sábado, 17 de dezembro de 2011

A liberdade no horizonte?

Atanásio Mykonios

O ser humano está perdendo o seu humano. As fronteiras do humano e da animalidade foram estabelecidas pelo pensamento ao longo de séculos. Quais seriam as fronteiras entre a humanidade e suas criações? Seríamos, hoje, uma espécie de moldes da tecnologia? Teríamos perdido o sentido da existência em favor de uma razão cega e estúpida? O que ainda nos pertence como humanos? Por vezes sinto que há uma fronteira que foi ultrapassada sem volta para a nossa própria desgraça. As máquinas falam por nós, o lucro é o nosso porta-voz, a mercadoria é nossa linguagem. O que nos resta? Vivermos como animais mecânicos simbolizados por nossas realizações desastrosas?
As relações sociais estão profundamente marcadas por um imenso deserto, nada nos apetece a não ser o consumo ou uma condição de vida melhor. Vida melhor e mais segura. A liberdade humana está em silenciar a si mesma, em condicionar-se ao desumano com a felicidade de quem não conhece a história e para quem a consciência se tornou um fardo a-histórico. Sabemos, no mais íntimo de nossa consciência que nenhuma ação econômica será suficiente para resgatar nossa humanidade, mas mesmo assim é nosso dever superar o capitalismo.
Mover-se contra o capital não é uma mera revolução, é o confronto decisivo de nossa história. O que nos inspira é a concepção enraizada do humano, o humano livre, erótico, cuja experiência concreta e a palavra constroem o mundo, livre das amarras da escravidão, não mais ingênuo diante das condições políticas adversas ou como que constituído de puro voluntarismo, a não assumir a real perspectiva da luta entre as partes e a totalidade do mundo.
A ignorância, a doença, a indigência, a miséria, a brutalidade, queremos enfrentar nossas chagas e romper a cegueira que nos assola a consciência. A vida prevalecerá! Não porque somos idólatras da vida e tememos morrer, a vida prevalecerá porque é nela que somos humanos, na relação com a natureza, na existência dos indivíduos e em nossas idiossincrasias.
Os Estados, as religiões, os partidos, o poder, a hierarquia, a burocracia, a educação, a família, os moralistas, os administradores e gestores, todas as instâncias sociais experimentarão a ruína, na medida em que o próprio capital não responder adequadamente às exigências do humano.
Todas as lutas serão lutas históricas - já o são. No horizonte que não podemos perdê-lo. O lugar sem lugar, a utopia, importante para que continuemos a caminhar e trilhar o objetivo fundamental – a liberdade humana sem condicionamentos. Não importa realizar a utopia, seu papel histórico é outro, é nos conduzir no presente para a nossa liberdade sabendo que não haverá o lugar sonhado. Façamos isso!

