sexta-feira, 13 de março de 2015

Nação infantilizada. Nação Embrutecida. Civilização Escravagista

Por Atanásio Mykonios

Nestas ocasiões de mobilizações e de tempos alvoroçados em que vivemos no Brasil, é possível notar que ainda estamos longe de alcançarmos uma autonomia social que nos propicie, ao menos e sem muito sonho, cumprir com aquele projeto civilizador e modernizador que o capitalismo nos impusera há tempos.

Há um clamor, que beira à histeria, por uma espécie de intervenção militar, forjada na fênix brasileira que ressurge sempre que as camadas médias não sabem pegar em armas nem querem fazê-lo, mas exigem que seus privilégios de capatazes da Senzala sejam respeitados.

Por outro lado, essas mesmas camadas, absolutamente cegas pelo ódio, pregam a livre iniciativa, a plena liberdade de ir e vir, creem no capitalismo absoluto sem qualquer intervenção do Estado-nacional, promulgam um Banco Central independente, são a favor da privatização como o caminho mais adequado para a economia, são visceralmente contra qualquer forma de corrupção, querem melhores salários, melhores escolas privadas para seus filhos, melhores condições de moradia e segurança, um mundo que lhes é parcimoniosamente favorável.

No entanto, clamam aos céus para que os militares intervenham no cenário político para destituir o governo. Pois bem. Tem-se a impressão de duas coisas, a meu ver.

Primeira, parece que voltamos ao colo da mãe, em que essas hordas se sentem desamparadas para poderem viver livremente as suas relações sociais, marcadas por crenças herdadas da escravidão, do autoritarismo, do racismo e da moralidade religiosa. Isto é, a liberdade de mercado que tanto almejam só é possível com a intervenção militar.

Em segundo, tratam os militares como se fossem uma instituição fora do conjunto de instituições do Estado-nacional. É como se fossem os guardiões de uma parte dos interesses e não dos interesses em geral desse Estado-nacional. Consideram as forças armadas uma entidade supra-histórica com valores acima do bem e do mal.

Essas camadas estão reivindicando o que parece estar na raiz de sua formação, não aceitam de forma alguma outra perspectiva que não a de revogar o próprio jogo que participaram e de fato, os calabouços da ditadura foram novamente abertos e seus fantasmas irromperam livres e parece encarnarem nessas camadas médias e as elites.

Convenhamos, nem o racismo, nem a segregação, nem o ódio, nem o cinismo, nem os privilégios foram eliminados da consciência social dessas camadas médias. Está aí de volta, sempre com uma espécie de novo frescor, que associa uma série de elementos da nossa civilização, como a violência, o extermínio, o autoritarismo, a perseguição, o intervencionismo.

O que essa gente deseja é que haja liberdade apenas para ela mesma, garantida pela força das armas, se possível. Com os devidos sortilégios jurídicos que afastem os pobres das suas ruas e de seus passeios matinais.

A civilização capitalista tem dessas coisas mesmo! Não consegue eliminar, de forma alguma, as diferenças, por mais que a outra parte da sociedade insista em que determinados direitos sejam conquistados e que se tornem parte da civilização brasileira e do capitalismo. A igualdade que almejamos não é possível sob um sistema segregacionista por natureza.

E some-se a isto o fato histórico de que determinados privilégios não são de classe, mas de castas, como se as castas tivessem o direito natural e inalienável de exercerem seus privilégios, esquecendo-se de que se trata de um processo de exploração a partir do modo de produção.

Creio que essa histeria revela a infantilização de nossa civilização, que exige direitos, mas não consegue exercê-los se não tiver o apoio da força como autoridade patriarcal e castradora. Não nos esqueçamos de que, em grande medida, a noção de força e segurança são intimamente ligadas à doutrina do inimigo que muito bem é disseminada nas forças armadas e nas forças policiais.


A nossa modernização ainda não veio e diante do colapso geral da modernização, como Robert Kurz apresenta, seremos uma daquelas sociedades em que colapsaremos sem ter tido a oportunidade de experimentar algumas das liberdades que as grandes economias já viveram e que também estão em decadência.