sábado, 27 de junho de 2015

O tempo do emblema!

Por Atanásio Mykonios


Em seu livro Para além do capital, István Mészaros diz com todas as letras que acredita que a mudança social anticapitalista poderia advir dos EUA, ele enxerga nesse país possibilidades de mudanças no modo de produção e na sociabilidade que, ao contrário da maioria de nós, acredita nas fissuras e nas condições anárquicas que a sociedade estadunidense apresenta. Ele vê condições para o fim do capitalismo naquela sociedade multiforme que esconde os mais terríveis monstros psicossociais.

Certos acontecimentos são emblemáticos. Certas decisões também se tornam emblemáticas porque rompem com algo que parece dado, certo, composto no embate de forças sociais e interesses de grupos. Tornam-se históricos porque abrem uma fissura no que parece estar equilibrado, ou quando surge algo que nega aquilo estabelecido ou até mesmo quando certos episódios servem para mostrar que nem toda forma de poder pode permanecer como dominação ou exploração.

Para nós, que de alguma forma temos uma formação histórica de combate e resistência, os EUA sempre pareceram o grande império contemporâneo.  Imperialismo praticado pelos EUA foi motivo de grandes lutas. Sabemos a dominação desse país e a sua capacidade de gerir o capital mundial com a força das armas.

Uma parte de nós, aprecia a cultura estadunidense, aprecia tudo que diz respeito às leis, aos costumes, aprecia as relações de poder, admira a liberdade de fazer negócios, admira o cinema, o teatro, a tecnologia, enfim, admira a terra da liberdade e das oportunidades. Houve quem cunhou a famosa frase: “O que é bom para os EUA é bom para o Brasil”.

Os EUA servem de exemplo para as diversas organizações neopentecostais e pentecostais. É um país que inspira a moda, a comida, os costumes, inspira na liberdade de religião, inspira no fato de parecer um país próspero que tal se deve ao cristianismo. Mas também inspira no que há de mais degradante em um país profundamente acostumado à violência desmedida. Hoje os EUA possuem a maior população carcerária do mundo. Os negros e os latinos mais pobres representam a maioria dos presos naquele país, mais de 2 milhões de encarcerados.

Os EUA também possuem o maior exército do mundo, o mais bem equipado, a melhor tecnologia e mais de 700 bases militares espalhadas pelo mundo.

Por tudo isso, tem crescido no Brasil, não apenas a admiração àquele país, mas tem aumentado entre diversos grupos o discurso que transforma os EUA em uma referência a ser seguida por nós. De que referência se trata? Muitos pregam abertamente que os EUA devem ser um exemplo a ser seguido por aqui, especialmente como exemplo nos negócios, na religião, na “democracia”, mas sobretudo nas relações econômicas, afinal para esses grupos os EUA são o que há de melhor a seguir em termos de liberdade total em favor dos que trabalham e sabem fazer o capital ser mais capital, também a total flexibilidade em relação ao emprego, a terceirização, a privatização generalizada da sociedade, etc.

Quando seguimos literalmente exemplos, sempre corremos o risco de sermos desmoralizados, porque o exemplo pode simplesmente não ser aquilo que pensamos ou pregamos aos outros. É assim com pessoas, grupos, instituições, times de futebol, partidos, religiões, afetos, qualquer coisa. Quando elevamos qualquer dimensão humana ou instituição a um nível de culto, transformando-as em mitos, o risco de uma decepção é muito grande, mas mesmo assim, há os que ainda jamais aceitarão ou reconhecerão que tais institutos podem simplesmente não se caracterizarem com o grau de abstração que elaboramos e defendemos.

A decepção pode ser enorme, mas a recusa em admitir a miséria desse culto pode ser ainda mais perversa e perigosa, transformando-se em violência contra tudo e todos. 