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Necessidade e Liberdade


Atanásio Mykonios


A necessidade, na sociedade capitalista, perde seu sentido humano, apesar de o consumo ser destinado ao indivíduo, o processo de produção não considera as necessidades dos indivíduos. Não são as necessidades humanas que determinam a produção em geral e sim a produção de mercadorias que determina a necessidade humana.
O homem, nem em seu sentido social em geral, não se encontra na produção, não se reconhece no processo de produção, o que surge, em seu lugar, são os mecanismos impregnados de tecnologia e sua expressão é o mundo invertido, refletido no consumo. Daí que o produto-mercadoria é mais importante que a necessidade humana no âmbito social da produção de valor.
Da produção ao consumo, perde-se o sentido histórico da necessidade, surge como fenômeno não a necessidade humana, mas a necessidade do valor em se multiplicar, escondida no valor-de-uso.
Os indivíduos se veem como donos de sua própria necessidade, capazes, de ilusoriamente decidir acerca de como, quando e o que consumir. Tomam para si a condução das necessidades sem perceber que são conduzidos pelo mecanismo social da produção de valor – a inversão social está posta.
Nesse sentido, nada importa para o indivíduo a não ser satisfazer suas necessidades sem se dar conta do processo em que ocorre a própria satisfação das necessidades. Ora, o mecanismo de produção atual nos coloca num âmbito da abundância em meio a uma expectativa de consumo ampliado, mas o que ocorre no início e na jornada da produção não diz mais respeito ao indivíduo.
Os produtos surgem como num passe de mágica, apenas isso. Curiosamente, esse modo de comportamento diante da necessidade revela que toda forma de necessidade está guindada pelo jogo de relações impregnadas de uma racionalidade que, ainda segundo Marx, nos Grundrisse, fica evidente a liberdade dos indivíduos, ainda mais notória quando as relações de necessidade são postas, de tal modo que a inversão da consciência social de cada indivíduo é estabelecida numa espécie de razão às avessas.
O pensamento marxiano nos leva a considerar os aspectos da necessidade que merecem um aprofundamento e ampliação uma vez que Marx analisa sob vários pontos no interior do processo capitalista. Mas o aprofundamento das necessidades em Marx deve nos levar a um estudo mais amplo no que tange aos aspectos que, de acordo com Agnes Heller, são fundamentais para a compreensão da necessidade. O aspecto antropológico, o ético e o político. O elemento importante é a perspectiva política. Do ponto de vista ético não é a sociedade nem os indivíduos que detêm o poder de determinar suas necessidades, mas estas são conduzidas pela produção de valor. O consumo se torna a imediata condição do humano.
Isso implica uma abordagem das formas políticas que se fazem presentes no mundo das necessidades atuais. A questão ética em jogo não são as necessidades dos indivíduos, seu egoísmo ou sua impenetrável vontade em satisfazer necessidades que beiram à esquizofrenia. O problema ético é o fato histórico de que a realidade das necessidades é condicionada por um fator externo e alienante aos indivíduos. Isto requer uma atenta reflexão sobre o problema ético da necessidade, uma vez que sob vários aspectos o problema se avoluma, os recursos materiais e naturais apontam para a exaustão, o complexo jogo produtivo implica fragmentação das condições de trabalho e o consumo adquire nova feição.
Ao atingir a totalidade social, será possível compreender quais são as necessidades naturais da naturalização do modo de viver em face a uma crescente crise do capital que atinge globalmente a sociedade humana? Por outro lado, a crise ecológica concomitante à crise do próprio sistema capitalista nos convida a um aprofundamento da questão da necessidade que implica um estudo ético e, por conseguinte, o enfrentamento político da sociedade, suas instituições e, sobretudo, dos indivíduos lançados à própria sorte nesse processo social.
As instituições governam o processo de necessidades, na perspectiva do fetiche social. Por isso não é exatamente um estudo antropológico sobre a necessidade e sim, esse estudo tem como objetivo estudar o aspecto político relativo ao processo de produção de valor e das condições em que a necessidade ocorre.
O conhecimento da sociedade é a consciência histórica que é adquirida pelos indivíduos como totalidade das relações sociais, que transcende o mecanismo das relações particulares e atinge o grau da apreensão do todo. Lukács desenvolve um estudo conjuntural sobre a consciência de classe e a consciência histórica e neste aspecto, quanto ao modo em que se dá a inversão do processo de necessidade na atualidade. As formas sociais adquiridas pelo capitalismo e sua consequente forma alienante atinge a necessidade como categoria social.


A consciência de classe, por outro lado, é o elemento, segundo o qual abarca a história no processo total. A totalidade das relações sociais e do mecanismo do capital são elementos que devem ser apreendidos a partir da totalidade do sistema e nele engendrada a consciência da classe, que historicamente deve assumir o protagonismo de sua ação para afirmar-se como o próprio processo do real.

