Atanásio Mykonios
A brutalidade da forma social não está apenas na violência de corpos que lutam contra outros corpos. O mundo brutal recolhe para si a nefasta condição de abandono das vidas. Por mais que a consciência lute para manter, para si mesma um lugar confortável onde as pessoas estejam a salvo, a realidade encruada nos mostra que nada mais parece ser possível em impedir a barbárie das coisas e da sociedade. A barbárie atinge níveis compatíveis com uma espécie de natureza indiferente à tragédia. A vida econômica prevalece sobre qualquer anormalidade insidiosa, sobre a loucura, a preguiça, o sono, e mesmo o nada são condenados absolutamente por todos.
Há como que, um exército camuflado, que permanece à espreita e pune severamente o que tenta se desprender dessa brutalidade abstrata e real. Mas há ainda, para facilitar a brutalidade ideológica um torpor de consciência que nos torna ainda mais cúmplices dessa sociedade arruinada. Nenhuma palavra será capaz de sensibilizar a marcha fúnebre dessa sociedade sôfrega e embevecida pela apoteose da mercadoria.
Não consideremos apenas um invólucro do presente em que a história é incinerada pelo ordenamento do comprar e vender, pela borracha que apaga as mãos que criam o mundo em favor de papeis, comódites, ações, dívidas e estados absurdamente brutais com seus cidadãos. Consideremos a frenética e exaustiva repressão das ordens sociais, dos campos de concentração que se espalham pelo mundo com seus refugiados, suas hordas de desempregados, seus velhos abandonados e suas crianças famintas.
A brutalidade da mercadoria faz regredir o homem a uma condição de petição absoluta.
É preciso insistir, reconhecer o fim de um período, marcado pelo capitalismo, em que, sobretudo, vinga, cada vez mais, a estupidez, a barbárie, a indiferença, elementos que nos conduzem, há muito, ao precipício social. Somente quando reconhecermos, pela via do compromisso dialético que o processo chegou à sua exaustão, é que poderemos encontrar em nós, sociedade humana, alguma possibilidade de garantirmos a sobriedade diante da vertigem abissal de uma sociedade sem evidências concretas de sua própria realização como espécie humana.