quinta-feira, 27 de junho de 2019

A Internet e o impasse da modernização


 Por Atanásio Mykonios

Uma vez que a Internet impõe um estado mental, envolto na consciência mundial viral, a tecnologia é apresentada como um dado da realidade natural do próprio desenvolvimento do capital se torna um elemento de qualificação da consciência alterada pelo modo virtual de compreender o mundo. Ademais, seguindo os moldes dessa contradição, a tecnologia é apresentada como absolutamente neutra colocada à disposição do desenvolvimento humano, sem considerar, até mesmo do ponto de vista ideológico, sua estreita ligação com o desenvolvimento da rentabilidade do capital em geral; e o fato de que a terceira revolução industrial plantou as condições, tanto lógicas quanto históricas, do fim da produção de valor em escala suficiente. O fim do trabalho vivo é a expressão máxima dessa condição inexorável, tecnologia dos computadores, em rede, implica a alta especialização das forças de produção e a inevitável queda dos rendimentos reais do sistema, também em escala mundial.
A cultura do capital, compreendida pelo modo industrial de ser reproduzida, atinge o ápice de seu desenvolvimento, material e imaterial, conjugado num processo dialético intenso, repleto de contradições. Alia-se a este processo, o modo pós-moderno de abranger e condicionar as ações dos agentes virtuais que se mantêm presos a um espectro tenebroso no contexto dos conflitos reais que absorvem as sociedades. A internet apresenta o efêmero dos discursos baseados em ideologias oriundas de grandes troncos de dominação e das formas de interpretação, elimina estruturalmente a contradição entre conteúdo e forma e promove o provisório da crítica, seja à direita ou à esquerda. 
O controle administrativo das relações de produção, das forças de produção e do modo de produção parece nos levar a um patamar de maior eficiência, mas a complexidade dos sistemas de computadores exige mais especialização e modernização, levando os agentes a uma exaustão – a concorrência universal força todos a se manterem no jogo. A Internet se resume à própria riqueza abstrata do sistema do capital. O desenvolvimento do capital em sua fase derradeira se situa no âmbito de sua total incapacidade de realizar a mais-valia e o aumento da riqueza financeira mostra a sua condição abstrata no contexto de um processo social de plena ilusão de sua liberdade.
Uma espécie de comunismo de cidadania, que implicaria, virtualmente, tanto uma suposta liberdade de expressões quanto um acesso aparentemente igualitário às informações, transformadas em mercadorias, nos leva a uma cidadania sem qualquer expressão real, vazia e ainda mais condicionada à abstração do termo, inferido pelo Iluminismo, como tentativa de envernizar o projeto civilizador do capital, numa ilusão programada de que a Internet é um paraíso sem valor e sem trocas, o gratuito parece fazer parte da mente dos usuários virtuais. Mas o aburguesamento das massas, mesmo que vivam em face à linha da miserabilidade ou se digladiem para garantir migalhas na combalida sociedade produtora de mercadorias, fez com que se tenha a impressão confessa de que estamos num mundo sem dinheiro, sem relações de exploração, onde todos estão livres para exercer a sua expressão de ideias virtualizadas, uma espécie de democracia esvaziada e espiritualizada.
A Internet traz o vaticínio da autodestruição do capital, sua metacultura nada mais indica que o esvaziamento de um sistema que agoniza sem parar. Enquanto isso, esconde-se a realidade social que impinge a todos o estado de exceção continuado, em que todos estão envoltos no manto da cegueira jurídica e midiática. O controle social instituído pelas redes de computadores é mais eficiente que os gestores de carne e osso, que ficam nos portões das empresas. Não tardará para que a barbárie institucionalizada pelos Estados-nação e pelos seus aparatos jurídicos avancem também sobre a Internet, as ilhas de suposta liberdade não existirão a não ser na mente e nos corações desavisados. A cultura da fábrica social desmorona sem que os olhos possam ver com clareza.
A passividade social migrou para o interior do virtual, a tecnologia transformou a vida cotidiana e concreta em pura virtualidade, como exemplo, o dinheiro que circula como capital virtual. As relações sociais de há muito, antes mesmo das redes virtuais, foram transformadas em virtualidades mediadas pelas máquinas. O pensamento virtual é a condição pós-moderna, isto é, difusa, confusa, histriônica, passiva ao mesmo tempo, politicamente desengajada e sem materialidade. É o estado de letargia que insiste em ser real, condicionando os indivíduos a uma espécie de estímulo-resposta sem o ato político real.
Os sistemas em rede criam um estado permanente de transitoriedade e paralisia, ao mesmo tempo. Transitória é a condição da modernização capitalista. A paralisia social expressa as formas de inação que atinge os sujeitos sociais em suas relações políticas, a impotência está ligada à organização de uma sociedade transversal que apresenta uma realidade paralela, sem limites e, ao mesmo tempo, absolutamente efêmera. As formas de controle administrativo se atêm ao que há de mais atual, no entanto, também as empresas e especialmente o estatismo se veem premidas pela necessidade de constante atualização. Os Estados-nacionais e seus serviços estão capturados pela rede que é estruturada em dispositivos que controlam burocraticamente a produção e engessam as rotinas produtivas.
A tecnologia é a nova Ideologia que reifica as formas de produção da estrutura vigente, o novo dogma da sociedade que engloba todas as esferas da produção e suas condições de reprodução. Sincronização, sistematização em massa de imagens e arquivos, administração dos tempos de aquisição e consumo, 24 horas no ar sem interrupção. São alguns aspectos do estado alterado da consciência que é massivamente domesticada, o tempo da produção é o tempo integral dos seres humanos em total obediência ao movimento tecnológico. O mundo das imagens é a realização mais profunda de um anseio da consciência impregnada pela ordem do capital, numa tentativa desesperada de se livrar do peso material da existência, um conteúdo platônico insiste em perseguir a humanidade, ainda mais na atual etapa do sistema social mundial do capital.
A individualização burguesa é o substrato da condição virtual. Os usuários globais das redes são átomos que navegam e compõem um mosaico que exprime a forma totalitária do isolamento social que favorece o tráfico de mercadorias virtuais. Proletarização social pelas condições materiais de empobrecimento em escala global com verniz ideológico do aburguesamento, não se trata de um pobre de direita, mas sim da consciência burguesa que penetrou decisivamente em todas as camadas de trabalhadores e em especial daqueles que não têm mais qualquer possibilidade de serem rentáveis aos olhos do sistema. O ato abstrato dos indivíduos sociais significa a expressão de um refinamento no pensamento abstrato.

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