segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Perdidos no Espaço

Perdidos no espaço



Estamos como astronautas vagando no interior de abstrações que a modernidade capitalista foi capaz de construir em seu processo histórico. Estamos perdidos no espaço como quem vive uma realidade flutuante. As nuvens parecem ter mais substância que a terra. O palpável parece não existir, a materialidade se tornou um mal. Tudo está flutuando, tudo é etéreo e tudo se desmancha. Mas parece que é aí que a sociedade encontra seu refúgio, crê no que não tem qualquer sustentação, como se tudo pudesse ser por si sem qualquer fundamento material. O epifenômeno se apresenta e tem mais verdade que a terra que nos alimenta. Arrancamos do mundo tudo que ele nos dá e como Platão queria, nós o desprezamos em favor das nuvens. A sociedade da modernização capitalista é, sobretudo, platônica na sua mais profunda condição, na construção de sua consciência fetichizada. Conseguimos realizar o sonho de Platão, o mundo das ideias agora domina a consciência dos indivíduos sociais. Basta ter boas ideias e infiltrá-las na consciência que esta se tornará boa como as boas ideias – Platão, Descartes, Aquino, Kant, Hegel, Heidegger, Sartre, Foucault, Gramsci, todos de mãozinhas dadas. Vencemos, agora podemos nos considerar livres e felizes com o nosso multiculturalismo, as máquinas nos darão tudo de que precisamos. A tecnologia irá nos salvar, fará a revolução por nós e continuaremos felizes em nossas nuvens. Parabéns, no dia dos mortos, estamos mais mortos que as próprias abstrações criadas por nós em forma de um sistema cego e caótico. 

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Reforma da educação em curso

Atanásio Mykonios


Em 1968 houve uma reforma educacional. O governo mudou drasticamente o caminho da formação até então marcado por um processo de aproximação e diálogo com as sociedades. Isto significava não apenas uma censura, sobretudo representava a exclusão de todas as condições de reflexão, de crítica e engajamento que principalmente as universidades haviam exercido. 

Os problemas do Brasil e do “homem brasileiro” estavam na formação, no ensino e nas escolhas pedagógicas. Em outras palavras, a formação dos estudantes levava em conta a história, a antropologia, a filosofia, a sociologia e psicologia. Até profissões técnicas passavam por esse crivo crítico.

Conhecer a realidade social era uma questão de construção das condições em que essa realidade se impunha. Até um engenheiro deveria saber de sua realidade ao construir pontes e estradas.

A partir de 1968, houve um corte radical. O que interessava era uma formação eminentemente técnica. Houve um rebaixamento na qualidade do ensino universitário. As universidades tiveram uma baixa estrutural, foram burocratizadas a fim de haver maior controle. Elas passaram a ser niveladas aos bons cursos técnicos fora do país.

Gerações de técnicos foram formadas a partir de então. O que importava para o currículo eram apenas e tão-somente os saberes técnicos necessários para o exercício de uma boa profissão. Assim, milhões foram adestrados a cumprirem exclusivamente determinações técnicas relativas ao seu ofício.

Nada de política, nada de crítica, nada de reflexão. O que importava era a boa disciplina para aprender – o bom aluno era aquele que se dedicava aos estudos de forma pragmática, sem pestanejar a fim de seguir seu caminho e ser alguém na vida. Ou seja, uma exclusão total da dialética do real!

De certa forma, o que ocorre hoje é a repetição desse processo. Nada de história, nada de filosofia, nada de ciências sociais. Tudo isso é balela para grupos fundamentalistas e autoritários. Os problemas sociais não devem ser tratados em absoluto. Ao contrário, esses problemas são suscitados como forma de provocação “ideológica”, vindos do campo da esquerda. Como, ao que tudo indica, não teremos uma nova ditadura (ao menos isso não se avizinha no horizonte próximo), os grupos reacionários querem novamente impor uma formação estritamente técnica.

Para esses grupos não há necessidade de aprofundamento das condições da realidade social no âmbito acadêmico, em especial. Tudo isso é balela, o que importa é o domínio da técnica, aliado ao adestramento, à obediência, ao controle e à eficiência capitalista.


É bem verdade que os atuais governantes não se preocupam muito com essa questão. Para os capitalistas, o que importa é a eficiência produtiva da formação sistematizada em forma de educação regular. E assim esse grupos se aproveitar para arrancarem seus nacos de poder e reproduzirem a história numa roda-viva positivista pós-moderna.

domingo, 11 de outubro de 2015

Monitorar, rastrear, interceptar, obter, controlar, intervir

Por Atanásio Mykonios



Estes são alguns dos verbos que podem compor um conjunto de ações na atualidade acerca de como nossas vidas são efetivamente apanhadas pelo sistema de informação global.

Praticamente toda a nossa vida, social e pessoal, é controlada à distância. O sistema interligado entre os organismos de estados-nacionais e empresas variadas, compõem um novo quadro de estrutura de poder quase invisível e que nos vê e nos pensa já há algum tempo de fora de nossas próprias decisões, como um grande olho. Se fato, a profecia se cumpriu.

Hoje é possível saber em tempo real, o que fazemos, aonde vamos, quais os nossos itinerários, onde costumamos nos encontrar e com quem.

