Por Atanásio Mykonios
Acreditamos
na Educação que salva vidas, que superar crises, que engendra desenvolvimento,
que elimina desigualdades, promove a emancipação, transforma em luz a vida de
sofrimentos e nos dá a esperança de que o mundo será melhor com o conhecimento.
Muitos dizem que estamos na era dos saberes!
Eis
um elemento do fetiche da Educação.
Sim,
as classes dominantes estão nos ensinando o que nós deveríamos ter aprendido a
partir e por meio da nossa luta real contra a exploração. Deveríamos ter
aprendido com os nossos fracassos educacionais, com os nossos programas
educativos, com as nossas esperanças fortuitas e sem qualquer base nas relações
concretas do mundo real.
O
que elas nos ensinam?
Que
não é possível uma educação igualitária. No interior do processo de exploração,
é preciso levar em conta que no modo de produção e os processos de produção das
coisas reais que consumimos, foram e são necessárias para uma divisão forçada do
trabalho e mais que isso, uma divisão do valor das coisas. Não temos as mesmas
possibilidades nem as teremos com essas relações desiguais.
Uma
sociedade desigual não pode criar uma educação igual para todos. Isso é uma ilusão
e uma ignorância da nossa parte. Tenhamos um mínimo de compostura diante das relações
concretas e do movimento que a sociedade toma.
As
classes dominantes e seus cães de guarda estão nos ensinando, a duras penas,
que não haverá trégua, que não haverá qualquer possibilidade de generosidade ou
voluntarismo, até mesmo alguma humanidade ou ações humanitárias que salvem os
pobres, os miseráveis, os trabalhadores empregados e desempregados, garantindo
constitucionalmente educação para todos.
Vivemos
como quem flutua sobre um oceano de enxofre e gases de todas as espécies, como
se jamais fôssemos despencar de nossos balões coloridos que flutuam ao bel
prazer sem nos darmos conta de que o ar acaba. Nossos pés estão fora de órbita
e nosso entendimento do mundo é o mais pervertido que possamos até mesmo
imaginar com nossas parcas condições de conhecimento científico sobre nós
mesmos.
Como
é que de fato podemos crer que o conhecimento da história é, por si, suficiente
para darmos cabo das lutas e da complexidade atual e mais, como podemos
acreditar que a educação pode eliminar, no horizonte, esse oceano apoteótico de
ignorantes que pairam sobre nossas cabeças e nos impõem o estado de sítio
intelectual?
Assim,
exigimos qualidade na educação e o Estado a garantir direitos educativos, da
mesma forma como aqueles oferecidos, naturalmente, para as camadas de cima da
sociedade e aqui não me refiro às ditas “classes médias”, porque, até mesmo
nisso, somos demais empobrecidos, uma vez que imitamos o ideal dessa camada
como a referência educacional para os trabalhadores em geral.
Insistimos
na lógica iluminista de que todos, ao serem confrontados com as luzes da verdade,
receberão a mesma orientação, como se todos estivéssemos ainda presos às nossas
cavernas sociais e aos nossos bunkers ideológicos. Mesmo mantendo as estruturas
de exploração, mesmo sendo guiados pelas telas de computadores e celulares, as relações
concretas não mudaram de lugar e a lógica iluminista parece criar um véu que,
paradoxalmente, encobre a nossa visão para o mundo das coisas concretas e do
seu concreto pensado. Pois a ideia de que somos todos iguais perante a lei ou
perante os portões escolares, acaba quando a sociedade pratica a sua condição e
aí vemos quem é realmente quem nessa pantomima educativa.
Acreditamos
que é possível uma educação que garanta, ao mesmo tempo, ascensão social e emancipação
intelectual. Como se essas duas dimensões fossem complementares e estruturalmente
condizentes com a sociedade que produz mercadorias. Nosso modelo de educação é
um ideal de reproduzir a formação dada aos de cima, imaginando que assim, se
bebermos das mesmas fontes, seremos libertos das nossas amarras, como se fôssemos
responsáveis pelas amarras.
Também
não podemos nutrir a ilusão de criarmos uma educação apenas para a classe
trabalhadora e para todos aqueles que estão à margem. Porque isso representaria
apenas e tão-somente a formulação de uma nova sociedade de classes e seria
necessária a manutenção do Estado que protegeria uma nova classe. É preciso
formar para uma sociedade sem classe alguma e sem Estado e isso nos parece
absolutamente impossível.
Assim
mesmo, exigimos que o Estado nos garanta educação igualitária, com acesso igualitário
e em condições de igualdade nas disputas do saber e na encarniçada luta pela divisão
do trabalho. Ora, tanto o Estado quanto as suas instâncias, neste caso, a
Educação como espaço de luta privilegiado, são lugares não de saberes e sim
espaços hierarquizados, conservadores e estruturalmente condicionados à reprodução
necessária do modo de produção vigente.
Eis
que as classes dominantes mostram a nossa real condição, de forma crua, indelével,
como água cristalina e nós nos recusamos e enxergá-la. É a classe dominante, os
fascistas, os neoliberais que estão nos educando, são esses grupos que em sua
negatividade, nos mostram a crueza desse estado de coisas que se perpetua.
É
comum ficarmos revoltados com o fato de que as massas de estudantes não querem
estudar nem aprender, não desejam ser informadas nem querem assumir a
responsabilidade da escrita, da pesquisa, do engajamento, enfim, da vida
regrada e disciplinada pela ordem do conhecimento formal, sistematizado e
hierarquizado. Por quê?
Ora,
os trabalhadores vivem a contradição do sistema social que produz mercadorias. De
um lado, oprimidos, reprimidos e sobre eles a imposição do trabalho e das condições
necessárias para exercê-lo e de outro, uma espécie de luta interna, resistência
silenciosa, fastio, exaustão, doença etc. Nesse meio estamos nós os educadores
e a Educação e por fim, o Estado.
E
por fim, um trecho significativo de A ideologia alemã, para nos colocar diante
da predicação social imposta pela divisão do trabalho e pela produção de
excedentes e o que isso implica para a nossa formação.
“(...) a divisão do
trabalho oferece-nos logo o primeiro exemplo de como, enquanto os homens se
encontram na sociedade natural, ou seja, enquanto existir a cisão entre o
interesse particular e o comum, enquanto, por conseguinte, a atividade não é
dividida voluntariamente, mas sim naturalmente, a própria ação do homem se
torna para este um poder alheio e oposto que o subjuga, em vez de ser ele a
dominá-la. É que assim que o trabalho começa a ser distribuído, cada home tem
um círculo de atividade determinado e exclusivo que lhe é imposto e do qual não
pode sair; será caçador, pescador ou pastor ou crítico crítico, e terá de
continuar a sê-lo se não quiser perder os meios de subsistência (...)” (MARX, ENGELS,
1984, pp. 38-39).
MARX, Karl, ENGELS,
Friedrich. A ideologia alemã. 1º.
Capítulo, seguido das teses sobre Feurbach. Supervisão de texto de Sílvio
Donizete Chagas, São Paulo: Centauro Editora, 1984.