Por Atanásio Mykonios
Nós confundimos direitos com privilégios
e vice-versa. Um país em que a abolição da escravidão se deu num contexto
duvidoso, sendo o último no mundo a aboli-la, esse modo social e histórico de
produzir criou raízes profundas em nosso processo de cultura e dominação das
relações de poder. O sistema escravagista e o capitalista têm muito em comum. Na
escravidão, não há direitos, apenas privilégios e estes são considerados como
direitos inalienáveis e até divinos. No capitalismo, o direito à exploração se
torna uma espécie de direito constitutivo do privilégio. Uma sociedade como a
nossa, em que se tem a impressão de que não houve uma ruptura real, a condição
dos privilégios hoje se torna um direito.
Ocorre que a conquista de direitos
por parte de outros, é considerada como a concessão de privilégios. Os que
seguem com seus privilégios, se sentem ameaçados quando a parcela daqueles que
não têm direitos lutam por estes. A inversão do discurso é algo muito interessante
nesse casso, como um sintoma da ameaça do fim dos privilégios. Historicamente,
quem goza de privilégios faz parte de um aparato de dominação cujo poder é
exercido por meio de uma estrutura social organicamente articulada. A ideologia
serve para proteger socialmente os privilegiados. Mas no capitalismo, o
privilégio se reveste de direito com a fachada do mérito. Para os
privilegiados, todos têm o mesmo direito e as mesmas condições, portanto, para eles,
não se trata de privilégio, mas de direito adquirido por meio do mérito, coisa
que aqueles que não foram capazes de merecer o privilégio (o direito), não
merecem tê-lo. No entanto, aqueles que têm privilégios escondem sua condição histórica,
escondem a sua origem privilegiada e a disfarçam com a noção de que construíram
os seus caminhos para seu próprio merecimento, com esforço.
O privilégio é
parte de uma proteção social institucionalizada. Na escravidão, os papéis
sociais são bem delimitados. Para os privilegiados, agora no capitalismo, esses
papéis devem permanecer os mesmos. Como no capitalismo a venda do corpo para o
trabalho tem um caráter jurídico de liberdade, uma vez que aparentemente nenhum
trabalhador é obrigado a trabalhar, escamoteia-se a condição social e econômica
de privilégios, jogando na vala do mérito o enfrentamento político com o escopo
de manter os privilégios. Portanto, os privilegiados farão de tudo para
manterem seus privilégios, aceitarão, inclusive, viverem sob uma ditadura ou
uma pseudodemocracia, contanto que não haja alteração em sua condição. A condição
social ocupada pelos privilegiados não pode ser esquecida, é a partir desse lugar
que o privilegiado se coloca politicamente a fim de defender seus privilégios. Os
oprimidos devem compreender esse processo para não caírem na armadilha de
lutarem por privilégios ao invés de direitos.