Os sistemas de segurança têm se especializado absurdamente em coletar dados em âmbito global em uma velocidade estrondosa e com a capacidade de armazenamento cada vez maior.

A vida política e social está sendo totalmente vigiada e controlada por esses organismos políticos e econômicos. Para muitos, isso não parece nenhuma novidade. Até mesmo sabemos que nosso computador pode ser invadido, mesmo desligado, enquanto dormimos sossegadamente o sono dos ingênuos.

Todos os aparelhos que nos conectam ao mundo estão hoje interligados – TV, celular, telefone fixo, computadores, rádio, terminais de autoatendimento, máquinas de pagamento em qualquer estabelecimento (débito ou crédito), pedágios, cinemas, redes sociais, satélites, automóveis, transporte público, câmeras de monitoramento, supermercados, shoppings, etc.

Portanto, todos são monitorados, rastreados, interceptados, controlados. Somos diariamente alvo de intervenções das quais sequer nos damos conta, nem as intuímos. Por outro lado, a obtenção de informações e dados a nosso respeito ocorrem a qualquer momento, cada um de nós, plugado no mundo virtual, é concretamente aprisionado numa rede de informações preciosas para o sistema capitalista na atualidade.

Nossos e-mails, nossas ligações telefônicas, nossas conversas, nossos bate-papos, as compras que realizamos, tudo está diuturnamente sob rígido controle. A obtenção de dados de forma invasiva sobre nossa suposta privacidade implica que não há nenhuma liberdade na sociedade produtora de mercadorias. Evidentemente que muitos já o sabiam há décadas, mas todos os demais seres humanos foram pegos pela transformação desses mecanismos de controle em mercadorias acessíveis a todos.

O grande governo de fato nos controla e os liberais são tão burros quanto quaisquer outros no que se refere à tal liberdade. Eles também são controlados, aliás, todos somos, se há algo que me parece um pouco democrático é o fato de que todos somos iguais perante o grande irmão. Nem mesmo os coxinhas escapam a isso. O grande governo de fato nos controla e os liberais são tão burros quanto quaisquer outros no que se refere à tal liberdade, a não ser aqueles que, de alguma forma, têm interesses diretos nesse processo – poder econômico, poder político, poder militar.

Podem nos interceptar a qualquer momento, podem utilizar drones para nos encontrar e até nos aniquilar, caso seja do interesse.

Não fique com tanto medo, porque o processo ocorre há pelo menos 10 ou 15 anos. Cada vez mais sofisticada essa tecnologia, os aparatos de intervenção se tornaram praticamente invisíveis. O propósito é garantir condições de intervenção política e econômica quando for necessária tal intervenção, para assegurar que o sistema continue a funcionar a partir de um suposto centro gerencial – EUA. Mas todo mundo já está seguindo esses passos.

Então, relaxe, sabem o que você pensa, aonde vai, o que come, o que veste, o que gosta de ler e, principalmente, com quem você esteve ontem na rede social e quais suas preferências políticas, religiosas e até sexuais.

Sabem o que você disse contra este ou aquele político, conhecem seus gostos em leitura e com quem você tem afinidades ideológicas e políticas. Está tudo muito bem esquadrinhado. Mesmo que quiséssemos, só seria possível uma revolução utilizando ferramentas de há pelo menos 200 anos, nem mesmo o telégrafo escaparia hoje a esse rastreamento.

Então, antes que você pense em fazer a revolução por aqui, saiba que esses sujeitos saberão com muita precisão como tudo vai acontecer.

Mas ao que tudo indica, a rede de computadores também é extremamente frágil.

Não dá mais pra segurar, explode coração!


domingo, 27 de setembro de 2015

O processo de produção e a transformação das famílias

Por Atanásio Mykonios


À medida que os processos de produção se transformaram nos últimos trinta anos. À medida que as forças de produção criam uma fragmentação dos tempos sociais. À medida que esse processo afeta a organização social na sua totalidade, como a força de trabalho, esfacelando-a em migalhas de tempos diversos, com ocupações das mais diversas, ocorre que o tempo da sociedade industrial - o tempo da fábrica - é substituído por tempos que afetam também a organização da família, da educação, do Estado, etc.

São os tempos de novas formas de produção, em que a maioria não se encontra mais na indústria de transformação direta. A maioria está em outros setores, com tempos de trabalhos também diferentes e fragmentados.

Aquela família nuclear que foi instituída ao longo do processo da primeira e segunda revoluções industriais do capital, tinha sentido para aquela determinação histórica. Famílias nucleares, que contavam com alguma segurança estrutural na era fordista, principalmente, foram consolidadas nesse período. Essa forma de organização familiar perde seu estatuto à medida que a transformação da produção implica a mudança dos tempos e das formas de família.

Além disto, o papel monogâmico imposto historicamente à mulher começa a perder seu condicionamento devido à transformação desse processo de produção. Assim é que as interposições familiares ganham espaço em todos os quadrantes da sociedade capitalista. É a mudança interna que influencia as estruturas familiares.

Dessa forma, o que as religiões exigem, até mesmo do ponto de vista legal, ou seja, a preservação de uma família nuclear aos moldes do passado será impossível. Seria necessário, para tanto, que a própria sociedade capitalista (defendida por esses religiosos) parasse no tempo ou que voltasse aos moldes de produção anteriores. Impossível!

