Por Atanásio Mykonios
Há uma indigência afetiva entre nós. Estamos abandonados. Nós
mesmos somos refugiados de uma guerra de sentimentos, uma guerra de
indiferenças. Fingimos estar fortes e sermos autônomos, fingimos não precisar de
pessoas que conhecemos, fingimos felicidades e realizações. Queremos esconder nossa miserável condição social, nossa mediocridade com as fotos de um dia ensolarado. Há uma necessidade doentia de sermos percebidos. Nossa infância
ainda não acabou, como mendicantes, pedimos atenção, carinho, em meio a
escombros sociais e emocionais. Nossa idade mental revela a extrema ignorância acerca do que nos ocorre. Temos medo de sermos descobertos. Esse fingimento esconde nossa perversidade mais
recôndita. Em ruínas internas e externas, continuamos a seguir nossos caminhos,
esperando que alguém nos dê a atenção devida. O silêncio dessa condição social é
mortal. Nos tornamos uma imensa maioria silenciosa que assiste ao desmoronamento de as estruturas afetivas, psicologicamente estamos por um fio. As pessoas silenciam diante do real que as esmaga. Simplesmente dão de
costas e continuam. E assim como recebem indiferença, praticam-na com o mesmo
esmero e método. metodicamente somos estranhos a nós mesmos, queremos que o mundo seja para nós, de modo que a sustentável forma de nosso corpo social é uma ilusão. Assumem um caráter difuso. Conseguem ser extremamente
corajosas escondidas pela tela de um computador e por teclados – essa virtualidade
se torna um mundo dentro do mundo real. É como um refúgio, por isso, somos
refugiados de um mundo dentro do mundo real. Nesse mundo, não importa a
presença, não importa o olhar real, não importa o pulsar real. Não acreditamos
em mais nada, a não ser a imensa vacuidade que nos preenche. Não nos interessa qualquer compromisso com a humanidade. Nossa arte é diletante, somos os "capitalistas anticapitalistas" como Robert Kurz apontou. Como mercadorias,
somos trocados no varejo dos sentimentos como objetos de troca e de consumo, ainda estamos em nossa própria pré-história.
Pouco importa o que ocorre no mundo ou à nossa volta, a não ser um lugar seguro
para trabalhar e uma vida de entretenimento. Esse mundo parece que veio para
ficar. Mesmo que tudo esteja para ruir, o que importa é que até a ruína seja motivo de entretenimento, tudo deve ser agradável ao imediato da consciência sem individualidade. Mas, por outro lado, como toda cultura da mercadoria, possivelmente,
esse mundo será ainda substituído por outra virtualidade e novos campos de
refugiados serão criados. O silêncio desse sepulcro social é a expressão mais
importante da orgulhosa indiferença que nos acomete. De certa forma, quanto
mais distantes da materialidade do mundo, mais indiferentes nos tornamos, mais
nuvens preenchem nosso modo mental. Quanto mais nas nuvens, mais estranhos
somos. Essa apoteose da indiferença é também a marca de um tempo sem a presença do indivíduo, que abdicou de seu direito de estar no mundo. Que essa forma social nos pense e que o faça do modo com que continuemos entorpecidos pela eternidade afora.