sexta-feira, 26 de julho de 2019

Da sociabilidade militar

Por Atanásio Mykonios



Por razões diversas, não nos demos conta de que o Brasil é um país militarizado desde os anos 1920. A tradição militar não é apenas a farda, a sociabilidade militar está entre nós e em nosso cotidiano. Até do ponto de vista positivista, os militares se arvoraram ao direito de chamarem para si uma missão quase civilizadora em alguns momentos, noutros, assumiram a pecha de educadores da pátria brasileira. Isso tudo deitou raízes profundas que, de alguma forma, naturalizaram a presença dos militares na vida brasileira, com direito a bandeiras e defesa constante de sua intervenção.
Parece que a maioria das pessoas não vê problemas nisso. Aliás, se lançarmos um olhar mais detido pelo mundo, veremos a escalada da militarização social e da socialização militar em todos os cantos do planeta. Aproximadamente 150 países vivem alguma forma de conflito armado, interno ou externo. Se isso não é uma guerra mundial, então teremos de rever nossos conceitos de paz. Mas não nos esqueçamos de que esse princípio socializante da onda militar é um filhote da sociabilidade capitalista em sentido de manter a sociedade sob controle da punição, ao mesmo tempo em que oferece as condições para produzir, mesmo que de forma cada vez menos eficiente, o acúmulo de capital. Aqui como acolá, as armas são parte formal e informal do nosso cotidiano, a morte, a destruição, a farda e o medo.
Nesse aspecto, a militarização se coaduna com as práticas de violência contidas na história brasileira. A escravidão foi um regime social de absoluta imposição por meio da violência, assim como todas as relações sociais e, além disso, as instituições atuam por meio da violência – não exatamente a violência pura, brutal, trata-se da violência em forma de coerção permanente. Na educação, nas famílias, nas ruas, nas repartições, nos ambientes de trabalho, a violência se reveste de mecanismos militares, não é preciso da farda, se bem que a farda cria um mecanismo de repressão psíquica.
Além disso, a suspeita permanente para com a maioria da população. Os militares são a prática do Estado, não apenas terrorista, como ação programada, é também a constituição do Estado, sua política, com a estrutura do encarceramento. O Brasil teve o maior índice de encarceramento do mundo, do ano 2000 a 2016 a população carcerária aumentou 212%, saltou de 232.755 para 726.712 presos, somente entre os homens, não contabilizadas as mulheres encarceradas. 
 

 No entanto, os levantamentos foram realizados até 2016. Portanto, dada a tendência do aumento exponencial do encarceramento, podemos inferir que essa população deve ter ultrapassado os 900 mil presos. Este mecanismo brutal encontra na militarização uma das formas mais eficientes para manter as populações sobre controle permanente, enjaulando a sociedade como um todo. A militarização é um processo social de larga amplitude, sua ideologia mantém a sociedade em camisa-de-força, tanto quanto a superexploração, estrutura da sociedade capitalista brasileira.
A sociedade mundial está sob o tacão da ordem militar, por todos os países, encontramos instâncias militares que atuam nos governos e se espalham tanto para manter a economia oficial quanto as organizações paralelas. As armas e os barões assinalam as condições da sociedade global que ruma para uma ameaça iminente – sua própria destruição.
 
Referência utilizada
WPB. Word Prison Brief. Highest to Lowest - Prison Population Total. Disponível em http://www.prisonstudies.org/highest-to-lowest/prison-population-total?field_region_taxonomy_tid=All