Por Atanásio Mykonios
Há
uma frase de Paulo Freire que tem percorrido as redes sociais desde domingo, 15
de março de 2015, quando várias pessoas, nos protestos, reivindicaram o fim de
um modelo de educação, que segundo elas, tem um caráter eminentemente marxista.
Exigiram o fim da pedagogia de inspiração marxista.
A
frase é a seguinte: “Educação não transforma o
mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo”.
Fico, no entanto, me indagando, afinal essa gente toda que foi
às manifestações é o pessoal mais bem instruído do país, com as melhores
formações em todas as áreas e com a maior titulação do ponto de vista acadêmico;
tem a melhor educação que o dinheiro pode comprar, frequentou as melhores
escolas de ensino de base e as melhores universidades, muitos, inclusive, em
instituições públicas-estatais.
Mas se comportam de uma maneira que parece fora de qualquer
contexto histórico. Disse que parece, porque não é bem assim que as coisas se
processam. Há uma lógica e uma história nesse contexto que não pode ser escamoteada,
sob pena de não termos clareza acerca do processo que envolve esse cenário de
horrores.
Os sujeitos sociais que se manifestaram no domingo último se Valem
de sua condição e de seu lugar nas camadas sociais, situadas mais próximas da
classe dominante do que das demais, para impor um modelo de pensamento que,
convenhamos, se fosse promovido pelos pobres, sabemos quais seriam as reações.
Há uma incineração da história, também, no mínimo, estúpida e
perigosa. Mas não se trata apenas de uma ignorância da história,
deliberadamente encontramos o propósito de revisar a história e de colocar em
pé de igualdade posturas ideológicas que foram confrontadas ao longo de décadas
de conflitos.
Ergue-se uma muralha intransponível. Essas pessoas saem às ruas e
dizem palavras de ordem, que representam a construção de um discurso articulado
com determinados fundamentos, cujos argumentos têm por princípio a defesa do
estatuto de uma ordenação lógica com legitimidade histórica e social,
defendendo assim a elevação desses princípios à sua condição de igualdade no
confronto de premissas.
Com isso, a antiga lógica aristotélica não serve para esse
panorama discursivo cujo mote é, sem dúvida, criar as condições para a
hegemonia de um ou de outro discurso. Nesse sentido, uma parte da esquerda,
especialmente a esquerda comprometida com a continuidade do governo Dilma, e
seu gabinete, está na defensiva e não encontra mecanismos discursivos para
reverter esse cenário. O discurso, com seus princípios fundamentais, para ser
absorvido, não requer apenas o confronto de argumentos, exige também a luta
pela sua imposição que não se dá apenas pela via lógica.
Espera-se que na escola, no ambiente de formação educacional
formal, o aluno seja levado a exercitar diariamente essa condição de apreender
conceitos e suas lógicas e aceitá-los ou não, também por meio de mecanismos
lógicos e racionais.
A questão então é razoavelmente esta: igualar, na máxima
potência, os argumentos da direita, num mix com vários conceitos que são
oferecidos numa bandeja, que desembocam em reivindicações das mais variadas. À medida
que esse discurso, com esse mix de conceitos, ganha sociabilidade e penetra a consciência
social, há uma tendência em acreditar que suas premissas são verdadeiras.
Para isso, um elemento muito importante nessa construção é a
mistificação da história, com a perversão das premissas, num confronto dialético
que impõe, por parte de quem tem o interesse em fazê-lo, uma nova retrospectiva
que garante a ontologia nova das premissas.
Na verdade essa parece ser mais uma questão de empatia do que de
lógica ou qualquer forma de racionalidade. Vejamos o caso emblemático do
julgamento de Sócrates, na Apologia escrita por Platão. Sócrates, que procede à
sua própria defesa pública, consegue provar com argumentos lógicos que não há
nenhuma imputação contra ele ou, de modo mais fundamental, demonstra que as
acusações não tinham sustentação nem evidências concretas. No entanto, seus
acusadores, no afã de levá-lo à condenação, por razões políticas e outras mais,
conseguiram seu objetivo com a condenação à morte, criando um clima de empatia
necessário aos seus propósitos.
Não importavam, portanto, que os argumentos racionais mostrassem
aos inquisidores a verdade sobre os fatos, o que importava era o jogo de cena
que legitimasse institucionalmente o julgamento, a condenação e o veredicto.
Assim, quais são os argumentos que possam sustentar que a
educação, ou mais ainda, uma boa educação oferece condições para que o cidadão,
bem formado, tenha como princípio o raciocínio lógico, seja ele construído a
partir de dialéticas diversas?
O que há de errado nesse processo? Temos de pensar muito no que
houve e no que está havendo, porque há duas hipóteses: ou essa formação é
totalmente dirigida, ou a formação independe de interesses de classe.
Formulando a questão.
Se a princípio, a formação que essas pessoas recebem em sua trajetória
formal de educação é igual, especialmente nas melhores universidades, ao
restante dos formados, como pode ser dirigida a ponto de criar um quadro de
perversão histórica e lógica, que desemboque na fúria ilógica das camadas
intermediárias e trabalhadores?
Fico com a segunda hipótese. Isto é, a formação adquirida nos
bancos escolares e acadêmicos pode não fazer diferença quando o que está em
jogo são os interesses de classe e não a lógica ou a história, porque ambas
ficam submetidas às condições reais e materiais da classe a que se pertence. Não
se trata aqui de uma adesão formal e necessária, como os socráticos pensavam,
quando o pensamento era dirigido, inexoravelmente, para a verdade, mas de outra
racionalidade, que a princípio parece se apresentar de forma irracional, porém,
é representativa de um modelo de relações sociais de poder que mantém a
estrutura de poder conforme as expectativas dessas camadas médias.
A verdade, aqui, está condicionada aos motivos históricos de
interesses e de forças que dominam com o poder político, a continuação dos próprios
interesses que contribuem para a consolidação de sua posição social. Como se
trata de uma pseudo-classe social, uma vez que ela só se sustenta como camada
de trabalhadores especializados, técnica e cientificamente, seus interesses, em
grande medida, se confundem com os interesses das verdadeiras classes
dominantes - os capitalistas associados.
A educação formal, neste caso, não pode suplantar a lógica que
move a própria classe dos capitalistas e, como camada intermediária de
trabalhadores especializados, bem remunerados, seus intentos se movem na
direção daqueles que exercem o real poder econômico. Assim, sua lógica e sua
história são tomadas por empréstimo dos capitalistas e são mais eficazes em
defender esses princípios do ponto de vista político.
Assim, a educação nesse caso, não pode ser a resposta definitiva
para a compreensão dessa questão em jogo.