sábado, 5 de novembro de 2011

Submissão dos povos à racionalidade indiferente do capital

Atanásio Mykonios


No atual estágio do capital global, é possível culpabilizar um povo inteiro pela dívida que seu governo contrai? Será possível criminalizar os cidadãos pelo fracasso social do capitalismo em não mais gerar o valor substancial necessário para cobrir os hiatos de sua expansão? Será então que os bancos e o sistema financeiro podem ser considerados como outra espécie do capitalismo, talvez mais nobre, mais evoluída, mais sensata?
Não que o governo seja vítima dessa situação. Ou de todas as situações impostas pelo capitalismo. O fato é que esse sistema está em crise e obviamente seu processo revela a decadência lenta em que experimenta o fim de uma era histórica em que um modo de civilização foi determinado e que, rapidamente sairá de cena.
Ângela Merkel e Sarcozi deram um ultimato ao povo grego, submeteram-no à humilhação de não decidir acerca das propostas e ele oferecidas. Não há tempo para discussões. Os povos deixaram de ser donos de seu próprio destino. As ordens financeiras, a lógica do sistema deve prevalecer sobre toda e qualquer vontade social ou política. Sua racionalidade está acima das volições humanas e sociais.
É emblemático o que ocorre com os gregos. O esgarçar das relações e instituições pode ser um sinal limítrofe entre a barbárie e a superação.
Porém, não há espaço para tergiversar! É preciso prosseguir com a cirurgia do mercado em favor dele mesmo. A sociedade produtora de mercadorias deve ser um fim em si mesmo. A tautologia social assume a condução dos povos. Surge, dessa forma, a ditadura escancarada da sociedade que produz valor sobre valor, manietando as pessoas e sua vida.
TODOS PODEM PROMOVER A DEMOCRACIA, ESTABELECER INSTITUIÇÕES, REAVIVAR DIREITOS, GARANTIR O VOTO! Mas não se pode colocar em risco o próprio sistema capitalista. Ele é a existência própria dos sujeitos sociais, nada pode estar acima, nem mesmo os povos, as culturas, a sociedade, nada pode se contrapor a ela.
Dessa forma, o capitalismo começa a mostrar sua real face. Autoritária, anti-social. O processo humano não mais será considerado (nunca o foi). O Estado parece ser, atualmente, o sócio majoritário do capital, dita as ordens. regula o trânsito das mercadorias, submete os indivíduos. É ele quem deve fazê-lo, em nome da segurança do sistema, é ele quem tem a força, o ordenamento jurídico para garantir que nada saia do planejamento.
A tecnocracia se encarrega das formalidades, encaminha as soluções e determina as condições em que devem ser impostas. Como um carrasco frio e impessoal, a tecnocracia é o braço de ferro do capitalismo. Se for possível, usará a força, que submete os sujeitos em sua revolta, novamente em nome da racionalidade. Os povos são condenados à sua própria pena de morte, não podem ser consultados, não devem ser consultados!
A política passa a ser um empecilho para as decisões de grande porte! Parlamentos e congressos devem se submeter à objetividade da sociedade produtora de valor. Se for preciso, criminalizam-se os devedores. O Estado gerencia as condições de realização da rotina. Tudo deve voltar ao normal. Os mais fracos deverão obedecer ou sucumbir. Os mais fortes ditarão as quantias a serem pagas.
Os bancos precisam garantir o crédito. Este é o ponto! Não há mais como produz valor pela produtividade industrial, é preciso lançar o crédito para frente, comprometer o trabalho futuro de toda a sociedade e dos governos.
É o princípio do fim.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

O panlogismo da crise ou a Grécia e seu estertor


Atanásio Mykonios

Há tempos tenho estado recalcitrante em escrever. Acompanho o que ocorre com o capitalismo no mundo. Não se pode entendê-lo com um simples olhar local. Estamos metido em uma confusão das maiores, em que se perde a noção das perspectivas, a noção do espaço público, a privatização da existência ocorre em todos os âmbitos da formação humana e, apesar disto, o Estado parece estar mais atuante do nunca diante da crise mundial.
As forças locais estão, no momento, subsumidas a uma lógica perversa – a lógica desumana da sociedade que produz a mercadoria e a reproduz em sua forma fetichizada. 
Em todos os lugares, a estrutura social e jurídica se adaptou ao ordenamento necessário para sustentar as relações sociais do mercado.
Mas, aqui podemos ver a vasta teia que marca a vida dos seres humanos. No mais das vezes, não nos damos conta da grandiosidade desse processo e o modo pelo qual colonizou a vida, até mesmo nos mais ínfimos detalhes do cotidiano. E quando algo não vai bem, há uma tempestade que assola a normalidade.
A agonia de uma crise se arrasta.
Pelo mundo, os seres humanos se levantam contra o capitalismo. Até nos EUA um movimento cresce absurdamente. Ao que parece, mais e mais, as críticas se tornam substanciais e consistentes, têm atingido o cerne do processo capitalista.
Por outro lado, muito perceberam que não haverá futuro seguro se o sistema insistir em manter a si mesmo, em detrimento do próprio mundo que o abriga. Não sem problemas, uma vez que as críticas são desferidas, em parte, contra o sistema financeiro, acusando também os grandes manipuladores dos capitais transnacionais.


Mas, ainda diante da crise que se torna cada vez mais aguda, é preciso lançar um olhar mais atento à Grécia. O país dos meus pais, o país dos meus ancestrais está agonizando há mais de 3 anos. Os gregos mergulham numa espécie de dissolução social absoluta. A sociedade grega está em vias de se dissolver. A base material que sustenta a base social está praticamente em vias de colapso anunciado - a ruína social não é mais uma ameaça, agora é realidade.
No passado, os gregos inventaram um modo de viver socialmente em que um exército de escravos fazia tudo e garantia o fundamental para os cidadãos gregos. Esses escravos, que chagaram a ser contados aos mais de 400 mil na Atenas de Aristóteles davam aos gregos de nascença uma pré-condição para exercitarem sua política. A garantia do processo social produtivo favorecia as ações políticas liberadas da privação material.
Pois então, mesmo com esse exército de fazedores e reprodutores da vida, os gregos se deparavam com problemas técnicos do modo pelo qual as condições políticas ocorriam. As formas de poder e organização do Estado, o cratos grego nunca foi um modelo ideal, isento dos conflitos de poder.
A política inventada pelos gregos tinha uma condição sine qua non – a vida material e sua reprodução estavam asseguras.
Pois, ao contrário de seus ancestrais, os gregos atuais estão vendo sua sociedade afundar num caos sem precedentes, um atoleiro político histórico em que todas as instituições entram numa zona de risco iminente e isto mostra uma realidade que fora gestada pela crítica radical ao capitalismo.