É preciso entender que essa tentativa de restringir a família a um núcleo heterossexual nada mais é que uma tremenda ilusão, uma imensa energia gasta cujo resultado será apenas o controle esquizofrênico de grupos religiosos sobre a sociedade. Mas eles não serão capazes de alterar uma vírgula no que o capitalismo provoca: a constante transformação das forças produtivas que implicam a mudança da organização social.

Quem não entende esse processo histórico, fica desfraldando discursos e bandeiras sem qualquer conteúdo.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Migração?

Por Atanásio Mykonios



As palavras são portadoras de significados. Não há neutralidade nelas. Elas expressam a construção de um processo de poder e de luta pelo poder. Em tempos de manipulação de opiniões públicas, elas são minuciosamente conduzidas para refletirem a vontade de grupos de poder.

Os meios de comunicação são especialistas em distorcer a realidade em favor de interesses políticos e econômicos.

O que a Europa está vivendo não é uma crise de migração (ou imigração), mas é uma crise de REFUGIADOS. Milhões estão fugindo à guerra para não serem mortos. O refugiado tem uma condição em que busca exílio político contra a perseguição contra si e sua família.

Ao eliminar esse termo e substituí-lo por Migrações, quer-se tornar o problema um problema pessoal, de escolha das pessoas que querem mudar de vida entrando em outro país para melhorar a sua condição de vida.

Assim, coloca-se sobre os ombros dessas populações perseguidas uma ideia distorcida de que desejam invadir outra cultura para dela se apropriar com o tempo.

Não é o caso! Os refugiados são uma realidade que expressa a destruição, a guerra, a perseguição. Em outas palavras, são vítimas e não algozes da cultura ocidental e também da cultura oriental.

Hoje há mais de 4 milhões de refugiados somente no Oriente Médio. Jordânia, Líbano, Turquia, têm no interior de suas fronteiras milhões de desterrados pela guerra.

O ponto que deve sofrer uma crítica radical, entre tantos pontos, é que se tratarmos essas vítimas como simples migrantes, estaremos cometendo uma barbárie cujo princípio está na manipulação dos termos que passam a ser consagrados pelos meios de comunicação e nós ao repeti-los, somos massa dessa manobra política.


Os racistas, xenofóbicos, escravagistas e outras aberrações se atêm à distorção dos termos para legitimarem suas posições contra refugiados e toda espécie de perseguidos. 

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

PARTIDO NOVO E PARTIDO VELHO: Há semelhanças?

Por Atanásio Mykonios



Nesta semana, o TSE aprovou a inscrição do partido político de nome NOVO. De “Novo”, não parece ter quase nada. A não ser o fato de que surge numa contexto histórico marcado pela emergência de grupos despolitizados, grupos que, ao que parece, passam a figurar nas fileiras da institucionalização. É mais um dos partidos, que recebe o No. 30. Emblemático? Talvez!

O mais interessante é que a lista de fundadores do partido é composta por administradores, engenheiros, economistas, empresários, estudantes, médicos, psicólogos, advogados. A pessoa mais conhecida figura em penúltimo lugar na lista, o número 180 pertence a Tamy Duarte Macedo, cantora, domiciliada no Rio de Janeiro. Mas ao que tudo indica que ela se filiou ao PP, nas últimas semanas.

De qualquer forma, a sua base de criação parece não ter nenhum apelo a não ser a experiência no campo empresarial e liberal da maioria de seus fundadores. Ou imaginam que terão sucesso convencendo os eleitores de que bastam boas intenções e experiência administrativa para gerir o Estado com suas empresas ou, o que também não deve ser descartado, trata-se de mais um partido de fachada.

Em seu Estatuto, especialmente no Artigo 2º, podemos observar a pérola dos objetivos do Partido NOVO, a saber:

ESTATUTO DO PARTIDO NOVO
TÍTULO I - DEFINIÇÃO, SEDE, OBJETIVO E SÍMBOLO

"Art. 2.º - O NOVO tem como objetivo zelar pelo cumprimento da Constituição Federal, defender os direitos fundamentais nela garantidos, assegurar a autenticidade do sistema representativo, defender a democracia e as instituições a ela inerentes, contribuir para o desenvolvimento sócio-econômico sustentável, zelar pelo respeito à liberdade de expressão, defender os princípios republicanos de respeito à coisa pública e ao bem comum, buscar a eficiência e qualidade na gestão pública, arregimentar filiados com identidade de objetivos, e concorrer a eleições para a composição do Poder Executivo e do Poder Legislativo, municipais, estaduais e federais, com candidatos próprios ou em coligação partidária."

“respeito à coisa pública” e “ao bem comum”; “buscar a eficiência e qualidade na gestão pública”, “zelar pelo cumprimento da Constituição Federal”; “assegurar a autenticidade do sistema representativo”. Estas são afirmações que, num primeiro momento, podem soar como democráticas, efetivas do estado de direito. Mas por serem excessivamente genéricas, podem conter um duplo caráter em seu conteúdo. De um lado, uma forte tendência ao estatismo, um partido voltado apenas para atender as necessidades da “coisa pública”. Mas a segunda interpretação pode ser ainda mais terrível. 

