quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Não há lugar neste lugar para nós. A escola



Atanásio Mykonios

Temos perguntado insistentemente qual é o lugar da escola na atualidade. Temos tentado responder a um contexto ensurdecedor que assola a escola. Estamos no centro de um furacão. Prontos a enfrentar as salas de aula, com o olhar de camelos que conhecem o deserto da morte e da solidão, assim vamos para o cotidiano como se estivéssemos em campos de concentração. Sabemos o que esperar, não há ilusões, a realidade vivida é árida, repleta do mais do mesmo.
A crise da escola é a escola da crise. A educação está por um fio. Nunca houve tanta gente disposta a refletir sobre esta crise. Por todos os lados, os problemas se avolumam nem mesmo a burocracia é capaz de suportar a fragilidade das salas de aula. Saibam que não falo em nome de todos, apenas de um minúsculo grupo sem lugar neste lugar.
O que ensinar? O que aprender? Não sabemos o que fazer com a juventude, quiçá a adolescência. Lançadas nos braços do mercado, pouco podemos esperar, a não ser uma brutal concorrência pelas migalhas do mundo corporativo.
Por mais de um século, a sociedade se convenceu de que a educação formal, organizada, disciplinada, na forma de teorias científicas, daria aos seres humanos melhores condições de vida. Fomos enganados de que seria bom para todos, especialmente para os pobres, que fossem para a escola. Não sabemos responder a tantas perguntas.
Parece que acreditamos no poder que a educação exerce sobre os seres humanos. Uma herança, talvez socrática, talvez iluminista, talvez kantiana. Acreditamos santificados numa espécie de projeto de civilização, seríamos todos civilizados pelos livros e pela cultura aristocrática. Ainda cremos nisto. Um manto de pureza salvacionista toma conta dos educadores, impregnados pela missão que sempre é lançada ao futuro. Como garimpeiros, vivemos à cata de um único aluno que nos dê atenção e que possa chamar para si o interesse de um mundo já sem significado. Esta missão, acima do bem e do mal, acima do mercado, da política, dos interesses institucionais. O discurso da educação pela educação assume um caráter emergente no exato momento histórico em que a crise se aprofunda, cada vez mais podemos observar o fim em si mesmo, como o cão devorando o próprio rabo numa velocidade estonteante.
Em cada um de nós há como que uma aspiração à humanidade. Este termo é carregado de muitos significados, especialmente a humanização. Tínhamos a nítida noção de que a educação nos daria uma poderosa constituição moral mais elevada. Isso mesmo. Sempre pensamos que havia algo de nobre na educação, na aquisição de cultura, de bem-estar para a alma, seriamos, entre outras coisas, mais compreensivos, até fortemente empenhados na ordem do bem-comum. A educação seria o nosso cartão de visitas para a vida eterna. Chegamos a defender a ideia de que a paz e o fim dos preconceitos dependiam exclusivamente de mais educação, mais informação, mais teoria, mais ciência. Nosso futuro seria o resplendor do gênio humano.
Gostamos da ideia de que poderíamos fazer as pessoas pensarem, tornarem-se críticas, atentas, bem educadas, honestas e moralmente ilibadas. Pessoas que aprenderiam a votar, a decidirem seus destinos - como o velho Kant havia sonhado para a humanidade inteira. As esquerdas, ainda mais, foram tomadas pela atitude iluminista, bastava ensinar os pobres acerca das mazelas do capitalismo e tudo ruiria com a força do processo histórico.
Mas aconteceu o que ninguém imagina ser capaz de reconhecer. Os fatos e a história falam por si. A ciência, a boa educação, a técnica assassinaram centenas de milhões de seres humanos no século XX. Orgulhosos, ainda cremos na força da educação. Somos adequadamente adestrados para as tarefas de mercado e a aceleração das mudanças nas rotinas de trabalho não são alcançadas pela escola, nem mesmo pela universidade. O processo de aprendizado surge como uma alavanca social para os indivíduos para além dos bancos escolares. Todos são obrigados a aprender nos ambientes do trabalho. O discurso e o comportamento humano não são mais ensinados na escola.