A tautologia social implicada pelo capitalismo revela sua própria fragilidade. No âmbito da vida normal e natural, o capitalismo faz a vida ser uma coisa comum interiorizada na linguagem humana. Tudo parece fundamental e não-argumentativo, como um mito que nos protege e nos guia à vida plena.
Basta trabalhar, ganhar o dinheiro, comprar coisas, adquirir a cultura, estudar, viajar e ler alguns livros. Em outros lugares, a luta pelos direitos continua, os pobres e os movimentos sociais se organizam para conquistarem mais direitos, para isto, é importante que alguns inimigos estejam up to date.
Onde estão os erros? Na malversação do erário? Na corrupção como nossos valorosos brasileiros atualmente o entendem? Será um problema de administração estatal? Seriam os partidos os grandes responsáveis pela derrocada dos países endividados? Seriam os deuses investidores? Os Estados nacionais se desmancham ante a possibilidade de os investidores retirarem seus tesouros das terras prometidas.
Todas as terras são santas para o capital. Ele é volátil porque no processo de investimento, não deve encontrar fronteira. Mas sua própria fronteira é seu desastre, o limite da produção de valor. À medida que o mundo reinventa sua revolução científico-tecnológica, produzir valor sobre a mercadoria, torna-se um exercício utópico, uma vez que esse topos (esse lugar), onde o capitalismo se faz está desvanecendo. Por isto, todos estão empenhados em encontrar formas de manter a forma social de produção de mercadorias.
Isto não será mais possível. Haveremos de encontrar uma forma. A barbárie não está distante das nossas narinas, ronda a vida social. A débâcle institucional está em vias de se tornar um fato real.
Drasticamente, o capitalismo não tem mais como arrancar dos indivíduos sua capacidade de sustentar a abstração criada por ele mesmo. Produzir valor para garantir o trabalho futuro por meio de financiamento abstrato, isto é um sonho mergulhado num sono profundo. Radicalmente, para suportar sua metafísica, o capitalismo, ele mesmo corta salários, mantém as horas de trabalho e o tempo se torna, novamente, a mola mestra que irá recuperar o processo de produção de valor sobre valor.
 
Em um país milenar, o que esperar quando o tecido social se esgarça rapidamente? As bases sociais não são suficientes para garantir a vida para além da crise. A sociedade não encontra espaços para respirar - sindicatos, partidos, movimentos, as massas, os desempregados, tudo começa a ruir como um quadro que se desvanece aos próprios olhos.
Um povo instruído, com alto índice de escolaridade superior. Baixa demografia e pequenas extensões possibilitariam melhor condições de comunicação e articulação. Mas, um povo intelectual e culturalmente preparado não parece ser capaz de dar conta da crise capitalista e superá-la. Pergunta-se então, de que preparo é possível falar?
O mito de que um povo bem educado pode responder a qualquer catástrofe cai por terra porque não se sabe o que deve ser colocado no lugar. A perplexidade, o desespero, a iminência da pobreza real, o esmagamento do futuro das gerações atuais, carrega de tintas escuras o já obscuro cenário da Grécia.
Seria o momento de perceber a oportunidade para a superação desse processo. Seria um período histórico para prepararmos nossos jovens, os alunos, os sindicalistas, os ativistas, enfim, o mundo mobilizado, para uma nova etapa da humanidade.

De certa forma isto está acontecendo. Jovens gregos têm tomado as ruas e praças e organizado novas formas de relação social. Eles dizem que cabe ao povo decidir acerca de seu destino. Um genocídio está prestes a acontecer, mas a juventude está a dizer ao mundo que outro mundo é possível. Ouçamos o que ela tem a dizer!