Uma vez que apresenta generalidades, tudo pode caber nelas. Não há nenhuma consideração acerca de sua base teórica, histórica ou, quiçá, ideológica. Continua a sua generalização ao afirmar que deseja “contribuir para o desenvolvimento sócio-econômico”, de tal sorte que esta afirmação é tão ampla que por desenvolvimento sócio-econômico pode implicar qualquer condição e prática. Me parece que uma afirmação colocada no interior do artigo parece ser mais um compromisso com os meios de comunicação do que com a liberdade de expressão, ao afirmar que deseja “zelar pelo respeito à liberdade de expressão”.  

Enfim, um projeto político que em suas palavras tanto pode ser uma social democracia, um partido ruralista, um partido da imprensa golpista ou qualquer outra coisa, inclusive um partido eminentemente intervencionista, de cunho burocrático e formalmente composto por gestores sem qualquer politização, a não ser a politização dos gestores em favor do sistema econômico. Parece não ter nenhuma pretensão a não ser “o bem comum”, o que, como despretensioso, este partido é mais um embuste que procura escamotear ou omitir as suas reais intenções.

Só para lembrar, em 1920 o Partido Nacional-Socialista Alemão publicou seu programa com 25 pontos. Alguns deles estão ainda disseminados pelos estatutos de diversos partidos. Mas para começar, no ponto 24, ao seu final, lê-se em letra garrafais: “BEM COMUM ANTES DO BEM INDIVIDUAL.”

No ponto 9, lê-se: “9. Todos os cidadãos devem possuir iguais direitos e deveres.” Além disto, no ponto 11, encontramos a seguinte pérola:
“11. Que toda renda não merecida, e toda renda que não venha de trabalho, seja abolida. Quebrando as Algemas do Interesse.”

Pois é... de alguma forma, sempre há que podemos encontrar semelhanças, até entre os partidos de esquerda e os 25 pontos do Partido Nazi.

E há mais, pontos interessantes que nos remetem a uma confusão de ideologias e posicionamentos. Será que essa turma de hoje é fascista ou nazista?

“24. Nós exigimos liberdade para todas os credos religiosos no estado, à medida que eles não coloquem em risco a existência ou ofendam a moral e senso ético da raça germânica.
O Partido como tal representa o ponto-de-vista de um cristianismo positivo sem ligar-se a qualquer credo particular. Ele luta contra o espírito judaico materialista internamente e externamente, e está convencido de que uma recuperação duradoura do nosso povo só pode vir de dentro, sobre o princípio: BEM COMUM ANTES DO BEM INDIVIDUAL.

É bem verdade que os 25 pontos são agressivos e apontam para um contexto de destruição da Alemanha, mas não podemos olvidar a sua importância e quiçá a sua influência em dias atuais.


Quais as semelhanças?

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Filosofia e religião

Por Atanásio Mykonios


Entre 45% a 47% dos cursos de graduação em Filosofia no Brasil estão sob o domínio da igreja católica. Ela oferece cursos seminarísticos, licenciaturas e bacharelados. O maior número desses cursos se concentra no Estado de São Paulo. As universidades públicas oferecem geralmente bacharelados que tendem à pesquisa de forma específica, elas não se preocupam muito com a formação de professores de filosofia, chegam mesmo a dar de ombros quando a questão é formar licenciados em Filosofia. A outra fatia fica a cargo de diversas instituições privadas, algumas de origem protestante e outras católicas.

Vê-se, de alguma forma, que o ensino de filosofia oferecido pela igreja, cursos confessionais, forma um contingente de professores e pensadores que tendem a um hermetismo no que concerne ao fazer filosofia. Em outras palavras, a perspectiva teórica é fundamentalmente metafisica, tomista, aristotélica e com poucas brechas para um pensamento dialético. É compreensível que um número significativo desses formados (padres, ex-padres, seminaristas, ex-seminaristas, freiras, ex-freiras, etc.) pense e atue de forma conservadora, tanto em seus textos quanto em suas aulas e prática social. 

Há um pensamento razoavelmente comum que parece indicar que professores de filosofia e filósofos são “maluquinhos”, que vivem no “mundo da lua” ou que tendem a um constante questionamento da realidade. Puro engano! A escola platônico-aristotélico-tomista nos leva a um sistema de pensamento rígido e sobretudo de uma ontologia cuja aplicabilidade ao mundo real só pode ocorrer por meio de um processo a fórceps.

Longe de mim desqualificar essa corrente quase originária do pensamento filosófico ocidental. Ao contrário, é preciso reconhecer os elementos fundantes de um pensamento que deitou raízes até hoje. Platão e Aristóteles têm aspectos que merecem ser melhor refletidos, sua ética e seus conceptos sobre a sociedade refletem um mundo controlado por uma elite cujo poder impunha uma dominação histórica sobre as diversas esferas da sociedade.

Não é à toa que o fundamentalismo católico é, de longe, o mais pernicioso e perigoso, supera em teoria e em prática os fundamentalismos pentecostais e neopentecostais. Vemos que na origem do discurso reacionário que o Brasil experimenta, muitos dos seus fundamentos vêm de pensadores com formação em Filosofia, diretamente ligada à igreja.

Gabriel Chalita soube identificar esse quadro. Quando assumiu a Secretaria de Estado da Educação, promoveu uma pesquisa sobre o ensino de Filosofia na rede pública, e percebera, à época, que mais de 90% dos professores de Filosofia, advinham de escolas da igreja. Oficializou o ensino de Filosofia, com a segurança que este ensino se aproximava do ensino religioso que era uma proposta que não vingou. Com essa matriz teórica seguida pela maioria, não haveria problemas.

