Por Atanásio Mykonios
Cresci num período da história em
que era importante se colocar contra o sistema. Era importante marcar
posicionamento contra as ditaduras, contra toda as formas de controle social.
Era muito importante cada um tomar partido, mas, sobretudo, era importante o caráter
de rebeldia contra o mundo estabelecido a partir do fim da Segunda Guerra
Mundial. O comportamento evidenciava de que lado estávamos, as roupas, os
maneirismos, toda forma de discurso portava a nossa rebeldia. A rebeldia contra
os pais, os governos, os regimes totalitários. A rebeldia contra uma sociedade
capitalista e a rebeldia contra os colonialismos mundo afora.
Talvez, por isso, criamos aquela imagem
essencialista de que os jovens sempre estariam à margem esquerda da sociedade. Era
de esperar que as multidões jovens estivessem alertas para toda forma de luta,
na luta para superar os conservadorismos, para apontar as mazelas da caretice
moral, dos continuísmos políticos e das artimanhas dos subornos, das
falcatruas.
Delirávamos com os grandes
compositores que, aparentemente, nos representavam. As canções de protesto, os
poetas engajados, o cinema de contestação, a ludicidade das obras, o teatro
engajado. Um mundo que parecia, aos nossos olhos, possível, estava ali, ao nosso
alcance. Tudo dependia dessa força inebriante que nos tomava de assalto,
prendia a respiração, mas, de algum modo, parecia que tínhamos a história em
nossas mãos. Não sabíamos do futuro, mas sabíamos que ele seria melhor.
Construiríamos uma sociedade mais humana,
mais solidária, menos iníqua. Tudo parecia possível, estava tudo ali para ser
criado, não era só um sonho, cabia a nós transformar o que as gerações anteriores
tinham nos deixado. Um mundo de guerras, devastação social, alijamento, exclusões
etc.
Tudo em nós tinha o ar de renovação
pela revolução. A revolução dos costumes, da política, do modo de produção. O novo
se avizinhava. A ousadia nos acompanhava. Queríamos impressionar e deixar a
marca na história.
Segui com essa história no meu
lombo, e memória de momentos cruciais, a luta nas ruas, as reuniões, as
ameaças, tantos amigos também ameaçados. Segui em frente, tracei meus caminhos,
ao arrepio do que muitos esperavam de mim. Assim como tantos, também exigi de
mim, mais do que eu poderia dar ao mundo.
Não parecia tão óbvio ser diferente
disso tudo. Era inconcebível que um jovem não tivesse em suas entranhas a
vontade de transformar o mundo, o desejo da rebeldia e da provocação. Mas qual
o quê! Era apenas um desejo irreal. O movimento da sociedade nos trouxe até o
presente atual, o presente vivo e ativo.
A sedução dos jovens, hoje, se dá
pelo lado inverso. A sedução por uma sociedade que parece desejar a liberdade
para empreender, com a vontade de realizar o capitalismo como expressão da
vontade dos indivíduos lançados à sua própria sorte.
Talvez a minha geração não se deu
conta de que as transformações sociais não tinham como perspectiva aquele mundo
que ansiamos. Ao contrário, as forças sociais foram encurraladas e o mundo
havia se tornado um imenso campo da produção e de consumo das mercadorias. Assim
como um espectro, a fantasmagoria de um mundo que emerge com toda a força, o
ódio ao humanismo, o escárnio à solidariedade, o desprezo aos intelectuais e à
arte.
Os jovens são seduzidos para
enriquecerem. Não ensinados para darem o que têm de melhor para si mesmos. Eu cresci
num ambiente em que o propósito de cada um era reconhecer o que havia de melhor
em si mesmo e oferece-lo ao mundo em primeiro lugar. Essa inversão faz toda a
diferença na história. Agora, os jovens são determinados para realizarem a si
mesmos num mundo que lhes oferece a luta, como se todos são inimigos SA.
Por isso, a política continua a
seduzir os jovens. Os jovens fazem política, em favor de si mesmos e para si
mesmos. A liberdade é o fim da política atual. Liberdade para que as pessoas
encontrem a realização pessoal num mundo que lhes favorece a iniciativa e o
empreendimento. Nada mais que isso! Por isso, os jovens têm votado em jovens
com as mesmas características.
Jamais pensei que os jovens
aderissem ao conservadorismo, ao patrulhamento moral, à religião como fuga da
realidade, aliados ao que há de mais perverso no contexto devastador desse
mundo em frangalhos. Há um longo caminho a ser percorrido por todos nós. Será muito
difícil convencer os jovens de que um mundo de liberdade é possível, não como
fim, mas como processo histórico para a construção da solidariedade.