terça-feira, 10 de junho de 2014

Greve, o direito de ir e vir e os trabalhadores

Por Atanásio Mykonios


Os meios de comunicação, insistentemente, procuram apresentar uma tese que se mostra falaciosa. A estratégia desses organismos de comunicação é a de defender um falso dilema na sociedade capitalista. Qual seja, o de ter o direito ao trabalho. De maneira geral, a defesa se concentra contra os movimentos sociais e os movimentos paredistas, isto é, contra as greves em pontos estratégicos da fábrica social do valor. A circulação do valor deve prevalecer sobre todos os demais direitos. No entanto, esse princípio é tornado totalmente invisível e o que surge é uma espécie de política oficial do sistema, uma ideologia consistente que defende, o direito de ir r vir de cada cidadão – o direito inalienável dos sujeitos de circularem, mas circularem com que escopo? A cidadania se fixa no âmbito da pura individualidade e a liberdade a que se referem esses meios de comunicação não passa de uma obrigação para o trabalho. Marx, em sua obra Sobre a questão judaica, deixa claro o que significa a liberdade na sociedade burguesa.

A liberdade equivale, portanto, ao direito de fazer e promover tudo que não prejudique a nenhum outro homem. O limite dentro do qual cada um pode mover-se de modo a não prejudicar o outro é determinado pela lei do mesmo modo que o limite entre dois terrenos é determinado pelo poste da cerca. Tratase da liberdade do homem como mônada isolada recolhida dentro de si mesma. Por que o judeu, segundo Bauer, é incapaz de acolher os direitos humanos? (Marx, 2010, p. 49)

O homem abstrato é uma condição essencial para que o trabalho abstrato se torne condição para a exploração em geral. Por outro lado, nesta sociedade em que os interesses se tornam indiferenciados, por uma parte, e fragmentados por outra, a noção de vinculação aos demais “cidadãos” é um exercício de ficção, uma vez que a luta pela sobrevivência dos trabalhadores os empurra para uma competição absurda e fratricida entre si. Na mesma condição estão os produtores que se veem impingidos a produzirem para o mercado e só para o mercado, e que precisam do trabalhador para assegurarem o constructo do valor.

No entanto, o direito humano à liberdade não se baseia na vinculação do homem com os demais homens, mas, ao contrário, na separação entre um homem e outro. Tratase do direito a essa separação, o direito do indivíduo limitado, limitado a si mesmo.
A aplicação prática do direito humano à liberdade equivale ao direito humano à propriedade privada. (Marx, 2010, p. 49)

A liberdade, mais uma vez não diz respeito ao indivíduo que não possui nenhuma predicação, para ser o que é como indivíduo. Refere-se, substancialmente, a uma liberdade que não se encontra nas mãos desse indivíduo, mas nas mãos de um fantasma social que rege a estrutura e as relações sociais vigentes, relações de exploração. Todos serão iguais sob o teto do sistema capitalista deste que cumpram em serem livres para serem explorados ao máximo.

Restam ainda os outros direitos humanos, a égalité e a sûreté. A égalité, aqui em seu significado não político, nada mais é que igualdade da liberté acima descrita, a saber: que cada homem é visto  uniformemente como mônada que repousa em si mesma. (Marx, 2010, p. 49)

Essa liberdade se refere a uma coerção social que dita a regra fundamental do modo de produção do capital numa escala em que o processo de produção de valor não pode ser interrompido por nenhuma reivindicação particular, por parte dos trabalhadores ou até por quem está à beira do abismo social. Eis que, num sentido estrito, a segurança é o elemento constitutivo do direito à produção e à propriedade privada. Os trabalhadores não podem impor sua condição de explorados, a não ser como fonte de benevolência daqueles que atribuem ao Estado a função de dirimir contendas de negócios.
A segurança promovida pelo Estado é clara. Tem função clara. Exerce papel claro nas suas atribuições diante dos conflitos sociais. Serve, em primeiro lugar, para garantir o modo de produção e para isso, é crucial que os trabalhadores tenham condições materiais para chegar ao trabalho – ao lugar de produção. Isso não quer dizer que o sistema providenciará meios de circulação adequados, o que há por detrás desse processo, é a capacidade que as forças de segurança têm de garantir que os trabalhadores continuem a trabalhar.
É por isso que, via de regra, a polícia deve ser mobilizada para atender às demandas da iniciativa privada, ou, da propriedade privada (em consórcio com aparatos público-estatais), entendida aqui como o grande complexo de produção, distribuição e circulação de mercadorias. O sistema não pode parar sob nenhuma hipótese, é preciso empurrar os trabalhadores, forçá-los a produzirem, esmagá-los nos trens, ônibus, vans, metrô, seja lá como for. Isto denota um aspecto interessante, o fato de que o trabalho continua a ser crucial ao modo de produção capitalista, apesar de este continuamente expelir o próprio trabalho.
Mais uma vez, Marx aponta a questão da seguinte forma.