Afinal, quando 1,641 milhão de alunos matriculados no Ensino Médio têm regularmente duas aulas de Filosofia por semana, era pra termos alguma mudança no pensamento da base, mas a realidade é outra. A disseminação de correntes reacionárias, fascistas, autoritárias, militares, etc., surgem nesse ambiente marcado por uma Filosofia do ordenamento metafisico.


Será difícil reverter esta situação. As universidades públicas têm de assumir seu papel histórico. Não se trata de defenestrar o modo de pensar praticado pela igreja, mas é preciso ampliar o leque e apresentar mais do que esta ou aquela Filosofia, mas abrir as portas para a riqueza das correntes que ficam enclausuradas nos gabinetes e nos artigos de especialistas.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

SOCIEDADE DE ESCRAVOS OU FASCISTA? EGITO ANTIGO, GRÉCIA ANTIGA OU BRASIL? QUEM SOMOS?

Por Atanásio Mykonios

Pois vamos a alguns fatos:

DISTRIBUIÇÃO DOS IMPOSTOS
·         79,02% dos trabalhadores no Brasil ganham de 1 a 3 salários mínimos. Estes trabalhadores contribuem com 53,7% dos impostos arrecadados.
·         10,14% dos trabalhadores ganham de 3 a 5 salários mínimos e eles contribuem com 12,65% da arrecadação dos impostos.
·         Juntos, os trabalhadores que ganham de 1 a 5 salários mínimos, correspondem a 89,16% do total de assalariados e contribuem com 63,35% dos impostos arrecadados.
·         2,40% dos trabalhadores assalariados no Brasil ganham entre 10 e 20 salários mínimos. Eles contribuem com 9,63% dos impostos arrecadados.
·         Os que ganham acima de 20 salários mínimos representam 0,84% dos trabalhadores e contribuem com 7,30% dos impostos.

A DIVISÃO DA EDUCAÇÃO EM SÃO PAULO
·         No Estado de São Paulo, o número de alunos do Ensino Médio matriculados na rede estadual e municipal é de 1.641.726.
·         O número de alunos do Ensino Médio na rede particular no Estado de São Paulo é de 283.493 matrículas.


A VIOLÊNCIA NO BRASIL
·         53.337 pessoas vítimas de homicídio em 2012. 30.072 eram jovens de 15 a 29 anos. 70% eram negros – 23.160 homicídios, moradores de periferia e áreas metropolitanas dos centros urbanos.
·         De 2002 a 2012 o número de homicídios de jovens brancos caiu 32,3% e o de negros aumentou 32,4%.
·         De 2009 a 2013, a polícia brasileira matou 11.197 pessoas. De 1983 a 2012, a polícia norte-americana matou 11.090. A polícia brasileira matou em 4 anos o que os americanos levaram 29 anos.

OS PRESOS NO BRASIL
·         O total de presos no Brasil é de 715.655 - 567.655 presas e 140.000 em prisão domiciliar.
·         A POPULAÇÃO CARCERÁRIA NO BRASIL É A 3ª DO MUNDO

A MÉDIA SALARIAL - Em Salários Mínimos
Alojamento e alimentação                 1,6
Comércio                                           2,0
Agricultura                                         2,1
Serviços domésticos                          2,3
Construção                                         2,8
Indústria de transformação                3,3
Administração pública                       4,3
Informação e comunicação                5,4
Indústria extrativa                             6,6
Atividades financeiras                       7,2
Eletricidade e gás                              9,0

PORTANTO
Ou seja, os menos assalariados PAGAM mais impostos.
Bancam o Estado com 53,70% dos IMPOSTOS
Sustentam as UNIVERSIDADES PÚBLICAS, estas mesmas que somente os mais assalariados frequentam.
Mantêm a POLÍCIA que os persegue, os prende e os mata diuturnamente
São os que pagam mais IPTU e os que são confinados nas piores regiões
Bancam o SISTEMA de SAÚDE, para os ricos aprendam nos estágios e residências como fazer medicina
Os menos assalariados são os que sustentam a INFRAESTRUTURA DO PAÍS
Mas são eles e os mais pobres que não têm acesso Á RIQUEZA QUE PRODUZEM
São os menos assalariados e os miseráveis que estão nas CADEIAS

Eles trabalham no Comércio e ganham 2 salários mínimos em média
Eles trabalham na Agricultura e ganham 2,1 salários mínimos em média
Eles trabalham nos Serviços Domésticos e ganham 2,3 salários em média
Esses menos assalariados trabalham na Construção Civil e ganham 2,8 salários em média

Há um GENOCÍDIO neste país desde a sua criação.
E NINGUÉM mexeu nessa estrutura.
A Pirâmide da exploração é a mais terrível do MUNDO.
Por isto é, proporcionalmente o país mais INJUSTO SOCIALMENTE DO MUNDO!
Nem PT nem PSDB mudaram nada e não mudarão esse quadro.
É uma sociedade de ESCRAVOS, nada mudou no Brasil.
A ESCRAVIDÃO não é apenas uma mentalidade – É UMA PRÁTICA REAL NO BRASIL
Essa ESCRAVIDÃO É UMA POLÍTICA DE ESTADO - É UMA POLÍTICA SOCIAL REAL
Os mais POBRES sustentam os mais RICOS e o ESTADO.
O que se faz com os ESCRAVOS? É preciso mantê-los CONFINADOS, PRESOS, EM HOSPITAIS, EM GUETOS E CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO URBANOS.

