segunda-feira, 18 de maio de 2015

A corrupção e o mercado

Por Atanásio Mykonios



Pode parecer uma defesa à corrupção, mas quero aqui apenas elaborar uma constatação a partir da própria lógica do que é o capitalismo.

A corrupção é inerente ao capitalismo. De certa forma, ela indica que alguém ganha a concorrência sem passar pelas regras "normais", do mercado, estabelecidas pelo ordenamento jurídico. A corrupção leva a uma vantagem econômica no que tange às condições dadas pela relação de mercado, a saber, oferta versus procura.

A regra dos produtores privados é conquistar o mercado, devem fazê-lo sob pena de serem esmagados. Cada produtor privado age como se estivesse num ringue a lutar com todos os seus concorrentes. Para parte dos defensores do liberalismo, o que importa com a livre iniciativa é que mais concorrentes surjam a fim de garantir melhores condições e qualidade aos consumidores. Mas esses mesmos defensores se esquecem que não há uma concorrência sadia e jamais haverá, o que se estabelece é uma voraz competição em que aqueles que podem sair à frente da corrida conquistam fatias generosas do mercado em conforme a atividade fim da empresa.

Assim, todos os produtores no capitalismo devem seguir a regra na qual todos se colocam na arena da disputa pelo mercado e mesmo que isso pareça salutar aos liberais, a luta é absolutamente feroz, afinal são concorrentes. Mas devem seguir as regras das condições gerais de produção.

Quando uma empresa corrompe algum setor do serviço estatal, no fundo ela está seguindo a regra do produtor privado, do ponto de vista dos produtores individuais, ela atinge mais rapidamente, e sem concorrência, seus objetivos de mercado em detrimento de seus oponentes de mercado.

As relações entre o capital e o Estado serão sempre promíscuas, e todos os partidos que chegaram ao poder, da esquerda à direita, em todas as partes do mundo, praticaram ou foram alvo de chantagens relativas à corrupção.

Em se tratando de uma sociedade, como a brasileira, na qual as elites econômicas são perdulárias e patrimonialistas, em que o regime de tributação as favorece, em que aqueles que ganham até 3 salários mínimos contribuem com 53% da arrecadação de impostos; onde essas mesmas elites têm a prática de amealhar o possível e impossível de todas as fontes de recursos de capital, a corrupção não é mais uma questão de ordem moral, como se atingisse apenas esse ou aquele sujeito social com seu comportamento deplorável. Trata-se de uma questão de fundo sobre a realidade econômica. Não é uma questão moral e sim da ordem do cálculo econômico – a ética do cálculo econômico em primeiro lugar.

E isso nos leva ao velho jargão norte-americano que diz que “todo homem tem seu preço”, essa afirmação é de uma força real absurda. De fato, na sociedade do dinheiro em forma de capital, que exige mais dinheiro de si mesmo, a tendência geral é uma corrida para o mais dinheiro, o mais capital, o mais do mais. Dessa forma, todo homem é calculado pelo valor econômico, até porque a força de trabalho é vendida em seu valor médio socialmente estabelecido pelos capitalistas.

Assim, por mais que possa parecer uma prática abominável, não passa de uma ação que consolida o capitalismo. Em outras palavras, a corrupção no Brasil revela, sobremaneira, a vitalidade do capitalismo nacional. Há dinheiro para muita gente. Isso também mostra que a riqueza produzida pelos trabalhadores é excepcional em termos de dimensão material e de acúmulo. Talvez seja o país onde os trabalhadores mais produzem em termos proporcionais relativos à exploração geral.

Por outro lado, o desejo de uma igualdade de condições na relação com o Estado-nacional parece justa. Tem um sentido relativo à ética kantiana, de fazer a coisa certa a partir de um referencial metafisico acerca da consciência do fazer certo. É esse referencial que norteia, em parte, determinados setores da sociedade, demonstra uma contradição em termos.

Há, por assim dizer, uma noção social histórica de que o Estado-nacional é uma entidade que deve garantir a igualdade a todos, que deve servir a todos com determinadas ações relativas a produtos oferecidos e que garantem o acesso de todos. O Estado-nacional deve ser, para muitos, como uma virgem imaculada, que recebe os impostos e os distribui na forma de seus serviços em condições isonômicas. Para as esquerdas, o Estado-nacional é quem deve garantir a igualdade, promovendo a igualdade para os menos favorecidos da sociedade.

Justamente as camadas de trabalhadores especializados (as ditas classes médias) e uma parte dos capitalistas vociferam contra a corrupção. Mas por que isto é uma contradição? Exatamente porque são essas camadas e os próprios capitalistas aqueles que mais se locupletam com a corrupção. Via de regra, são quem realmente praticam a revolução. É preciso entender que para alçar à condição de um corruptor, é necessário possuir capital e força de persuasão, capacidade de barganha. É evidente que os trabalhadores, em geral e em especial aqueles que mantêm o Estado-nacional por meio de sua contribuição compulsória, não têm condições concretas de promover a corrupção. Dito de outra forma, é preciso capital e vontade de potência para executar uma estratégia de amealhar diretamente o que poderia ser conquistado por meio de concorrência mercadológica.

Interessante é notar que os capitalistas em geral não se revoltam contra os próprios concorrentes que lhes passam a perna no gesto sorrateiro de corrupção. Há sempre que possível alguma ou muita solidariedade até mesmo entre os capitalistas, criando uma cumplicidade implícita.

As empresas que praticam a corrupção adquirem a capacidade de controlar politicamente o Estado-nacional ou parte dele. Há um aparelhamento político que atinge diretamente a execução de projetos e ações de setores do Estado-nacional. Portanto, deve-se reconhecer que o Estado-nacional tem um caráter atual de atuação capitalista direta.  Em municípios a situação é ainda mais drástica, porque as empresas não controlam tão-somente setores da administração, controlam o próprio município, controlam o mapeamento social e político, impingem às cidades a política de desenvolvimento, interferem diretamente no planejamento estrutural da cidade.

Além disso, de certa forma, a terceirização não deixa de ser uma espécie de corrupção em se tratando de concessão de serviços estatais.

Nem mesmo no socialismo real houve isenção por parte do Estado-nacional. Por todos os poros do Estado monopolista, o que se via era a sangria, mas neste caso, uma sangria provocada por uma elite política e burocrática que mantinha com mão de ferro o controle da atividade econômica como um todo. A corrupção neste caso se confundia com uma espécie de plutocracia burocrática.

De qualquer forma, a corrupção é uma atividade que, por excelência, garante os ganhos substanciais das empresas e corporações. Somente em uma nova sociabilidade em que poderemos prescindir do Estado-nacional é que a corrupção poderá deixar de existir como prática formal, uma ética escondida que mantém parte dos negócios em segurança.

Penso que é preciso desmitificar a tal pureza que se espera do Estado-nacional. Haverá corrupção e a causa é a prática beligerante que o capital a todos impõe. Enquanto não nos livrarmos desse modo de produzir, que gera a necessidade incontrolável de acúmulo e a conquista mais rápida e eficiente do mercado.