Por Atanásio Mykonios
A
direita política e econômica no Brasil conseguiu uma façanha de tirar o chapéu.
Desde o começo do ano passado, a movimentação indicava que uma agenda factual
deveria ser imposta no cenário político. Era preciso que uma força política
nova surgisse com potencial para derrubar aquilo que já se mostrava
insuportável para as elites – o aumento da massa salarial, que, segundo o IPEA,
já demonstrava estar acima dos rendimentos e da valorização do capital em
geral. Não fosse apenas isso, seria preciso avançar sobre o estado-nacional,
seria necessário desmontá-lo para repor ou recompor o capital em sua
articulação orgânica.
Não
bastava apenas um movimento direto contra a atual situação. Os gestores, os
acionistas e os capitalistas associados utilizam novas estratégias, mais
difusas, com capilaridade social mais eficiente, se valem de grupos diversos
para alcançarem seus objetivos de controle e dominação das condições de
produção, especialmente o aparato estatal. Parece não haver necessidade de um
confronto direto, um golpe armado com forças regulares institucionais, parece
ser mais importante criar condições não só ideológicas, mas penetrar na
diversidade e capturar o que mais é latente no imaginário coletivo, pois no
caso, a imensa insatisfação contra aspectos da vida política como
administração, a imoralidade praticada pela esquerda, os desvios e a corrupção.
Os nazistas utilizaram os mesmos meios para chegar à dominação total.
Cena do Filme Terra em Transe de Glauber Rocha
Fonte: História: Questionem as Fontes
(http://questioneasfontes.blogspot.com.br/2013/10/9-c-ditadura-militar-no-brasil-1964-1985.html)
Esse
cenário construído metodicamente, precisava ser legitimado pelas massas, com a
condição de que os meios de comunicação criassem as possibilidades de um
discurso midiático capaz de atingir o cerne político, fortalecendo uma agenda
política contra o poder estatal central e contra as esquerdas de modo geral.
Para isso, era necessário um ideário muito bem articulado, em que teria como
base uma suposta conspiração engendrada de há 12 anos, com a chegada do PT ao
poder central estatal. Dessa forma, construiu-se, em concomitância à ideia de
uma conspiração, a noção de que há uma ditadura de esquerda alicerçada na velha
prática stalinista, formando assim a concepção de que o PT não passaria de uma
organização comunista sanguinária, um partido antidemocrático, com caráter
corrupto e ligado ao que há de pior na atualidade geopolítica. A leitura assimilada
por parte da população e criada pela direita foi muito bem articulada, as
massas incautas e principalmente aquela parcela da população semiformada na
órbita da política, encontrou um veio para vomitar sua indignação difusa e
abstrata, sustentada por uma construção instrumental do real e da política,
historicamente descompromissada com a realidade e alienada ao movimento do
capital, com nítido caráter despolitizado. Essa parcela da população nunca foi
esquerda nem direita. Ela está no limbo histórico e foi inteligentemente
capturada pela mídia que tem seus interesses em desmoralizar a esquerda e
defenestrá-la do poder estatal central. Ocorre que agora a impressão que se
tem, não generalizada, mas por parte dessa parcela despolitizada, é que estamos
sob uma ditadura de esquerda, tão feroz que toda e qualquer ação ou corrupção é
jogada na conta dessa ditadura que deve ser derrubada. E com isso, de roldão,
todos que são de esquerda passam a ser identificados com a marca do demônio, e
que devem, juntamente com o PT e os petralhas, serem destituídos, mandados
embora do país, deportados, queimados, etc.
Uma
das características do movimento fascista é encontrar um inimigo comum. Talvez
parte da direita não tenha consciência da forma como o fascismo é construído, apenas
uma parte, talvez não tenha clara a concepção de sua condição, no entanto, esse
movimento que ora presenciamos não está consolidado na forma de um fascismo
absoluto, diria, como alguns amigos afirmam, uma espécie de protofascismo. Além
disto, outro elemento importante comparativo a esse modo é a reação raivosa que
se assemelha à estrutura mental estabelecida pelo terrorismo. Para o
terrorista, seja ele pertencente a uma célula, a um movimento, a um aparato
estatal, seja lá o que for, todos são cúmplices, o que sobressai nesse
movimento é o fato de que há uma caça a todos os que de alguma forma devem ser
estigmatizados como esquerda. Daí, a partir dessa construção, a direita precisa
chegar ao poder para enfim eliminar como numa guerra santa, toda a esquerda,
que doravante será codificada com o nome genérico de comunista.
O
mais interessante é observar que mesmo não havendo nenhum sinal de que
estejamos sob o tacão de uma ditadura, esse contingente politicamente
ignorante, passa a crer veementemente que a ditadura deve ser destruída. Esse grupo
vê os atos da ditadura em todos os âmbitos da política. Passa a enxergar por
todos os lados evidências cabais de que estamos presos a uma ditadura. Mas
quais seriam estes sinais? Talvez o primeiro, para esse contingente, é a
questão moral relativa à corrupção. A corrupção emerge como o sintoma de uma
ditadura, em seguida, todos os elementos que compõem uma espécie de movimento
conspiratório à esquerda, isto é, enxergam nas políticas sociais públicas uma
evidência de que se trata de um movimento de massas para a sovietização do
Brasil. Os fantasmas ganham corpo com a paranoia.
Assim,
ocorre que a direita construiu eficazmente um modelo de articulação política
que não necessita de grandes elaborações teóricas nem uma adequada compreensão
da história ou da realidade. A partir das manifestações de junho de 2013, ela
percebeu a grande oportunidade de transformar em realidade social algo estava
nos porões, nos churrascos, nos bares, nas reuniões m família, etc., criando
uma agenda real de movimentação e mobilização sociais. Essa condição não
necessita, tampouco, de uma crítica sobre o próprio sistema capitalista, nada
disto é relevante, apenas uma construção difusa, universal, que beira a uma
espécie de metafisica religiosa. Me parece que isto basta para que esse
contingente da população, que nunca teve contato com a política nem como
militante nem como observadora atenta nem na forma de teoria, em sua prática
social dispersa, ou que jamais teve possibilidade de uma reflexão crítica autônoma
do real, é implicada e enredada numa forma de pensar e expressar jargões que
não requer grandes articulações ou mobilizações sociais, a mente foi colonizada
por esse vírus fascistoide.
O
cretino social se apropria desse discurso e passa a vociferar, agregando a ele
uma série de insatisfações como o crime, o estupro, a pobreza, a indolência, o
merecimento capitalista, a rentabilidade do trabalho, o darwinismo social, a
defesa da empresa, a destruição do estado-nacional, a apoteose segregacionista,
a vigilância pequeno-burguesa em torno de comportamentos morais, contra a
orientação sexual, etc. Atente para o fato interessante que todo o ódio se
volta contra o poder central, há uma fuga da realidade, na qual o problema
político se reduz a um governo e a uma condição universal, há o esquecimento
das demais instâncias do estado-nacional, isto é, governos estaduais e
municipais, e é nesta instância última que a grande articulação política do
capital penetra de forma mais sub-reptícia na exploração das condições de
produção. Assim, o germe desse ódio foi plantado e germina com muita facilidade
e nós ficamos a apagar incêndios aqui e ali e parece não atinarmos para essa
construção ideológica.