E os mais RICOS ainda se sentem MERECEDORES do que têm.
E saem às ruas para simplesmente MANTEREM ESTA SOCIEDADE DE ESCRAVOS.
Nem PARTIDOS, nem POLÍTICOS, nem SINDICATOS mexeram nisto.

Trata-se de uma LUTA DE CLASSES que se apropria da FORMA DA ESCRAVIDÃO PARA REFORÇAR A EXPLORAÇÃO.




Bibliografia

Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação - http://www.ibpt.com.br/
Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas – Novo diagnóstico de pessoas presas no Brasil. DMF Brasília/DF, junho de 2014. Panorama Brasileiro. http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/pessoas_presas_no_brasil_final.pdf.
Sistema IBGE de Recuperação Automática – SIDRA – IBGE. Salário médio mensal (Salários Mínimos) - http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/cempre/default.asp?t=5&z=t&o=12&u1=1&u2=1&u3=1&u4=1&u5=1.
Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2014. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. http://www.forumseguranca.org.br/storage/download//anuario_2014_20150309.pdf
Julio Jacobo Waiselfisz. MAPA DA VIOLÊNCIA 2015 - Adolescentes de 16 e 17 anos do Brasil. http://mapadaviolencia.org.br/pdf2015/mapaViolencia2015_adolescentes.pdf.

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO COORDENADORIA DE INFORMAÇÃO, MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO EDUCACIONAL. Censo escolar estado de São Paulo - informe 2014. http://www.educacao.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/967.pdf.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Quando A = B

Por Atanásio Mykonios


Estou estarrecido com algumas coisas no atual contexto político.

Em primeiro lugar, uma onda anticorrupção se levantou, a princípio com a aparência de um discurso moralizador. Mas eu sabia que quem levantava a bandeira contra a corrupção não tinha qualquer autoridade para isto e rapidamente pude perceber que daqueles que defendem a derrubada do atual governo, ou de parte dele, não encontrei ninguém em condições ilibadas para de fato exigir com autoridade o fim de um governo. Dia após dia, aqueles que se mobilizam ferozmente contra o governo são pegos em questões no mínimo duvidosas para não dizer escandalosas. A lista é interminável e eu não preciso elencar os envolvidos, estes são notórios. 

Como é possível esperar de um país esse tipo de postura? Sabemos que políticos, organizações, empresas, como as midiáticas, grupos extremistas, todos são flagrados ou têm seu passado metido em corrupções, subornos, sonegações, mentiras, etc. Na verdade, quem tem autoridade para isso? Não é apenas um movimento fascista, mas, sobretudo, um movimento de gangues quase armadas, que chantageiam, mentem, manipulam, têm um viés estupido sem qualquer escrúpulo, defendem políticos corruptos como se estes pudessem de fato passar a limpo o país. É um verdadeiro antro de bandidos, eles se sentem acima da lei e a pisam, justamente eles que tanto dizem defender.

Em segundo, é mais do que sabido que o processo da Lava-Jato está eivado de irregularidades. Sabemos que muitos delatores nem provas apresentam. Como confiar em delatores? Quem viveu o tempo da ditadura sabe que os delatores são a pior espécie num processo revolucionário ou num processo de luta contra qualquer coisa. Sabemos que a prática desse processo é irregular e tem sofrido, por parte de juristas e juízes, críticas contundentes apontando o fato de que os procedimentos estão cheios de vícios e que provavelmente esse processo de prender e exigir delação é algo estapafúrdio. E justamente agora que um delator aponta o presidente da Câmara como um suposto achacador, a esquerda ligada ao governo vibra com todos os seus poros e todos os seus pelos. 

Então, se estamos vibrando para que o Cunha se foda, estamos aceitando todo esse processo que se arrasta desde o ano passado e que tem por objetivo desgastar o governo, o Lula e o PT e sabemos que os que apoiam esse processo de investigação são os mesmos que se articulam para derrubar o governo. 

O que me deixa muito angustiado é o fato de que eu, em particular, me vejo na obrigação histórica e ideológica de lutar contra esses golpistas e fascistas, de todo tipo, me posicionar contra todos esses ignorantes sociais e políticos, mas não posso aceitar que agora vale o mesmo remédio que esses golpistas tentam aplicar ao país, como se fosse justo isso. 

A minha consciência diz que não é. Estamos enveredando por um caminho em que a racionalidade é extirpada por completo, as ações visam a um imediato relativo à defesa de qualquer circunstância contra os fascistas. Aos poucos corremos o risco de nos igualarmos a eles, torcendo que o remédio utilizado pelos fascistas sirva para que possamos fazer a justiça contra eles. Isto é muito perigoso. 

O Eduardo Cunha tem de ser deposto porque ele representa o que há de pior e mais nojento na política nacional, ele alia a hipocrisia religiosa com um caráter extremamente marcado pela vilania e pelo comportamento autoritário, chantagista, golpista e inescrupuloso. Ele tem de cair porque é o melhor para o Brasil, ele e seus aliados, mas não por meio de um instrumento judicial que é um justiçamento ideológico contra o governo. 

