle, sem uma administração que burocratize a distribuição e a circulação. O que importa é que os nichos de produção fiquem nas mãos das grandes transnacionais e de seus aparatos administrativos. Outras regiões terão os estados-nacionais, cada vez mais enfraquecidos e sem possibilidade de articularem uma reação, a não se assumirem um confronto de magnitude indefinido no horizonte provável. Por isso, não me parece que há condições de barrar esse processo, nem mesmo os supostos opositores desses grandes movimentos do capital, uma vez que os BRICS, por exemplo, estão na corrida por espaços no mercado mundial. Os palestinos estão o caminho desse processo.  

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Morte de João Ubaldo


Cada vez mais pauperizados ficamos quando um escritor nos deixa. Mais frágeis nos tornamos porque nos deixa não apenas a pessoa do escritor, mas, sobretudo, a sua capacidade de nos oferecer mais uma metáfora de nós e do mundo. E quando perdemos a metáfora o próprio mundo se torna mais bárbaro, mais bruto, menos amoroso, menos lúdico. Daí, aos poucos a vida perde o gosto e a mercadoria, a bala, o canhão, a burocracia assumem a vida. Pena. Mas os escritores nos deixam seu suor em forma da palavra. Vai em paz João Ubaldo, porque nossa tarefa não acabou ainda.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Eu vi Pelé jogar! E daí? - O Incidente no Futebol Brasileiro

Por Atanásio Mykonios



Não valeria de nada ter escrito este pequeno artigo antes ou durante a Copa do Mundo, seria um tiro no escuro dadas as condições de ilusão em que ainda nos encontramos.

Houve um período na história do futebol brasileiro em que ocorreu um fenômeno incidental. Um círculo virtuoso que durou pouco tempo. Mesmo tendo se tornado um esporte de massas, o desempenho internacional do futebol do Brasil era mediano até 1958. A Copa do Mundo de 1958 revelou para o mundo uma geração absolutamente genial e que me parece foi um incidente histórico na trajetória até então sem muito brilho. Essa geração ganhou três copas num intervalo de 12 anos, jamais antes nem depois nenhuma seleção havia conquistado tal feito. Isso mostra que nesses 12 anos o futebol brasileiro se tornou um fenômeno sem precedentes. Aquela geração terminou um pouco depois da Copa de 1970, e a partir daí o futebol canarinho teve de amargar 24 anos até a próxima conquista e mais 8 para a segunda. Após essa fase de ouro, parece que o nosso futebol voltava às antigas formas de sofreguidão que persistem até hoje.



Mas o que havia de tão especial naquela geração? Antes de tudo, é preciso reconhecer que criamos uma ilusão de ótica ao ver aquele oásis de genialidade, talento, originalidade e inteligência. Fomos convencidos de que o futebol brasileiro era, por essência e por natureza, o melhor do mundo, o mais impressionante, marcado pelos dribles desconcertantes e pela capacidade de vencer qualquer adversário. O que havia, no entanto, de especial, além da genialidade era a inteligência. Naqueles 12 anos, o jogo era ganho dentro das quatro linhas, os jogadores pensavam o jogo, eles tinham nas mãos o controle estratégico, a tática, percebiam as lacunas, tinham visão de profundidade, não necessitavam de truculência nem de grande condicionamento físico. Eram inteligentes! E alguns eram excepcionais de modo que sua imensa visão de jogo possibilitava que o jogo fosse uma construção, um processo.

Outro aspecto é o fato de que os treinadores não tinham o esplendor que hoje se vê. Ao contrário, o jogo era articulado antes e durante o seu processo. O treinador do Santos F. C., por exemplo, passou anos a treinar uma equipe que jogava como quem propiciava uma sinfonia ao ar livre e em movimento e ele mesmo em muitas ocasiões passara despercebido quanto à sua relevância para o time como um todo.



