Atanásio Mykonios
Nunca a humanidade, em sua história, viveu um processo social tão absurdamente estranho a si mesma e absolutamente devastador como a criação de um modo de organizar a vida e a realidade, que se espalhou pelo mundo, atribuindo às relações sociais uma ética completamente nova e impossível de ser comparada a períodos historicamente anteriores.
A forma mercadoria, o modo como se apresenta (não no sentido apenas de um deslumbramento material, passível de ser possuída por meio de uma operação comercial), transmuta as condições de vida e o humano é guindado a uma ética que, à primeira vista, é seu condutor, mas que, no entanto, não passa de um mero fantoche guiado pelas mãos invisíveis da forma-valor.
Esta ética não pode conter um manual de conduta, uma vez que a conduta fica condicionada à lógica da sociedade das mercadorias que impõe aos indivíduos, às sociedades, às culturas, aos estados às religiões, uma única determinação social e histórica. O sujeito da história é a Mercadoria, que assume uma forma social.
Como é possível um objeto determinar a ética? A mercadoria, num primeiro momento, nos parece algo comum. Tomo emprestadas as palavras de Marx sobre essa questão - a trivialidade da mercadoria. Atentar para o problema não parece algo de grande envergadura, até porque as pessoas estão preocupadas com outras questões e a ética se inclui nessas outras questões e perspectivas sociais. Mas então teríamos de considerar a mercadoria como uma pessoa, um grupo de pessoas, quem sabe uma comunidade, capazes de engendrar valores humanos, valores que transcenderiam a existência?
De outro modo, nos parece que a percepção mais corrente, para não dizer do senso comum, refere-se à ética como uma construção humana e por isso, não seria nada plausível considerar que uma entidade qualquer, determinada aqui pela alcunha de mercadoria, fosse capaz de nos indicar uma ética. Teremos, por certo, de nos debruçar sobre o processo que nos leva à ética, mas também reconhecer que uma produção humana, como a mercadoria, comporte em si uma ética. Para isto, ainda mais radicalmente, teríamos de submeter nossa compreensão da ética a uma espécie de mágica, transformando a mercadoria em uma personalidade social. Mas parece que é isto que ocorre, à medida que a mercadoria se transformou em uma forma social, a forma que está acima da autonomia humana em decidir suas relações
Diríamos, em outra medida, que se a ética é uma construção histórica, em cuja ação dos indivíduos concorre para que os conceitos e valores impregnados pela experiência se tornam referências para vida, é preciso que haja um processo. Os seres humanos julgam suas ações, atribuem valor a elas, instituem tribunais em sua consciência para cumprirem imperativos em favor do esclarecimento acerca de suas ações e acerca do valor que elas têm. Se não fossemos portadores de desejos e interesses, além de necessidades fundamentais, provavelmente não seríamos capazes de sermos construídos também por meio da ética. Uma ética que inspira as ações é tão importante quanto uma ética que é o substrato da própria ação humana.
De outro modo, nos parece que a percepção mais corrente, para não dizer do senso comum, refere-se à ética como uma construção humana e por isso, não seria nada plausível considerar que uma entidade qualquer, determinada aqui pela alcunha de mercadoria, fosse capaz de nos indicar uma ética. Teremos, por certo, de nos debruçar sobre o processo que nos leva à ética, mas também reconhecer que uma produção humana, como a mercadoria, comporte em si uma ética. Para isto, ainda mais radicalmente, teríamos de submeter nossa compreensão da ética a uma espécie de mágica, transformando a mercadoria em uma personalidade social. Mas parece que é isto que ocorre, à medida que a mercadoria se transformou em uma forma social, a forma que está acima da autonomia humana em decidir suas relações
Diríamos, em outra medida, que se a ética é uma construção histórica, em cuja ação dos indivíduos concorre para que os conceitos e valores impregnados pela experiência se tornam referências para vida, é preciso que haja um processo. Os seres humanos julgam suas ações, atribuem valor a elas, instituem tribunais em sua consciência para cumprirem imperativos em favor do esclarecimento acerca de suas ações e acerca do valor que elas têm. Se não fossemos portadores de desejos e interesses, além de necessidades fundamentais, provavelmente não seríamos capazes de sermos construídos também por meio da ética. Uma ética que inspira as ações é tão importante quanto uma ética que é o substrato da própria ação humana.
Todas as situações humanas provocam um determinado comportamento, não sem razão, ele é o motivo pelo qual refletimos constantemente, para o bem ou para o mal, muito embora não importe agora saber qual a categoria implicada no resultado, mas cabe pensar no fato de que o comportamento humano é, substancialmente, um apanhado de éticas construídas anteriormente e outras tantas que redundarão das ações concretas dos seres humanos. E não poderia ser diferente, agimos, temos de agir, sobre nós, sobre o mundo, sobre os outros humanos e, por isto mesmo, nada em nós ou nos outros fica impune ao fato de que a ação é uma categoria humana da qual não podemos prescindir, ao contrário, somos submetidos ao crivo do julgamento, até mesmo as mais impávidas criaturas que agem segundo a passividade de uma folha que cai no outono, esta ação da natureza parece ocupar um lugar no conjunto das determinações da realidade, levando em conta seres humanos aparentemente impassíveis diante do mundo, destarte sua condição física que, per si, já é um ato necessário de sobrevivência.