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Da Realidade e da Fantasia

Por Atanásio Mykonios



A nossa reação é interessante. Se assemelha a de muitos que conhecemos. Há uma espécie de incredulidade diante de todas as barbaridades que se cometem, na política, na rua, nas manifestações dos fascistas, por meio de grupos reacionários, etc.

Foi assim na Alemanha também. Muita gente não acreditava do que via e ouvia. Mesmo a olhos vistos e até quando passaram a experimentar na própria pele, ainda não suportavam a realidade.

A realidade parece tão fantástica que quando ela chega de fato, nos assusta tanto que criamos mecanismos de defesa e com eles tentamos dissimulá-la a ponto de criar uma interpretação paralela.

Então, ficamos à espera do próximo acontecimento, sempre imaginando que poderá ser pior e tentando convencer a nós mesmos de que não será possível nada pior.

Chamamos os nossos amigos e mostramos a eles e dizemos: "Vejam o absurdo que estão fazendo!" Todos se escandalizam, mas depois de alguns minutos, a realidade volta à sua fantasia.

Chega-se a um ponto em que a realidade adquire uma dinâmica tal, que nos tornamos reféns de um processo de medo e estupefação. E nesse processo, paralisamos.

É quando as ações dos fascistas e assassinos se tornam tão absurdas e as nossas reações tão pífias, que as palavras assumem um caráter mais importante do que a ação.

Enquanto tudo ocorre ante nossas mentes paralisadas, os fascistas ganham os espaços e até mesmo o que parece um argumento estúpido, ganha, por parte deles, um caráter de dogma insofismável.

E então, ficamos a ver os navios serem incendiados, acreditando que haverá alguma reação. Mas até os líderes se tornam caricaturas e a roda social entra numa nova realidade.

Esperamos que alguma instituição reaja e que a partir de sua estatura moral, social e política, os fascistas sejam barrados. Mas descobrimos que não há quem faça isso. Ficamos à espera de um herói, mas ele não vem.

O medo é mais forte e surge como instrumento de dominação. A maioria sucumbe!

Daí em diante, nos resta resistir e ser esmagado, sabendo que restará apenas a honra perdida da consciência histórica a ser salva no meio da arena repleta de feras e gente pronta para babar a nossa morte ou fugir e rápido, imaginando que assim poderemos readquirir as forças e lutar contra.

Alguns liberais num primeiro momento não se sentirão à vontade para apoiarem os fascistas, mas não negarão o prazer que lhes darão ao nos perseguirem até fim. Depois, os liberais poderão enfrentar os fascistas em nome da liberdade, libertando-nos, quem sabe...

E assim estamos mergulhando que diz respeito à nossa própria ilusão e fantasia em relação a realidade que nos aprisiona e paralisa.

sábado, 27 de junho de 2015

O tempo do emblema!

Por Atanásio Mykonios


Em seu livro Para além do capital, István Mészaros diz com todas as letras que acredita que a mudança social anticapitalista poderia advir dos EUA, ele enxerga nesse país possibilidades de mudanças no modo de produção e na sociabilidade que, ao contrário da maioria de nós, acredita nas fissuras e nas condições anárquicas que a sociedade estadunidense apresenta. Ele vê condições para o fim do capitalismo naquela sociedade multiforme que esconde os mais terríveis monstros psicossociais.

Certos acontecimentos são emblemáticos. Certas decisões também se tornam emblemáticas porque rompem com algo que parece dado, certo, composto no embate de forças sociais e interesses de grupos. Tornam-se históricos porque abrem uma fissura no que parece estar equilibrado, ou quando surge algo que nega aquilo estabelecido ou até mesmo quando certos episódios servem para mostrar que nem toda forma de poder pode permanecer como dominação ou exploração.

Para nós, que de alguma forma temos uma formação histórica de combate e resistência, os EUA sempre pareceram o grande império contemporâneo.  Imperialismo praticado pelos EUA foi motivo de grandes lutas. Sabemos a dominação desse país e a sua capacidade de gerir o capital mundial com a força das armas.

Uma parte de nós, aprecia a cultura estadunidense, aprecia tudo que diz respeito às leis, aos costumes, aprecia as relações de poder, admira a liberdade de fazer negócios, admira o cinema, o teatro, a tecnologia, enfim, admira a terra da liberdade e das oportunidades. Houve quem cunhou a famosa frase: “O que é bom para os EUA é bom para o Brasil”.

Os EUA servem de exemplo para as diversas organizações neopentecostais e pentecostais. É um país que inspira a moda, a comida, os costumes, inspira na liberdade de religião, inspira no fato de parecer um país próspero que tal se deve ao cristianismo. Mas também inspira no que há de mais degradante em um país profundamente acostumado à violência desmedida. Hoje os EUA possuem a maior população carcerária do mundo. Os negros e os latinos mais pobres representam a maioria dos presos naquele país, mais de 2 milhões de encarcerados.

Os EUA também possuem o maior exército do mundo, o mais bem equipado, a melhor tecnologia e mais de 700 bases militares espalhadas pelo mundo.