Há pouco os EUA propuseram uma aproximação com Cuba. Isso escandalizou muitos raivosos no Brasil. Alguns de fato chegaram a dizer abertamente que se tratava de uma conspiração internacional. Hoje o Papa Francisco reconheceu o Estado da Palestina e há católicos absolutamente inconformados com tal decisão do Vaticano. Li que alguns católicos fervorosos (não citarei nomes para não haver constrangimentos públicos) defenderam abertamente que o distinto Papa seja impedido de exercer suas funções, com base no Direito Canônico. 

Hoje soubemos que a Suprema Corte dos EUA liberou para todo o território estadunidense, para todos os estados da união, a união homoafetiva sem restrições. Possivelmente isso não mudará os ânimos e a extrema oposição que vários grupos praticam esse tipo de união. Certamente, os religiosos de todas as tendências e grupos que defendem determinados princípios morais não mudarão seu pensamento. É possível que o preconceito, a perseguição, a segregação continuem e até aumentem em determinadas regiões e estados da união estadunidense. É provável que a decepção se transforme ainda em mais frustração, insatisfação e raiva.

Certamente isso não alterará a posição de pessoas que têm demonstrado uma fúria incontrolável contra homossexuais. Por aqui, em nosso país combalido, não haverá mudança no posicionamento dos deputados que compõem a Comissão de Direitos Humanos na Câmara dos Deputados. Provavelmente aumentarão a mobilização contra a parcela da população que hoje é alvo de endurecimento no parlamento brasileiro, provocado por grupos que defendem a moral e defendem o escárnio da coisa pública por debai dos tapetes.

Mas a atitude é simbólica. O simbolismo desse processo é histórico, tanto quanto a decisão da Suprema Corte dos EUA. É bem certo que quatro mulheres daquela Corte votaram a favor e apenas um homem se pôs ao lado delas. Dos votos contrários, todos pertenciam a homens - cinco. Sem dúvida, esse placar tem um sentido emblemático e histórico ainda mais importante.

O simbolismo é que estamos dizendo para os defensores irrevogáveis dos EUA e tudo o que representam, que dali pode vir algo que nega peremptoriamente as suas próprias convicções. O que ocorreu ali pode não surtir nenhum efeito legal por aqui. Mas pode surtir efeitos inimagináveis.

O sexo, de uma forma ou de outra, permanecerá como um imenso tabu. Mas também é preciso reconhecer que parte da sociedade brasileira começa a reagir às investidas insanas de grupos políticos, religiosos, especialmente econômicos e de outros matizes sociais, que querem impor uma mordaça religiosa, política, com retrocessos visíveis do ponto de vista de alguns direitos estabelecidos.

Por outro lado, é certo que quando lutamos por um direito, implícita ou explicitamente, há uma injustiça social que subjaz nas relações entre sujeitos sociais e suas instituições que fazem com que exijamos o direito como processo reparatório. Quando lutamos politicamente por um direito que consideramos “justo” é porque, de certa forma, abrimos mão de extirpar a injustiça que provoca a necessidade de impor o direito, como defesa de uma estrutura que por si e em si é injusta.

Mas, que seja! Quando certos direitos são afrontados por grupos que desejam estabelecer mecanismos de desmonte de direitos, é que estamos num retrocesso do nosso ponto de vista, mas para os que defendem o fim de determinados direitos, significa retomar o status anterior, de privilégios.

A par a questão moral que também é emblemática, o recado que estamos dando aos grupos radicais de direita, aos grupos radicais religiosos, aos grupos radicais de militares, é que o eco que veio da Suprema Corte tem uma simbologia que transcende os conflitos e estabelece um elo de referência, justamente sobre aquele país que se tornou o exemplo e o modelo para tantos que o defendem em detrimento das esquerdas.