A fragmentação social, a cisão dos tempos humanos, a caracterização do modo pelo qual organizamos a vida fugiu ao controle das próprias instituições. Passamos quase dois séculos organizando os sujeitos sociais para a vida do trabalho, para a obediência, para o controle social. Nós, que estamos na periferia do capitalismo e que temos uma profunda convicção de auto-afirmação, fazemos da educação um discurso comum, politicamente correto em todos os ambientes. Da direita à esquerda, em público, defendemos a educação. Mas o mercado não é cego nem surdo, a escola se tornou surda e cega e não percebeu as imensas transformações desse processo. A tão sonhada profissão está indo ralo abaixo.
Essa idolatria a um suposto bem oferecido pela educação não combina com o fato de que parece não haver o que defender, a não ser por meio de nosso cinismo, em favor do que parece ser cada vez mais a lei do mercado. Na escola, nos fundamentos, no ensino superior ou na formação média, o que temos de reconhecer é que o mercado é quem dá as cartas. É ele quem determina a nossa educação. E o mercado não prescinde tanto dessa força de trabalho que emerge da escola.
Enganados ou não, continuamos e somos submetidos. Como bons treinadores de recrutas, mantemos as massas nas salas de aula e de alguma forma, calando ou não, damos a todos a incerteza de um futuro.
Tentamos responder. Por que o mercado não absorve a todos? Por que só alguns conseguem? Por que há uma mentira ideológica de que haverá trabalho para todos? Passamos o tempo nos preparando para trabalhar. A forma escolar está presente na consciência e no corpo de cada um de nós.
E mais. O que ocorre com essa sociedade? Nós seriamos levados ao Nirvana intelectual, encontraríamos o prazer, a sensualidade nos livros, nos filmes, na poesia, na ciência. Mas eis que a sociedade do conhecimento nos levou à mais pura imbecilidade. O que importa é consumir e adquirir, fazendo de nós presas da idiotice absoluta. Nossa honra foi perdida!
Na verdade, as massas tinham de ser civilizadas e preparadas para o trabalho, para a disciplina, para a ordem e a obediência. Os mais abastados também se prepararam nas escolas. Mas agora, o que resta?
Nas escolas o inferno silencioso que arde na consciência diária. O fracasso de todos está nos rostos desnudos pelo sofrimento de uma atividade sem sentido. Burn out. A sociedade das mercadorias não parece prescindir dos conhecimentos que se insiste em transmitir. Isto dói ainda mais, fere a dignidade. Entre um mundo de barbárie e os gabinetes das academias determinadas para as elites do mundo inteiro, há um grupo de pessoas que não encontra um lugar neste lugar.
Nós estamos sem representação formal nesta escola em crise. Não há espaço para nós, na sala dos professores, nas reuniões pedagógicas, nos encontros informais, nos intervalos, nas atribuições, entre os próprios alunos. Não há lugar neste não-lugar. Por quê?
Ora, ora!
Porque não acreditamos no mercado. Nem na formação sistematizada oferecida para atender as demandas do mercado. Não acreditamos que esta escola e esta educação poderão dar aos nossos alunos alguma dignidade. Porque sabemos que o capitalismo está em crise e, por fim, tragicamente, não temos nenhuma alternativa viável. Não sabemos ainda o que colocar no seu lugar.
Para que haja uma alternativa, temos de nos colocar frontalmente contra o mercado, o acúmulo de capital, contra este absurdo chamado capitalismo. Teríamos de encontrar novas formas de saber, novos conhecimentos, questionar a ciência, a teoria, a sua prática e a novas fontes de produzir, para criarmos novas relações sociais. Criar novos ambientes, reestruturar as relações, mostrar que a vida está para além do capital e que temos condições de arrancar dessas riquezas acumuladas e processadas a nossa felicidade.
Mas não temos feito isto. Nas salas de aula, não temos oferecido nenhuma alternativa. Porque teremos de nos comprometer em convencer os pobres, especialmente, de que o capitalismo terá de ser superado e que este sistema não poderá nos fazer mais humanos.
Estamos na escola e não sabemos o que fazer. Não temos lugar neste lugar. E não há mais como acreditar num discurso salvacionista, otimista, cordial, esperançoso. Os nossos críticos irão nos demonizar até a morte.
Não há lugar seguro para nós. Não temos muito a oferecer, apesar de sermos educadores. Afinal, qual é a parte da educação na qual deixamos de acreditar? Na desejosa experiência construtivista? Na ideia comovente de que a educação faz seres humanos emancipados? Ou aquela velha cantilena de que é preciso preparo e qualidade para o mercado?
Afinal, chegamos ao final. Que lugar é este? Que escola é esta?