A segurança é o conceito social supremo da sociedade burguesa, o conceito da polícia, no sentido de que o conjunto da sociedade só existe para garantir a cada um de seus membros a conservação de sua pessoa, de seus direitos e de sua propriedade. Nesses termos, Hegel chama a sociedade burguesa de “Estado de emergência e do entendimento”.
Através do conceito da segurança, a sociedade burguesa não se eleva acima do seu egoísmo. A segurança é, antes, a asseguração do seu egoísmo. (Marx, 2010, p. 50)

O homem, aqui entendido, é a célula que faz a engrenagem funcionar, cuja perda de sua própria autonomia é o sintoma de uma coerção sem medidas, em que a escravidão moderna se apresenta, de forma que não há escolhas possíveis u plausíveis.
Nesse sentido, qualquer tentativa de impedimento da circulação dos trabalhadores em direção ás células de produção é e deve ser tratada como uma afronta deliberada. Nada pode cortar a circulação e a produção, por isso, as forças de segurança, guindadas pelos gestores públicos, estão cada vez mais atentas para qualquer desvirtuamento da ordem sistêmica do capitalismo.
Assim, quanto mais a crise se instaura em todos os quadrantes e quanto mais a fragmentação dos trabalhadores se mostra visível, mais se pode observar que algumas formas de atividade laboral se tornam fundamentais e estratégicas para a manutenção do sistema, tanto quanto para a sua destruição. A massa imberbe de trabalhadores sempre surge como vítima das greves, os mais humildes, os que mais dependem dos transportes, por exemplo, e que constituem a imensa maioria desse trabalhadores.
Também, é por essa razão, que os meios de comunicação se esmeram em defender obstinadamente as ações das forças de segurança, a manos que essas forças se voltem contra esses meios de comunicação. Daí, o que aflora é o sentimento corporativo, mas sem deixar de continuar com a lealdade que os caracteriza, promovendo a apologia da violência e do terror contra os trabalhadores em geral. Seja no seu extermínio, seja na brutalidade com que a polícia enfrenta a reação dos trabalhadores nas ruas e avenidas, etc.
Instintiva ou racionalmente, os meios de comunicação seguem à risca o que Marx coloca em sua obra. Atuam sem constrangimento porque estão acima do valor humano, da sua condição enquanto individualidade, uma vez que promovem o bem-comum não dos “cidadãos”, mas é o bem-comum da sociedade produtora de mercadorias.

Portanto, nenhum dos assim chamados direitos humanos transcende o homem egoísta, o homem como membro da sociedade burguesa, a saber, como indivíduo recolhido ao seu interesse privado e ao seu capricho privado e separado da comunidade. Muito longe de conceberem o homem como um ente genérico, esses direitos deixam transparecer a vida do gênero, a sociedade, antes como uma moldura exterior ao indivíduo, como limitação de sua autonomia original. O único laço que os une é a necessidade natural, a carência e o interesse privado, a conservação de sua propriedade e de sua pessoa egoísta. (Marx, 2010, p. 50)

Esse homem dito “egoísta” é a marca de uma sociedade que não encontra, na atualidade, formas de engendrar um consenso acerca do entendimento para uma ação coletiva sobre o modo e o processo de produção capitalista. E o Estado, assim como as organizações da empresa, fornecem um quadro em que a manipulação da verdade ocorre por meio da construção de uma falsa consciência, transformando assim, a grande massa, em sócia da ação do Estado, que tem como objetivo assegurar e garantir a produção e a circulação de valor.

Em outras palavras, o trabalho não é um direito, é uma escravidão, uma determinação imposta de fora para o “cidadão”, pois o verdadeiro direito universal no capitalismo é assegurar a produção de mercadorias, seja lá de que forma, com balas, bombas, algemas ou prisões.







Referência Utilizada

MARX, Karl. Sobre a questão judaica. Apresentação [e posfácio] Daniel Bensaïd; tradução Nélio Schneider, [tradução de Daniel Bensaïd, Wanda Caldeira Brant]. São Paulo: Boitempo, 2010. (Coleção Marx-Engels)