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Sociedade da Imagem

Atanásio Mykonios

O que parece pode ser. Mas o que é pode não estar à vista. A relação entre aparência e conteúdo é um conflito interminável, no âmbito da dialética. Mas onde a verdade está, na aparência ou no conteúdo? Ou será que a verdade não existe a não ser na relação entre ambos? Marx afirmara, em certa ocasião que se a verdade surgisse de pronto, não teríamos necessidade da ciência. Por outro lado, a busca constante pelo conteúdo transformou a cultura numa espécie de suspeição permanente acerca da realidade. Nada parecia conter a verdade a não ser o compromisso de encontrá-la para além das fronteiras do aparente. No processo social em cujo contexto atual a vida é guindada pela relação do trabalho e do valor, podemos experimentar uma oposição a essa cultura, o mundo contemporâneo, do consumo e do esplendor da mercadoria - o oposto se manifesta. A aparência se torna a verdade absoluta na sociedade da imagem, a forma-mercadoria foi capaz de nos esquartejar em pedaços para ser vendidos. Nós devemos ser vendidos e a imagem social é a imagem do mundo moderno que vende e o que vende não é o conteúdo e sim a imagem. A imagem da sociedade é a sociedade da imagem, não há oposição, apenas convergência. Chegamos à condição absoluta e histórica da sociedade das mercadorias. A imagem se faz conteúdo e o conteúdo é suspeito, vale a imagem sem conflito, porque a verdade humana imposta como mercadoria social, por isso não queremos mais compreender o conteúdo, não queremos mais refletir, apenas viver da imagem, a imagem da forma-mercadoria.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Espírito do tempo - espírito absoluto

Atanásio Mykonios

Não parece possível uma consciência absoluta que apreenda a realidade e a submeta. O espírito do tempo é o caos como espírito de si mesmo. O sonho nutrido dos mentores da sociedade pós-guerra agora atinge seu ápice. A fragmentação da formação social amplia a capacidade de movimento da consciência, cujo aspecto universal e abstrato reside na categoria máxima atingida pela sociedade que produz consumo e valor. Para os indivíduos, resta um espectro difuso de consciência aplicada como método científico a fim de garantir sua segurança pelos caminhos do caos. A democracia se confunde com o direito fragmentado dos sujeitos sociais, atuam para amealhar o que lhes é possível e neste caos, ninguém se atreve a uma solidificação ou unificação da consciência, pois há o pavor de que as estruturas unificadoras e assassinas voltem a conduzir todos para a destruição. Essa realidade árida transforma os seres humanos em fantasmas de si mesmos. Chegamos ao espírito absoluto da consciência da mercadoria, que paira sobre todos e todos se submetem, condicionados ao caos na Terra, enquanto o espírito absoluto incólume permanece.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Fascismos velhos e novos

Atanásio Mykonios



Houve uma tentativa histórica das classes dirigentes e das elites culturais nos países estados do capitalismo industrial de assimilarem todo processo econômico embutido na escala capitalista. Por períodos cíclicos, as elites sentiram o fluxo do valor sobre valor, como expressão de sua própria identidade cultural e étnica. Foram levadas a imaginar que seus ganhos e seu conforto sócio-material se deviam à sua forma de agir, aos caracteres genético-histórico-culturais. Nesses períodos em que havia menos turbulência social, nos pós-guerra, os movimentos políticos e sociais emergem das contradições do conservadorismo moral e ganham ares de liberação moral e política. As esquerdas avançavam e os movimentos contra-morais assume o controle das ações sociais. O sexo, o comportamento, as escolhas, as relações de natureza privada pareciam mais abertas e menos cerceadas pelo patrulhamento dos grupos morais. Parece que a prosperidade econômica gerava, na modernização, uma espécie de colchão para efetuar novas demandas políticas e morais.
Mas na história, nenhum povo que alcançou prosperidade material foi capaz de abrir mão de suas riquezas. Foi com os gregos, os romanos, os europeus, os japoneses e hoje com os europeus e os norte-americanos. Ao não abrir mão de suas riquezas, qual é a expressão desse processo na modernização? Fascismo! As identidades xenófobas, com sua cultura dominante, explodem por toda parte, a barbárie não se concentra apenas com os pobres e viciados, desempregados e confinados. As elites reagem com ferocidade, voltam a atacar as minorias, voltam a assumir o poder político, acusam e assumem a guerra total contra seus inimigos – pureza da raça contra seus detratores.
As elites são vítimas sua ilusão, pois ao gerenciarem o processo da sociedade que produz mercadorias, criaram em si a presunção de que são efetivas controladoras do sistema. A mercadoria não tem dono, não tem etnia, cor, formação cultural, não assume nenhuma história local ou regional, não assume nenhuma forma social autóctone, apenas se permite a um encapar das condições culturais, na relação entre valor-de-uso e valor-de-troca. A ilusão que essas elites alimentam na sociedade das mercadorias tem a mesma proporção alimentada pelas religiões em sua luta contra a modernização.