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

E-mail do Blog

A todos e todas, meu abraço e a minha solidariedade.
Informo para aqueles que desejarem, podem enviar mensagens pelo e-mail mykonios.crtica@blogger.com
Fica aqui também o convite para aqueles que desejarem se comunicar por este meio.
Abraço do Atanásio

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Debate entreTariq Ramadan & Slavoj Zizek

Assistam a um debate promovido pela TV Aljazeera, no dia 3 de fevereiro, sobre a questão egípcia na minha Página FILÓSOFOS E FILÓSOFAS, PENSADORES E PENSADORAS.

Tariq Ramadan, professor de Oxford e Slavoj Zizek, filósofo europeu, contempoâneo deste período histórico.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O (des)(encanto)

Atanásio Mykonios

Somos uma sociedade que encanta. Uma sociedade profundamente encantada e, mantida sob o jugo do engodo do encantado. O encantamento é como manter viva a esperança dos seres humanos em algo que provavelmente de modo racional não haveria como crer. Nossa história foi marcada por grandes formas de encantamento. A narração do extraordinário dos mitos sempre foi uma condição para fazer com que as pessoas acreditassem em algo para além do mundo presencial, tocado, sobretudo para que mantivessem sua crença em solo firme para prosseguirem sua existência. E isto porque há um grande risco que cada um de nós seja levado a uma dúvida absurda e absoluta, colocando em questão a própria sociedade, colocando-nos sob o tacão do desconhecido e do caos.
Mas havia uma espécie de ligadura entre as narrativas dos mitos e o mundo real. A vida corria e parecia haver um sentido. O sentido da unidade. O significado da unidade nos dava o significado do pertencimento, a afável dignidade de que pertencíamos a alguma coisa vinda do passado.
Para nós que estamos distantes desse tempo, esse mundo nos parece agora rotineiro, sem grandes emoções, destituído de movimento e silencioso. Nosso pertencimento é lançado para as coisas que fazemos e produzimos. O encantamento atual tem outro significado para nós. Continuamos a necessitar de sentidos para a existência. Mas agora, o mundo encantado tem como propósito fomentar dois aspectos da vida real.
O primeiro é a adesão a um sistema que hoje é mundial. Não estamos mais naquele período em que o capitalismo podia ser vista na confortável distância das culturas fechadas, hoje ele está por toda parte, está em todas as culturas, atingiu todas as tradições, todas as formações sociais, penetrou na organização dos povos. Nenhum Estado pode viver impunemente afastado do capitalismo, na luta contra o sistema, os estados hostis são tratados marginalmente, sufocados, destruídos se for necessário. A adesão torna-se função do encantamento, em outras palavras, quero dizer que o papel do encantador é de convencer a todos nós de que não há alternativa para a nossa própria trajetória. Pertencemos a um mito sem face, que deve ser seguido, a adesão a ele é condição sine qua non para a nossa existência.
Outro aspecto do encantamento é oferecer um mundo de possibilidades. Nunca tivemos tanta oferta de sonhos, a mercadoria resplandece, ela é o elemento de ligadura que o mito conseguia fazer na história anterior ao capitalismo. Essa forma de entender o mundo é absoluta nas nossas atuais relações.
Somos levados como zumbis a uma nova narrativa, o encantador nos chama para sermos felizes em um mundo de realizações materiais e simbólicas, sem precedentes, profissionais e sociais. O mito encantador nos remete a uma superfície de sensações de prazer social, e especialmente individual. A euforia diante de um mundo tecnológico e científico, as emoções que reproduzem a certeza de que a vida não tem fim, e o fim de si mesma é estar associado ao mundo encantado.
No entanto, este mundo encantado é tão frágil, talvez pelo fato de que ele também é encantado, não tem o poder de encantar. A modernidade nos surpreende constantemente. A apoteose das novas formas de capitalismo, com seus resultados econômicos, com as estruturas portentosas a nos sugar para dentro de um liquidificador global e que revela, como rastro, as estruturas esgarçantes deixadas como preço de um mundo que não pode mais parar.
E nos empurra para um desespero contido, permanente, escondido entre a obediência, o fastio, o tédio e a euforia enganosa. O absurdo da vida está presente. Somos pegos de surpresa diante de um mundo potencial, que tinha a obrigação de garantir a nossa felicidade em todas as condições e em todas as suas instâncias.
Deveríamos ser saudáveis, felizes, ativos, realizados, longe da ignorância, bonitos, equilibrados. A ciência tinha de nos dar a certeza de que estamos bem e que viveríamos sem dores, sem moderadores de apetite, sem vícios. E a tecnologia o conforto absoluto. A certeza de que com as novas máquinas ao nosso dispor estaríamos a um passo do paraíso. Mas o encantador não se deixa envolver, e esconde de nós que este mundo só é possível na utopia.