Pode ser que nada disso será suficiente para uma mudança aqui no Brasil, porém, certos acontecimentos ganham uma dimensão e um caráter imprevistos do ponto de vista político. Aguardemos os próximos lances desse processo histórico. 

quinta-feira, 11 de junho de 2015

As Milícias Fascistas Virtuais

Por Atanásio Mykonios


O fascismo de caráter cultural utiliza de milícias virtuais para cassar a esquerda nos espaços virtuais - na internet.
Esse tipo de fascismo surge à sombra do movimento de extrema-direita, que é xenófobo, com traços escravocratas, racista, moralista e de um economicismo rasteiro.
No interior dessas milícias fascistas, podemos encontrar inúmeros fiéis cristãos. É o fascismo religioso que se mistura de modo muito adequado a interesses morais, racistas e xenófobos do fascismo.
São milícias, que em sua grande maioria, se dissolvem no mundo real. Mas criam a impressão de que são muito poderosas, fortes e numerosas.
Os fascistas, sejam eles reais ou virtuais só sabem agir em bando.
No mundo virtual sua ação é de ataque. Quando podem, atacam gratuitamente quem eles identificam como sendo de esquerda. Alguns são franco atiradores. Disparam seu discurso odioso sem pedirem licença.
Insultam, ofendem, não querem e pensam não precisarem de argumentos. Alguns agem como se estivessem em plena guerra santa.
A verdade para os fascistas está na cara e quem não a admite faz parte do "outro lado" que deve ser combatido.
Sua raiva e seu ódio têm uma razão lógica de ser, para os fascistas, a verdade de seu ódio não precisa ser demonstrada, por isso o ataque frontal, o insulto, a agressão, que para eles não passa de um justo veredicto.
Não precisam de argumentos. Utilizam a violência. O estilo fascista de agir é considerando uma estética da agressão. A estética da violência armada, no caso, com a palavra.
Agem sempre da mesma forma. Parece haver um padrão. Desqualificam o conhecimento da história, utilizam jargões, incineram a experiência social, esquecem sua condição.
A cultura virtual veio pra ficar. As milícias fascistas virtuais também se organizam presencialmente, conseguem alguma mobilização, mas ainda não atinge as massas.
Mas aprenderam rapidamente agir por meio da palavra virtualizada.
Os membros dessas milícias se recusam a dialogar pessoalmente. Agem mesmo como milícias que se articulam e atacam. Mas individualmente, a maioria não sabe se defender.
É bem verdade que existe a possibilidade de que tais milícias passem a praticar a violência fascista nas ruas e nas quebradas. Mas para isso já contam com a inestimável ajuda das forças de segurança oficiais.
O ódio social é uma arma política. A internet hoje é uma arma política. Mas também é um espaço da agressão e da máscara. De informações e desinformação.
Os milicianos fascistas jamais estarão dispostos a um diálogo. Sempre atacarão. Sempre estarão propensos a ofender, a humilhar, a rotular e a não considerarem outros argumentos.
Racionalidade passa longe. Além do mais, estão absurdamente certos de que sua causa é a única. O que aparece de imediato em seu discurso são todos os componentes de uma suposta imoralidade social que atingiria a família, as relações sociais, as relações econômicas e o Estado (com a corrupção perpetrada por um único grupo, que se torna então o inimigo a combater).
Para os milicianos fascistas o inimigo está por toda parte e deve ser combatido por todas as formas. O inimigo comum para os fascistas culturais é a imoralidade, travestida de esquerda e pelos gays.
Quem diria, as milícias fascistas chegaram ao mundo virtual.
Esperemos os próximos desdobramentos dessa dinâmica esquizofrênica.

terça-feira, 9 de junho de 2015

O controle sexual milenar e a liberdade sexual - por que as sociedades não aceitam mulheres e homossexuais

Por Atanásio Mykonios



Naquilo que não é visível nas condições em que se apresentam as relações sociais, há que considerar elementos que não podem ser enxergados no mundo da superficialidade.

Nessa contenda, o que está em jogo, no grande e quase histérico discurso contra a orientação sexual, é o próprio sexo. A sexualidade é o centro escondido desse conflito de perseguições, de insultos, de raiva desmedida, de argumentos religiosos, de moral estruturada na metafisica das sociedades tradicionais, etc.

A questão sexual sempre foi um problema para as religiões. O sexo é um problema não resolvido, não refletido de forma ampla e profunda. Quem conhece um pouco de história, saberá como as culturas, os povos e suas religiões trataram o sexo e ainda o fazem.