A decadência do capitalismo e seu colapso farão surgir por todos os lados novos e velhos fascismos com a pecha de salvação dos nichos nacionalistas e a condenação dos grupos fantasmas, supostamente aliciados pelos conspiradores históricos contra a cultura nacional.


segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Brutalidade e exaustão

Atanásio Mykonios

A brutalidade da forma social não está apenas na violência de corpos que lutam contra outros corpos. O mundo brutal recolhe para si a nefasta condição de abandono das vidas. Por mais que a consciência lute para manter, para si mesma um lugar confortável onde as pessoas estejam a salvo, a realidade encruada nos mostra que nada mais parece ser possível em impedir a barbárie das coisas e da sociedade. A barbárie atinge níveis compatíveis com uma espécie de natureza indiferente à tragédia. A vida econômica prevalece sobre qualquer anormalidade insidiosa, sobre a loucura, a preguiça, o sono, e mesmo o nada são condenados absolutamente por todos.
Há como que, um exército camuflado, que permanece à espreita e pune severamente o que tenta se desprender dessa brutalidade abstrata e real. Mas há ainda, para facilitar a brutalidade ideológica um torpor de consciência que nos torna ainda mais cúmplices dessa sociedade arruinada. Nenhuma palavra será capaz de sensibilizar a marcha fúnebre dessa sociedade sôfrega e embevecida pela apoteose da mercadoria.
Não consideremos apenas um invólucro do presente em que a história é incinerada pelo ordenamento do comprar e vender, pela borracha que apaga as mãos que criam o mundo em favor de papeis, comódites, ações, dívidas e estados absurdamente brutais com seus cidadãos. Consideremos a frenética e exaustiva repressão das ordens sociais, dos campos de concentração que se espalham pelo mundo com seus refugiados, suas hordas de desempregados, seus velhos abandonados e suas crianças famintas.
A brutalidade da mercadoria faz regredir o homem a uma condição de petição absoluta.
É preciso insistir, reconhecer o fim de um período, marcado pelo capitalismo, em que, sobretudo, vinga, cada vez mais, a estupidez, a barbárie, a indiferença, elementos que nos conduzem, há muito, ao precipício social. Somente quando reconhecermos, pela via do compromisso dialético que o processo chegou à sua exaustão, é que poderemos encontrar em nós, sociedade humana, alguma possibilidade de garantirmos a sobriedade diante da vertigem abissal de uma sociedade sem evidências concretas de sua própria realização como espécie humana.

A última instituição está ruindo

Estados estão se dissolvendo. A banca mundial espera pelo regresso das operações financeiras com generosidade de um carrasco, à espera das migalhas que serão distribuídas pelos abutres do mercado. O colapso das instituições não é uma ficção de Hollywood, ela é visível e o Estado será o último bastião do castelo de areia que desmorona sem qualquer ato fúnebre a lhe garantir a passagem para a eternidade.
A fim de garantir o inominável metafísico da esfera do valor, o dinheiro volatiza as esperanças e não garante os pés, nem o chão, nem a comida, nem o patriarcado das gerações que se empenharam para a apoteose do capitalismo majestoso da concorrência e dos produtos fartos. Na sociedade da abundância, abundam Estados sôfregos numa espiral esquizofrênica.
O capitalismo de estado vingou a si mesmo, como forma de promover a segurança dos investidores, garantindo o ordenamento jurídico das relações de troca. Agora é refém de sua própria ideologia nefasta - haverá então pouco a esperar a não ser a lógica demarcada da racionalidade dos números que vagam pelo espaço, em busca de um cofre que lhes dê guarita e segurança final.
Não importa o tempo que levará, será uma longa noite de gemidos, em que o moribundo será exposto ao seu próprio criador – a humanidade, sedenta por liberdade e carrinhos cheios de produtos. Seremos um arremedo de nós mesmos, entregues à bestialidade dos momentos em busca de comida.
Os Estados sucumbiram! Pouco restará em breve do sonho de um Estado ordenado e racional, a democracia não dará conta de sua obrigação em salvar o mercado. Tragados, os Estados serão a última certeza de que há vida útil no planeta.
O último bastião está por ruir.

