Um moribundo está na sala! Ele começa a feder, seu cheiro é uma podridão nunca antes sentida. Os homens e as mulheres se aglomeram para ver o moribundo, e mais, vivem dele, sonham com ele, nutrem-se de suas vísceras. Este moribundo está com a mortalha, em seu leito de morte, agoniza e geme, mas os que à sua volta permanecem, não se dão conta de que há algo de mais podre, a podridão humana que não se apercebe desse fim próximo. E todos se vêem manietados pelo forte odor exalado.
Quem é este moribundo à beira de uma morte anunciada? Por que os presentes insistem em não acreditar que sua morte é inexorável. Não se trata apenas de uma fatalidade, não! Não é uma fatalidade, essa podridão se espalha pelo corpo social, e seu estado putrefato nos indica que há algo a ser visto para além desse mundo fétido.
O novo sempre vem! Debaixo desse corpo moribundo que faz questão de se mostrar por inteiro, jaz em potência uma nova sociedade. No novo sempre vem! O casulo começa a se romper lentamente. A sociedade é este moribundo que agoniza e resiste em nome de uma vida que não mais lhe pertence. Seus órgãos e suas partes estão em convulsão, tudo nesse corpo é dor, sofrimento, um turbilhão de sensações e tristezas. Tudo é turvo e confuso. Cada parte do seu corpo começa a se decompor, partes que sempre mantiveram sua autonomia, como se fossem lugares próprios sem qualquer ligação com o todo. Esse corpo moribundo esta definhando! E com ele a Educação, com ele a escola e todos os seus paradigmas.
Não se pode entender o definhar da educação sem compreender o moribundo na sua totalidade, não se pode enxergar as forças que se movem para o fim de um tempo sem reconhecer que esse moribundo carrega em si a marca da crise e da transição. Nossa sociedade está doente! Esta é uma constatação aparentemente óbvia. Mas não nos parece tão óbvia a resposta que podemos dar a esse corpo doente. Como uma vida que precisa se manter, vemos razões suficientes para manter vivo o moribundo, com os remédios do passado. Não nos é lícito, em tese, diante dos paradigmas que nos deram a existência, deixar que o moribundo faleça, para algo novo surja. O falecimento é o fim e o fim parece não nos dar qualquer perspectiva para além desse aparente fim. E por que o cheiro do fim se aproxima? É preciso não perder de vista a grande confluência de uma sociedade que está em franca mudança, o novo sempre vem! Em todos os quadrantes há sinais visíveis de que a sociedade do capitalismo caminha para o colapso.
E o que a Educação tem a ver com isto? Definitivamente TUDO! Absolutamente tudo e mais um pouco. Em uma sociedade cuja crise atinge especialmente as estruturas da modernidade, todo modelo social da Educação Em uma sociedade cuja crise atinge especialmente as estruturas da modernidade, todo modelo social da Educação começa a feder. Tragicamente, uma sociedade sem perspectivas para o futuro, respondem com a barbárie no presente. E a Educação reflete peremptoriamente essa barbárie que crava no seio da modernidade a nossa incompetência para lidarmos com o novo. O novo sempre vem. Isto significa dizer que de roldão a Educação é levada e o único baluarte dessa estrutura a se manter de pé é a burocracia. Infelizmente a escola convenceu-se de que ela mesma se tornara a Educação. Ledo engano! A escola apenas carrega a Educação (parafraseando Martin Heidegger). Tornou-se assim um fim em si mesma, constitui-se em mestra e guia da sociedade, rompeu com a relação social intrinsecamente atada à complexidade da vida, para ser um lugar de adestramento social, erigindo para si mesma um altar em nome da sociedade do saber instrumental, servindo orgulhosamente à disciplina, ao condicionamento e à matança da liberdade e da criação.
Esta escola hoje não consegue respirar. Perdeu sua condição ontológica, sua existência começa a esgarçar a olhos vistos. Toda sua estrutura funcional apodrece paulatinamente, sem que ninguém consiga salvá-la e a Educação se torna apenas uma miragem no horizonte do passado. Sim, porque para o reacionarismo impotente e empedernido, nada mais esquizofrênico que tentar repetir um passado que nunca existiu, nem para esses que o defendem como sacerdotes de um culto sem sentido e sem deuses.
Os deuses estão morrendo, moribundos, estão colados ao corpo social que já fede e começa a se decompor diante dos presentes. Tudo isto se torna um jogo de horrores, no qual professores, alunos burocratas, escrivões, inspetores, faxineiros e faxineiras, compartilham dos campos de concentração que são as escolas atuais. Nosso mundo está em mudança, porém, o mundo da escola permanece como que em uma redoma, lugar privilegiado para as neuroses de um passado que não se repetirá nem em sonho, nem em realidade.