Tratamos então de nos revestir de muitas considerações acerca da ética e do comportamento humano. As ações estão por toda parte, nada está no lugar por muito tempo, estamos constantemente a sofrer os efeitos de ações de toda espécie. E por infortúnio ou por sorte, somos os únicos capazes de elaborar algum juízo a respeito de todas as formas de ação no mundo, especialmente no que tange às nossas próprias ações. Não podemos, sob pena de nos enclausurarmos na cela de uma noção obscura da realidade, imaginar que a ética é um modelo rígido que pode ser trazido a terra por uma operação contemplativa ou pela ascese.
Geralmente temos uma noção extremamente positiva em relação à ética, como se ela fosse de caráter eminentemente bom, como se a própria palavra revelasse a condição mais sublime do ser humano, remetendo-o ao que há de melhor de no mundo em si mesmo. A ética parece ter alcançado vida própria, ou mais detidamente, o termo ganhou tal notoriedade entre os indivíduos e suas instituições, de tal sorte que ela é, atualmente, por si, como uma deusa, tem vida própria. Não há na consciência coletiva a noção de que a ética pode ser a expressão de algo negativo, como, por exemplo, uma ética da corrupção, uma ética da violência. De certo, esses comportamentos humanos são tratados como detestáveis. Honestidade, obediência, pureza de intenções, etc., são aspectos reconhecidos como elementares para o comportamento humano no âmbito social, todos esperam que todos sejam obedientes e, se possível, que o façam com o coração alegre e a consciência satisfeita. Digamos, em outras palavras, que as pessoas e as suas instituições esperam que a adesão a alguns princípios seja feita de maneira racional, além de demonstrarem uma felicidade convicta e ainda ligada à racionalidade, último estertor da vida humana. Mas isto não ocorre, basta um lançar d’olhos para percebermos que a vida cotidiana é varada por inúmeras tensões, as pessoas não se comportam como se estivessem plenamente convictas de suas obrigações, a contragosto executam tarefas, cumprem ordens, obedecem a leis, transitam pela cidade e se sentem obrigadas a conviver com uma multidão que investe sobre elas e as desloca de suas próprias pretensões.
Cotidianamente a insatisfação preenche a consciência dos indivíduos e os faz penetrar no mais obscuro de seus próprios desejos. Até mesmo em relação a futilidades, podemos testemunhar a não convicção acerca do que deve ou não ser feito, digamos, de outra maneira, que as pessoas, nós, de modo geral, não temos tanta certeza do que queremos ou fazemos. Mas somos premidos, quase de forma instantânea e coletiva, automática diríamos, a determinadas ações que nos indicam uma lógica invisível, como se respondêssemos a uma determinação a qual não vemos ou tocamos, e que insiste com sua presença espiritual. Um pacto silencioso de obediência a esta lógica invisível que não vem estampada nos rostos de cada um, prevalece sobre todos, como uma espécie de convicção cega acerca das reais possibilidades de sobrevivência coletiva. De um modo ou de outro, a ética se tornou uma entidade, uma condição que lhe garante a estatura social necessária para que os teóricos e as instituições a ela se remetam quando o mundo parece se deslocar de seu lugar comum.
Cotidianamente a insatisfação preenche a consciência dos indivíduos e os faz penetrar no mais obscuro de seus próprios desejos. Até mesmo em relação a futilidades, podemos testemunhar a não convicção acerca do que deve ou não ser feito, digamos, de outra maneira, que as pessoas, nós, de modo geral, não temos tanta certeza do que queremos ou fazemos. Mas somos premidos, quase de forma instantânea e coletiva, automática diríamos, a determinadas ações que nos indicam uma lógica invisível, como se respondêssemos a uma determinação a qual não vemos ou tocamos, e que insiste com sua presença espiritual. Um pacto silencioso de obediência a esta lógica invisível que não vem estampada nos rostos de cada um, prevalece sobre todos, como uma espécie de convicção cega acerca das reais possibilidades de sobrevivência coletiva. De um modo ou de outro, a ética se tornou uma entidade, uma condição que lhe garante a estatura social necessária para que os teóricos e as instituições a ela se remetam quando o mundo parece se deslocar de seu lugar comum.
Pois bem, que seja uma forma de compreender a ação humana e com isto, requeremos o nosso estatuto de existentes, mas não de modo isolado, como átomos a pairarem incólumes na grande teia do universo. Aqui se trata de um conjunto de condições, realidades e presentes tornados relativos uns aos outros. Mas a ética nos revela um emaranhado de reflexões e, por outro modo, uma tela na qual são projetados os valores nas formas de conceitos, imbricados uns nos outros, porque a ética não é uma única determinação, como não pode ser apenas um punhado de normas, regras sociais, espirituais ou coisa que o valha. É preciso destacar que os valores, como luminares, pairam, também se mantêm em uma superfície sobre a qual pousamos nossa compreensão, além de uma infinidade de operações que revelam a nossa habilidade em lidar com os conceitos. São como acontecimentos, vivos, vividos, vívidos, estão presentes, como focos que brilham, mas também se misturam.
Assim, as condições postas na atualidade, nos mostram que há uma espécie de via sem saída para a ética contemporânea, que se torna refém das imposições da sociedade que produz mercadorias, colonizando todas as estruturas sociais, indo mais a fundo, atribui à vida uma linguagem que abarca o mundo como um todo.
Qual será então a ética capaz de enfrentar a sociedade das mercadorias, para além dela?