domingo, 24 de julho de 2011

Deserto Social

Atanásio Mykonios

Sucumbir às formas sociais que banalizam a existência. Calar-se radicalmente ante a necessidade de uma expressão que manifeste as mazelas do mundo e sua reprodução. Admitir o torpor social e a condição de impossibilidade de refletir sobre uma realidade mortificante. A ideologia burguesa do modo de reproduzir e reificar a existência alcançou os estertores da vida. Não só a vida humana reproduz a banalização e a sua mortificação, como também as coisas ao seu redor gritam a forma de um aprofundamento das estruturas de alienação. A vida crítica deixou de existir há muito tempo, os indivíduos sociais se contentam, cada vez mais, com a possibilidade de não serem tragados definitivamente pelo ocaso das relações materiais; temem serem lançados de modo irreversível no limbo material e suas afeições dizem respeito a um condicionamento no núcleo familiar decadente e repleto de idiossincrasias. Não há nada mais do que a aridez de uma totalidade desertificada. Com muito esforço, tentamos de nos manter sóbrios no furor de uma sociedade embasada na complexa relação impregnada pelo fetichismo social da mercadoria. Nem mais parece possível uma análise pública das estruturas de exploração impostas pelo capitalismo. Assim, o que importa é simplesmente uma fonte inesgotável da própria consciência banalizada que persegue ininterruptamente sua própria realização, sem saber para qual horizonte apontar.
O único objetivo fundamental é a realização material, quantitativamente superior aos patamares experimentados no presente e qualitativamente incrementados pela necessidade incomensurável de ganhar mais e pagar menos. Assim, a teoria avança no interior dos gabinetes, mas os teóricos se tornam autistas sociais, confinados aos seus espaços restritos, sem qualquer perspectiva de serem ouvidos a não ser na forma de concessão que a mídia lhes oferece quando se trata de abordar tecnicamente algum problema social. Mais uma vez, o processo devastador das condições de reprodução social e material, impostas pelo capitalismo, se torna a real realidade sem qualquer contestação. O mundo vive como se nada de fato existisse para além das necessidades banais,  a não ser a própria forma imediata de satisfação, confundidas  com uma suposta aura de fundamentação espiritual, conduzida pelo adestramento dos indivíduos às tarefas cotidianas sem a percepção de que algo não cheira bem no reino das relações sociais. O niilismo político é um caminho para a sobrevivência intelectual.

sábado, 9 de julho de 2011

Lançamento do Livro "Além dos muros da escola..."

Companheiras e companheiros de viagem!

Nosso amigo, irmão e companheiro CÉSAR AUGUSTO ALVES SILVA publicará sua obra.

É com imensa alegria que vos comunico a publicação da Dissertação de Mestrado em formato de livro e com o título de:

"Além dos muros da escola: as causas do desinteresse, da indisciplina e da violência dos alunos" 

Sinopse da obra:

A partir da observação e análise da configuração da sociedade produtora de mercadorias, o autor executa uma análise da cultura criada por tal sociedade e suas implicações sobre os seres humanos em sua relação com a educação formal. Para isso, utiliza os conceitos de experiência, formação, semiformação, racionalidade técnica e outros desenvolvidos pelos expoentes daquela que se convencionou denominar entre nós "Escola de Frankfurt" ou "Teoria Crítica". Suas conclusões são as de que tanto o desinteresse quanto a indisciplina e a violência de alunos e alunas, em relação a conteúdo e forma produzidos na escola, são produtos da mesma organização social responsável pelas agruras do Nazismo e de Auschwitz, o modo de produção capitalista.

Palavras do autor

“A Editora é a Papirus, mas a honra maior foi de contar com o prefácio de meu orientador à época do Mestrado, ié, o Prof. Mário Sérgio Cortella. Muito me honraria a vossa leitura, comentários, críticas, sugestões e até, quem sabe, elogios... divulgação também eu agradeço demais!
Forte abraço a todos e todas!
César”