Mulheres e homossexuais sempre foram mal vistos pelas religiões. Durante milênios, especialmente no período em que se inaugura a dominação social do masculino sobre o feminino (no Mediterrâneo, no Oriente Médio, no mesmo período histórico, alguns milênios antes da era cristã) provocou uma grande turbulência nas condições sociais do poder social – a dominação do processo de produção das necessidades passou a ser dominado exclusivamente pelo poder masculino. É nesse período que podemos observar a substituição, nessas regiões citadas, das divindades femininas por masculinas.

Controle sobre o corpo, controle sobre a ação, controle sobre o comportamento, controle sobre a imposição sexual. A monogamia foi uma construção histórica de domínio masculino sobre o corpo da mulher em função, especialmente, da procriação. Era mais do que evidente que o homem deveria controlar a produção da terra por meio da identificação bem evidente em relação à prole. Ou seja, os filhos tinham de ser identificados pela origem, a mãe era a certeza de que os filhos pertenciam a um homem, daí a monogamia ser imposta a fim de garantir os novos trabalhadores da terra.

O controle sexual é, sobretudo, um controle sobre o corpo e sobre o processo de produção. O fato de haver uma quantidade de pessoas que não aceitam a liberdade sexual nem o caráter distintivo da homossexualidade, indica, no meu entendimento, duas grandes dificuldades.

Uma dificuldade em relação aos mecanismos de controle sobre a produção por meio do corpo físico e sexual. Garantir a família, como os grupos religiosos querem, é tentar manter o processo da divisão do trabalho sob o domínio do masculino sobre o resto da sociedade – crianças, velhos, adolescentes, mulheres, homossexuais, etc.

A homossexualidade também sempre foi um problema para as sociedades agrárias, rurais. O fato de haver homens e mulheres que decidem não procriar causava abertamente um risco para a estabilidade da produção. Efetivamente, o problema relativo à proibição da homossexualidade é antes de caráter material e não espiritual.

A outra dificuldade que chama a atenção é que a monogamia, como bem apresentou Engels, traz a sua contrapartida que é a prostituição. Nela, as mulheres que não aceitavam o controle social imposto por meio da monogamia exibiam uma liberdade com a qual as mulheres que viviam na relação monogâmica não possuíam.

De certa forma, tanto a homossexualidade quanto a libertação da monogamia colocam o problema da liberdade sexual que foge ao controle social.

Antes, o que agride os religiosos, herdeiros da formação masculina da divinização do mundo, é a sua liberdade, alcançada a duras penas e que passa a ser uma afronta para os olhos monogâmicos da existência em sociedade.

A liberdade sempre causou uma série de entraves e dificuldades não apenas de aceitação, também no que tange às condições reais de produção, uma vez que, em grade medida, são pessoas e grupos que não aceitam o controle da produção e de suas relações constituídas pelo poder de um modelo de divisão do trabalho que foi, até certo ponto na história, sustentado por um modelo de acasalamento e de família que não é mais possível suportar.

O que essas lideranças morais exigem é um posicionamento absolutamente anacrônico com as alterações internas que o capitalismo experimenta na atualidade. Num modelo fordista de produção material e social ainda era possível manter a instituição da família nuclear, constituída por homem, mulher e filhos (por vezes alguns agregados), mas à medida que a revolução científica e tecnológica impulsiona o processo de produção, altera definitivamente as relações de produção e estas transformam a forma social até então organizativa da sociedade.

Tudo mudou, e no fundo, esses grupos que defendem desesperadamente um modelo de família e de organização social da produção, estão fadados ao fracasso, lutam por uma causa perdida. É bem verdade que as coisas mudaram, mas o capitalismo na sua condição essencial não mudou. Mesmo assim, e mesmo que o capitalismo ainda dure décadas, a formação social imposta pelas novas condições gerais de produção afetaram e afetarão as estruturas sociais e abalarão moralmente esses grupos, principalmente religiosos.

Lutam por uma causa perdida! Na verdade, já perderam em todos os quadrantes. O que lhes resta apenas é a tentativa desesperada de manter o impossível.