sexta-feira, 23 de maio de 2014

Ao caírem as abas!

Por Atanásio Mykonios

Não podemos atravessar! Não podemos atravessar! Não podemos sentar! Não podemos sentar! Um corpo está em putrefação. Está posto no ambiente. Um ambiente qualquer. É um corpo com moléculas, água, sinais de rugas e decomposição. De que se trata afinal? Um corpo em matéria, a materialidade invisível. É uma cadeira que não se move, até perder o sentido de sua presença. Morre e despenca, desmorona como o que estamos a ver e a tocar. Em volta, outros objetos, coisas mortas e coisas vivas. No centro o olhar. A cadeira e sua materialidade, presente como uma desconhecida. Passam os respirares e as ventanias nos vácuos presumidos. Entre os objetos, vazio. Entre os corpos, vazio. Entre os seres, vazio. Eis que essa cadeira se torna o centro de um movimento estranho, alheado ao momento da vida. Como é difícil perceber o modo como a vida ocorre, quando uma cadeira se torna o centro. É tornada o centro da humanidade, por alguns momentos, duas mulheres se entrelaçam num desconhecido movimento de aproximação e repulsa, em que assumem a corporificação de outro corpo em decomposição. Eis que a dança imprime sobre a cadeira uma espécie e mimese em que transfere à cadeira uma corporalidade que não se encontra nela, mas nos corpos desconectados e desconexos entre si e o mundo que está em pé. Por que estar em pé? O que nos faz ficarmos em pé? E por que o mundo se deita? E por que o mundo desmorona? O tema é inquietante, reverbera por todo o ambiente, as salas, os cômodos, as janelas, o solar todo mergulha na obscuridade dos corpos e a cadeira se esvai. Essa narrativa é própria de um tempo corroído e corrosivo, em que o olhar parece não ver o que de fato vê, mas percebe algo. Sentir, neste caso, não pode expressar a realidade dessa dança. É um ato a três, que envolve o mundo e o faz delirar numa angústia contida, calculada, vomitada. É assim, o mundo calculado e uma dança descalculada que calcula o mundo eu está por ser destruído. E muitos ainda no creem que haverá um mundo a destruir, a cadeira é testemunha silenciosa desse processo. As meninas, bailarinas, mas meninas, especialmente pelo olhar que lançam sobre o ambiente, Aline Brasil, e Anna Behatriz o músico Jeferson Leite, que na espreita de um músico, acaricia cada movimento daqueles corpos que fazem explodir o silêncio do medo, eles me fizeram perceber que há vida na morte e que há morte na vida, em todos os lugares e poros por onde respiram as moléculas e as células de nossa frágil sociabilidade. Por isso, atiro em direção a eles, quero eles possam dançar na praça, na minha casa, na rodovia, no interior do supermercado, em qualquer lugar, até dentro da Capela Sistina. Que seja!