No entanto, após a Copa e 1970, o futebol brasileiro, gradativamente voltava ao seu veio natural, isto é, uma geração parece que chegava ao fim, voltávamos àquela trajetória mediana, com a diferença de que os treinadores passaram a ascender enquanto a inteligência no campo começou a declinar até que chegara a Copa de 1982. Parecia mais um hiato na longa e arrastada jornada mediana do futebol nacional. Era uma geração, a de 1982, que havia sido formada pela genialidade da geração passada, mas ali já não se encontrava o grande gênio da raça espalhado por inúmeros craques e gênios da bola. É bem verdade que tentamos com um treinador bola-pra-frente e um grupo de jogadores que havia sido formado sob o tacão da ditadura militar. Mas mesmo assim, essa geração rapidamente perdera seu brilho.

Em seguida mergulhamos novamente em nossa barca do inferno e amargamos mais de uma década de problemas estruturais e uma sofrível seleção aqui e acolá sendo formada sem muito esmero. Os treinadores, aos poucos, tornavam-se gestores, criando um modelo burocrático de administração do futebol, o que gerou o medo pela experimentação, pelo novo e pela originalidade. Daí em diante, o que nos restava era a imensa burocratização social, como a sociabilidade natural, ou seja, o capitalismo já estava totalmente impregnado e os jogadores seriam, então, um grande e complexo aparato de exploração da mais valia.

Na verdade, passaram-se 24 anos desde a terceira conquista da Copa do Mundo de 1970. Ou seja, somente em 1994, sob a égide de uma final marcada pelos pênaltis, o Brasil se sagrou campeão. Acrescente-se, ganhar uma Copa do Mundo nos lances finais com aquela dose de antifutebol que só os pênaltis podem oferecer e destruí-lo.

Quem comandava aquele bloco dos desvalidos?

Sabemos que há muito o futebol brasileiro não passa de uma usina de mão-de-obra para os grandes centros. O empreendimento brasileiro do futebol é um negócio altamente rentável, a reprodução de valor nesse espectro é absurda e todo controle está nas mãos de uma oligarquia imensamente poderosa. Especialmente no Brasil, que ganha uma imensidão de recursos e parece ser intocável, assim como o judiciário, a polícia, os meios de comunicação, etc. A burocracia empresarial penetrou os campos a partir de 1974 e a partir daí o que se observa é o fim da inteligência, arrancando do cérebro e dos pés dos trabalhadores-jogadores o poder de fascinar o mundo e transferindo esse poder para o cérebro administrativo e lucrativo dos empresários e dos treinadores engessados pela estrutura da produtividade.

À medida que a burocracia passa a gerir o desempenho do futebol com o escopo de fazer gerar e circular valor em forma de gestão, os treinadores se tornam esses gestores intermediários que irão formar gerações de imbecis, monitorados apenas pelos cálculos econômicos e rentáveis. Esse cálculo não tem nada a ver com a ilusão de que o povo nutre até hoje de que existe uma essência no futebol brasileiro que foi conspurcada apenas pela incompetência dos dirigentes.

Ao contrário, afirmo que não houve incompetência no gerenciamento do futebol muito menos na realização da Copa do Mundo no Brasil, os gestores foram extremamente competentes em publicizar um grupo de jogadores que são muito valorizados e que continuarão a sê-lo fora das fronteiras dessa usina de trabalho e exploração.

Na verdade, ocorre que o nível do nosso futebol, quando é para criar um conjunto, é apenas mediano e conta sempre com o ufanismo esquizofrênico da torcida que se apoia em fenômenos esporádicos. O nosso futebol é isso mesmo. Afinal eu vi Pelé jogar e vi uma geração colocar nas nossas cabeças que podíamos mais do que a realidade se apresentava. Mas como afirmei, não passou de um incidente virtuoso.


A burocracia tem a capacidade de destruir a originalidade e a inteligência. Portanto, apenas uma geração foi virtuosa no futebol brasileiro e mundial, o que havia antes e o depois é que são de fato a nossa realidade – temos um futebol mediano, mas extremamente rentável.