quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Para Elis

Atanásio Mykonios

Quanta saudade!
A arte é filha da liberdade. O artista deve assumir seu ser no mundo, lançando-o para que o mundo receba o que ele tem a oferecer. Talvez, por isso, é que tantos se sentem atraídos pela arte, talvez pela imensa possibilidade que ela nos dá – a liberdade pulsa pela arte e seu fundamento é criação.
Seu olhar, sua história, sua miséria, a arte revela-nos o que somos por nós mesmos. O mundo se refaz e sobre o mundo outros mundos são criados pela arte. Ela não é uma manifestação espiritual, é a instância suprema da existência humana, a ânsia da liberdade absoluta e o gesto angustiado da criação que bate à porta dos seres humanos para lhes manifestar que não veem nem sentem.
Alguns artistas absorvem o mundo em sua criação. Outros percebem com sofreguidão as agruras do mundo, anteveem o fim de um mundo e o começo de outro. Alguns se retiram do mundo e da sociedade quando intuem que não haverá mais lugar para eles. A obra de arte contém a história e a sensibilidade humana, não menos atenta aos problemas e à riqueza da cultura.
Mas poucos são os artistas que realmente mergulham na consciência da arte e da liberdade. Poucos são os que assumem visceralmente a arte a ponto de se entregarem a ela e aos seres humanos. Poucos foram os que, como Elis Regina, foram consumidos e consumados pela sua própria arte.
Ela nos deu um facho de luz, nos colocou em rota de colisão com a emoção que a arte nos oferece. Trágica, interpretou o mundo com seus olhos e os deu para que pudéssemos vê-lo por dentro de sua consciência. A inquietude foi sua marca, transpirada pelo olhar brilhante e certeiro.
Obrigado Elis.
Por aqui, a vida está muito chata! A música e a poesia estão mais pobres. A metáfora parece que deixou de existir. Descrevemos fatos e emoções, mas não sabemos criar pontes. Queimamos todas as nossas pontes, porque o mercado é quem manda na arte, até para além e aquém da indústria cultural.
Por aqui, o bêbado e a equilibrista estão nos subsolos das grandes cidades. Como os nossos pais, pouca coisa mudou e pouco pudemos viver. As prisões estão cada vez mais lotadas. Os pobres e seus gritos ecoam por toda parte. Pinheirinho é o símbolo de uma sociedade marcada pela indiferença da produção de mercadorias.
Seu sorriso me faz falta. Sua voz imensa e profunda, larga e oceânica me cobre o corpo e as lágrimas se misturam à saudade.
Vida e obra, morte e arte. Elis, uma estrela que ainda brilha na arte. Não importa o tempo, a ausência é sentida!