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Por que estamos mais pobres

Atanásio Mykonios



Ora, pode parecer estranho, mas mesmo com toda a abundância e a produção em escala gigantesca e mundializada, estamos mais pobres e muito mais explorados pelo capital.
Isto foi previsto no século XIX, em paralelo a Marx, outros pensadores já observavam a tendência do sistema em aumentar a exploração à medida que não mais prescindia de trabalhadores em quantidade. Isto significa dizer que a exclusão do mercado principal do capitalismo, que é o trabalho, não exclui os trabalhadores da própria exploração, ao contrário, suga-os para dentro do sistema e a ordem primordial é que a exploração se torna relativa e mais perversa.
Jean-Charles-Léobnard de Sismondi, foi um economista e historiador suíço, morto de 1842, que influenciou Marx e outros pensadores posteriormente. Ele observou que o aumento da tecnologia, inevitavelmente levava a um aumento real da produção – algo que hoje é uma redundância, o que implica a necessidade de ampliar o escoamento das mercadorias. É possível encontrar qualquer bugiganga na porta de qualquer banheiro público. Mas isto não ocorre sem submeter ao mercado toda forma social, indo para além das fronteiras estabelecidas – é preciso colonizar a face da Terra e as suas profundezas. Com isso, todos se tornam subsumidos ao modo de produção que se expande interminavelmente. 
No início do capitalismo industrial, isso se dava pelo aumento do tempo de trabalho e pela espetacular diminuição dos salários para competir com a concorrência. A exploração selvagem submetia os trabalhadores em uma infindável jornada de tarefas, a especialização não era tão necessária.
Quanto mais se torna sofisticado o processo produtivo, a ciência qualifica o conhecimento, ao mesmo tempo em que o fragmenta. São necessários novos saberes a fim de cumprir o complexo social das tarefas do trabalho. As profissões se multiplicam juntamente com as exigências e os serviços.
Mas atualmente, esse processo não precisa da massa qualificada de trabalhadores e sim de consumidores, mesmo que a tecnologia e a diminuição do valor-trabalho seja um componente fundamental para vencer a concorrência. Um pequeno número será suficiente no futuro para mover a máquina capitalista.
Enquanto as empresas têm um rosto marcado pela sua identidade – a marca, o nome, a imagem – a massa de despossuídos não tem rosto, todos que fazem parte dela não passam de números formalizados nas listas oficiais. Permanecem, no entanto, presos à necessidade de sobreviverem no contexto do mercado, e se tornam mendicantes das migalhas que o sistema espalha com sua indiferença generalizada.
A crueldade desta forma social reside no fato de que há dois elementos que substanciam a dependência na exploração. De um lado a força da tecnologia que abrange a totalidade dos modos de produção e quanto mais sofisticado torna-se o processo, maior o grau de exploração sobre a especialização dos trabalhadores que passam a ser sugados ininterruptamente. Seu corpo, seu cérebro sua mente e seus conteúdos morais passam a ser dominados por um inquilino mordaz e efetivo, uma espécie de sanguessuga permanente. Não é mais uma exploração datada, ela deixa de ser temporal para ser onipresente.
Trabalhadores com competências multidisciplinares atuam aparentemente com maior desenvoltura, são tratados como maior reverência social, têm acesso ao emprego remunerado, mas são cada vez mais explorados, diríamos, sugados diuturnamente. Seu valor no mercado está relacionado à capacidade de produzir mais valor em menos tempo. Estes trabalhadores cada vez com formação com propriedades acima da média assumem a condução formal do sistema, mas a maioria, ainda, não tem poder decisório, apenas os gestores e administradores. Esta espécie de nova classe gestora garante a liturgia do processo e a aparente da acumulação.
Juntamente com esta condição, ao atingir o seu ápice, o capital estende a exploração para o âmbito da dependência, uma vez que mesmo na exclusão, não há outra forma de lidar com a sobrevivência que não seja a dura realidade de manter-se preso às relações de troca.
Significa pensar que a massa dos desempregados não se liberta do mundo das dependências sociais e das necessidades materiais impostas pela relação da troca do valor. Desempregados ou não, estamos presos, atados a esta forma histórica de relação humana.
Como disse Marx, em uma profética visão, o dinheiro é a máxima social que sustenta todas as formas de vida no capitalismo. O dinheiro é apenas a expressão de um equivalente necessário que faz a mediação entre o valor-trabalho e as mercadorias.
Seria o caso de as massas cada vez mais despossuídas romperem as amarras dessa dependência e encontrarem novas formas de vida, mas isto fica nebuloso em um horizonte distante, pois contrariamente a este determinismo social, os que permanecem no sistema, trocando sua força de trabalho pelo tempo excedente da exploração, não se dão conta de que não podem mais sair. E os que estão à deriva, lutam para serem explorados sem o saber.
Empobrecidos cada vez mais com a ilusão de ótica provocada pela imensidão de produtos que invadem o cotidiano e, também, pela impressão de que há um ambiente favorável promovido pelo progresso material em escala planetária. Este ambiente, por mais que nos ofereça o acesso a uma existência planificada, baseado no conforto, na informação, na velocidade das operações tecnológicas, há um empobrecimento gradativo, mas não visível.
A exploração não aumenta simplesmente porque as massas não podem consumir conforme as promessas do sistema, aumenta progressivamente porque se torna evidente a dependência.