De maneira geral a noção do trabalho como fonte moral da vida, necessidade de ascensão ao mundo das mercadorias se tornou fundamento da vida e das relações humanas. Sua abstração não é compreendida pelos indivíduos, mas eles a reproduzem e mais, são portadores desse modo de viver. Além disto, os indivíduos parecem portar uma noção invertida quanto à mercadoria, ou seja, não como forma social que determina o processo da consciência, mas a de que não se sentem submetidos à forma e à mercadoria, a não ser como portadores de necessidades que devem ser satisfeitas pela forma do valor de uso.
A contragosto, o mal necessário é que a mercadoria porta o valor de uso e representa o que deve ser consumido, porém, tanto o fetiche quanto a alienação não são observáveis pelos indivíduos, tanto quanto a falta de conhecimento acerca do mercado, que o representam como um lugar. Esse contexto social impregna a realidade de uma absurda condição de vida. A cultura liberal permanece impregnada na consciência dos indivíduos, que se afastam dos elementos históricos constituintes do processo e o transformam em categorias estanques, sem ligação direta, isto é, sua ligação se faz pela ordem dos próprios sujeitos sociais, ou seja, a mediação é feita pelos indivíduos e não pela mercadoria ou mais especificamente, pelo valor, que conduz o processo, do trabalho ao consumo.
Parece ficar evidente a noção de que os indivíduos se sentem senhores e autônomos do processo e que por causa disto, são os verdadeiros mediadores da relação entre trabalho e mercadoria. Dessa forma, a questão dos problemas enfrentados, as dificuldades, a exploração, o Estado como entidade negativa do processo, são introduzidos por uma moral ou, mais precisamente, por uma consciência alterada, invertida, que cultua a vontade dos indivíduos, sua decisão e capacidade de intervir no processo, constituindo-se, dessa forma, em verdadeiros protagonistas de seu sofrimento. Uma inversão que garante a reificacão do capitalismo e atinge todas as formas de relação na sociedade, inclusive a comunicação, a linguagem, e as demais instituições sociais. Dessa forma, a naturalização dessa espécie de relação incinera a história e, por conseguinte, desumaniza a própria condição humana, arrancando-a de suas possibilidades de realização e, radicalmente, transfere para um nível de consciência a necessidade de agir sem se dar conta de que há uma mediação criada pelos homens mas que, em grande medida, não são capazes de percebê-la e que foi compreendida e dissecada por Karl Marx há mais de 150 anos.
Assim, se as leis do capitalismo estão postas e se o fetiche da mercadoria e a síndrome do valor encabeçam as conclusões, e se, de outro lado, esse processo evoluiu em quantidade, mas no mais profundo permanece o mesmo, no que tange às suas conseqüências de alienação e reificação; e se, mais ditosamente, podemos mesmo considerar que as forças historicamente impulsionadas para tensionar o capitalismo o reproduziram? Em que medida toda evolução social, de formação e intelectual foi capaz de barrar essa alienação?
Por isto, cabe avançar nesse processo de observação, especialmente para investigar a percepção quanto à mercadoria, o valor e o trabalho, no âmbito de universos mais específicos, por exemplo, junto e membros de movimentos sociais, partidários, sindicatos, etc. O objetivo é sondar essa noção junto a grupos que aparentemente teriam melhores condições de reconhecer, ao menos, o fetiche.
A questão mais importante permanece a mesma: como superar essa forma de alienação e o fetiche estando os indivíduos mergulhados no processo a ponto de serem eles mesmos portadores, porta-vozes e, de modo invertido, terem a noção de que tudo substancialmente deriva de sua vontade, como mediadores das próprias relações sociais.