Os Estados tinham de nos dar a segurança social, os serviços tinham de estar atualizados, limpos, organizados. Para nós, quando encantados, o Estado deveria nos oferecer o melhor, que vinha de nós mesmos. Deveríamos ser inteligentes, nossa educação nos levaria ao mais alto dos cumes da realização social. Não estamos seguros em lugar algum.
Mas tudo parece inversamente proporcional ao que o encantador nos prometera. De fato, o encantamento tem de prometer e nos convencer das promessas, mesmo que elas não ocorram. Isto não quer dizer que o encantamento se encarregue de entregar as promessas, de realizá-las, é preciso que os encantados sejam levados ao ápice da sua crença. O resto fica por conta da atividade de cada indivíduo em um mundo sem sentido, guiado por uma espécie de bússola que aponta para a necessidade de produzir mais valor, e valor sobre valor, e mais valor, transformando a terra numa impressionante camada árida, sem vida.
O encantamento moderno se desfez da apaziguadora fonte criadora de mitos. O mito moderno, por excelência se volta para atender as demandas individuais. O encantar com sua narrativa técnica e absoluta, move a sociedade em nome da própria satisfação. Sua justificação aponta para o que há de melhor fora do próprio ser humano, as conquistas que implicam o intragável imperativo do progresso e do crescimento a todo custo.
Justiça, política, bem-comum, são motivações extremadas cuja identidade é filtrada pela lente de uma ética também estranha, que tem como pressuposto e imperativo a produção de coisas que se transformam em mercadorias.
Eis que o mundo desaba em face ao horror do desencanto. Tão rápido quanto o encanto nos envolve, tanto quanto o desencanto nos coloca diante da solidão, a realidade crua de um modo de narração social sem gosto, sem viço, sem profundidade. Perdemos a capacidade de refletir sobre nós mesmos. O que parecia a nossa libertação, o que parecia ser a emancipação de toda a história humana, marcada pelo sofrimento, não passa de um encontro cara-a-cara com a ilusão absoluta.
 Quiséramos ter a vida sonhada, tranquila, sem percalços, animados pela eficiência, trabalhando, vendendo, comprando, consumindo com nossas famílias e nossa fé. A perfeição dos dias sem conflito. Não passamos de um arremedo de realização.
A religião ainda tenta dar o sentido à vida. O conflito é visível neste aspecto, de um lado as velhas tradições que tentam resistir, com suas narrativas cada vez mais diacrônicas e, de outro lado, a nova, irradiante, esfuziante narrativa do desesperado mote da tecnologia, da eficácia e do terror em forma de engenhosidade.
A atmosfera está carregada. Agora estamos entre o desencanto e a aridez. Por toda parte encontramos insatisfação. Ora porque as religiões sucumbiram ao novo modo de ser da sociedade que produz trocas em volume e qualidade e de outro, a sociedade que não garante a todos a mesma condição e não será capaz de fazê-lo.
Assim é no Egito, como também nas periferias das grandes cidades, como em qualquer ambiente. É assim nas salas de aula, nas universidades, nos bares e nos campos de futebol. Bem lá no íntimo, sabemos que não conseguiremos chegar ao fim, como nos foi prometido. Perdemos o encanto cedo demais, para isto, bastaram 250 anos de apoteose científica, tecnológica e mercadológica.
Procuramos o sentido de formas as mais diversas, contudo, ainda estamos sôfregos, nossas conquistas não são nossas, são do mercado, da ciência, dos burocratas e administradores. Era para sermos mais felizes? Talvez. O mundo real está debaixo do nosso nariz. A política serve para conduzir um mundo teleguiado, e nós, cidadãos cada vez mais mundiais, distantes das reais motivações que se supõem estar a serviço das coletividades.
Agora, restam os confrontos que possivelmente se alastrarão por todas as partes. Alguns ainda sonham com maio de 1968. As os jovens pelas ruas incendiando as consciências no abalo das estruturas. Os Estados estão atentos, armaram-se até os dentes, com sofisticadas estruturas de controle e repressão. As máscaras estão caindo, uma após outra, a política se desfaz e os acordos servem para manter os canais de comércio lubrificados.
A Internet se torna um veículo que canaliza a informação e pode insuflar as massas. Derrubar governos, mas não os acordos. Destronar ditadores, mas não as relações sociais de mercado. Encantados permanecemos. Outro mundo parece não ser possível até agora. É um passo, a luta medieval assistida pela TV e pela Internet nos dá a dimensão de que o encanto se tornou tão poderoso que o não cumprimento de suas promessas, pode nos levar à barbárie absoluta.
Que tenhamos, ao menos, sensibilidade para perceber o desencanto.