Por tudo isso, tem crescido no Brasil, não apenas a admiração àquele país, mas tem aumentado entre diversos grupos o discurso que transforma os EUA em uma referência a ser seguida por nós. De que referência se trata? Muitos pregam abertamente que os EUA devem ser um exemplo a ser seguido por aqui, especialmente como exemplo nos negócios, na religião, na “democracia”, mas sobretudo nas relações econômicas, afinal para esses grupos os EUA são o que há de melhor a seguir em termos de liberdade total em favor dos que trabalham e sabem fazer o capital ser mais capital, também a total flexibilidade em relação ao emprego, a terceirização, a privatização generalizada da sociedade, etc.

Quando seguimos literalmente exemplos, sempre corremos o risco de sermos desmoralizados, porque o exemplo pode simplesmente não ser aquilo que pensamos ou pregamos aos outros. É assim com pessoas, grupos, instituições, times de futebol, partidos, religiões, afetos, qualquer coisa. Quando elevamos qualquer dimensão humana ou instituição a um nível de culto, transformando-as em mitos, o risco de uma decepção é muito grande, mas mesmo assim, há os que ainda jamais aceitarão ou reconhecerão que tais institutos podem simplesmente não se caracterizarem com o grau de abstração que elaboramos e defendemos.

A decepção pode ser enorme, mas a recusa em admitir a miséria desse culto pode ser ainda mais perversa e perigosa, transformando-se em violência contra tudo e todos. 

Há pouco os EUA propuseram uma aproximação com Cuba. Isso escandalizou muitos raivosos no Brasil. Alguns de fato chegaram a dizer abertamente que se tratava de uma conspiração internacional. Hoje o Papa Francisco reconheceu o Estado da Palestina e há católicos absolutamente inconformados com tal decisão do Vaticano. Li que alguns católicos fervorosos (não citarei nomes para não haver constrangimentos públicos) defenderam abertamente que o distinto Papa seja impedido de exercer suas funções, com base no Direito Canônico. 

Hoje soubemos que a Suprema Corte dos EUA liberou para todo o território estadunidense, para todos os estados da união, a união homoafetiva sem restrições. Possivelmente isso não mudará os ânimos e a extrema oposição que vários grupos praticam esse tipo de união. Certamente, os religiosos de todas as tendências e grupos que defendem determinados princípios morais não mudarão seu pensamento. É possível que o preconceito, a perseguição, a segregação continuem e até aumentem em determinadas regiões e estados da união estadunidense. É provável que a decepção se transforme ainda em mais frustração, insatisfação e raiva.

Certamente isso não alterará a posição de pessoas que têm demonstrado uma fúria incontrolável contra homossexuais. Por aqui, em nosso país combalido, não haverá mudança no posicionamento dos deputados que compõem a Comissão de Direitos Humanos na Câmara dos Deputados. Provavelmente aumentarão a mobilização contra a parcela da população que hoje é alvo de endurecimento no parlamento brasileiro, provocado por grupos que defendem a moral e defendem o escárnio da coisa pública por debai dos tapetes.

Mas a atitude é simbólica. O simbolismo desse processo é histórico, tanto quanto a decisão da Suprema Corte dos EUA. É bem certo que quatro mulheres daquela Corte votaram a favor e apenas um homem se pôs ao lado delas. Dos votos contrários, todos pertenciam a homens - cinco. Sem dúvida, esse placar tem um sentido emblemático e histórico ainda mais importante.

O simbolismo é que estamos dizendo para os defensores irrevogáveis dos EUA e tudo o que representam, que dali pode vir algo que nega peremptoriamente as suas próprias convicções. O que ocorreu ali pode não surtir nenhum efeito legal por aqui. Mas pode surtir efeitos inimagináveis.

O sexo, de uma forma ou de outra, permanecerá como um imenso tabu. Mas também é preciso reconhecer que parte da sociedade brasileira começa a reagir às investidas insanas de grupos políticos, religiosos, especialmente econômicos e de outros matizes sociais, que querem impor uma mordaça religiosa, política, com retrocessos visíveis do ponto de vista de alguns direitos estabelecidos.

Por outro lado, é certo que quando lutamos por um direito, implícita ou explicitamente, há uma injustiça social que subjaz nas relações entre sujeitos sociais e suas instituições que fazem com que exijamos o direito como processo reparatório. Quando lutamos politicamente por um direito que consideramos “justo” é porque, de certa forma, abrimos mão de extirpar a injustiça que provoca a necessidade de impor o direito, como defesa de uma estrutura que por si e em si é injusta.

Mas, que seja! Quando certos direitos são afrontados por grupos que desejam estabelecer mecanismos de desmonte de direitos, é que estamos num retrocesso do nosso ponto de vista, mas para os que defendem o fim de determinados direitos, significa retomar o status anterior, de privilégios.

A par a questão moral que também é emblemática, o recado que estamos dando aos grupos radicais de direita, aos grupos radicais religiosos, aos grupos radicais de militares, é que o eco que veio da Suprema Corte tem uma simbologia que transcende os conflitos e estabelece um elo de referência, justamente sobre aquele país que se tornou o exemplo e o modelo para tantos que o defendem em detrimento das esquerdas.


Pode ser que nada disso será suficiente para uma mudança aqui no Brasil, porém, certos acontecimentos ganham uma dimensão e um caráter imprevistos do ponto de vista político. Aguardemos os próximos lances desse processo histórico.