Por Atanásio Mykonios
Naquilo
que não é visível nas condições em que se apresentam as relações sociais, há
que considerar elementos que não podem ser enxergados no mundo da
superficialidade.
Nessa
contenda, o que está em jogo, no grande e quase histérico discurso contra a
orientação sexual, é o próprio sexo. A sexualidade é o centro escondido desse
conflito de perseguições, de insultos, de raiva desmedida, de argumentos
religiosos, de moral estruturada na metafisica das sociedades tradicionais,
etc.
A
questão sexual sempre foi um problema para as religiões. O sexo é um problema
não resolvido, não refletido de forma ampla e profunda. Quem conhece um pouco
de história, saberá como as culturas, os povos e suas religiões trataram o sexo
e ainda o fazem.
Mulheres
e homossexuais sempre foram mal vistos pelas religiões. Durante milênios,
especialmente no período em que se inaugura a dominação social do masculino
sobre o feminino (no Mediterrâneo, no Oriente Médio, no mesmo período
histórico, alguns milênios antes da era cristã) provocou uma grande turbulência
nas condições sociais do poder social – a dominação do processo de produção das
necessidades passou a ser dominado exclusivamente pelo poder masculino. É nesse
período que podemos observar a substituição, nessas regiões citadas, das
divindades femininas por masculinas.
Controle
sobre o corpo, controle sobre a ação, controle sobre o comportamento, controle
sobre a imposição sexual. A monogamia foi uma construção histórica de domínio
masculino sobre o corpo da mulher em função, especialmente, da procriação. Era mais
do que evidente que o homem deveria controlar a produção da terra por meio da
identificação bem evidente em relação à prole. Ou seja, os filhos tinham de ser
identificados pela origem, a mãe era a certeza de que os filhos pertenciam a um
homem, daí a monogamia ser imposta a fim de garantir os novos trabalhadores da
terra.
O
controle sexual é, sobretudo, um controle sobre o corpo e sobre o processo de produção.
O fato de haver uma quantidade de pessoas que não aceitam a liberdade sexual
nem o caráter distintivo da homossexualidade, indica, no meu entendimento, duas
grandes dificuldades.
Uma
dificuldade em relação aos mecanismos de controle sobre a produção por meio do
corpo físico e sexual. Garantir a família, como os grupos religiosos querem, é
tentar manter o processo da divisão do trabalho sob o domínio do masculino
sobre o resto da sociedade – crianças, velhos, adolescentes, mulheres,
homossexuais, etc.
A
homossexualidade também sempre foi um problema para as sociedades agrárias,
rurais. O fato de haver homens e mulheres que decidem não procriar causava abertamente
um risco para a estabilidade da produção. Efetivamente, o problema relativo à
proibição da homossexualidade é antes de caráter material e não espiritual.
A
outra dificuldade que chama a atenção é que a monogamia, como bem apresentou
Engels, traz a sua contrapartida que é a prostituição. Nela, as mulheres que
não aceitavam o controle social imposto por meio da monogamia exibiam uma
liberdade com a qual as mulheres que viviam na relação monogâmica não possuíam.
De
certa forma, tanto a homossexualidade quanto a libertação da monogamia colocam
o problema da liberdade sexual que foge ao controle social.
Antes,
o que agride os religiosos, herdeiros da formação masculina da divinização do
mundo, é a sua liberdade, alcançada a duras penas e que passa a ser uma afronta
para os olhos monogâmicos da existência em sociedade.
A
liberdade sempre causou uma série de entraves e dificuldades não apenas de
aceitação, também no que tange às condições reais de produção, uma vez que, em
grade medida, são pessoas e grupos que não aceitam o controle da produção e de
suas relações constituídas pelo poder de um modelo de divisão do trabalho que
foi, até certo ponto na história, sustentado por um modelo de acasalamento e de
família que não é mais possível suportar.
O
que essas lideranças morais exigem é um posicionamento absolutamente anacrônico
com as alterações internas que o capitalismo experimenta na atualidade. Num modelo
fordista de produção material e social ainda era possível manter a instituição
da família nuclear, constituída por homem, mulher e filhos (por vezes alguns
agregados), mas à medida que a revolução científica e tecnológica impulsiona o
processo de produção, altera definitivamente as relações de produção e estas
transformam a forma social até então organizativa da sociedade.
Tudo
mudou, e no fundo, esses grupos que defendem desesperadamente um modelo de família
e de organização social da produção, estão fadados ao fracasso, lutam por uma
causa perdida. É bem verdade que as coisas mudaram, mas o capitalismo na sua
condição essencial não mudou. Mesmo assim, e mesmo que o capitalismo ainda dure
décadas, a formação social imposta pelas novas condições gerais de produção
afetaram e afetarão as estruturas sociais e abalarão moralmente esses grupos,
principalmente religiosos.
Lutam
por uma causa perdida! Na verdade, já perderam em todos os quadrantes. O que
lhes resta apenas é a tentativa desesperada de manter o impossível.