quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

A ironia do trágico


Por Atanásio Mykonios
 
 
Parece estranho, parece irônico, talvez soe trágico ou simplesmente um paradoxo. O governo é uma ironia histórica. Nos manuscritos que Marx escreveu exaustivamente, entre os anos de 1857 a 1858, intitulados Grundrisse, uma obra absolutamente essencial para a compreensão do movimento do pensamento de Marx, ali, ele tem umas sacadas impressionantes. Numa delas, ele afirma que para destruir o capital, seria necessário fazer ruir o Estado e as classes sociais. Isto não é um dado qualquer, revela a profundidade da tarefa histórica que os trabalhadores têm pela frente. Para quem conhece minimamente o pensamento marxista, consegue também compreender, a partir da obra A agrada família, que a constituição histórica do capital, introduziu a figura do direito, porque é o Estado o mecanismo institucional do processo do direito.

Ocorre que no processo histórico, das determinações e as formas social que o capital foi assumindo, o Estado se tornou o apanágio das lutas sociais, e os movimentos sociais – sendo o primeiro e fundamental desses movimentos, o dos trabalhadores contra o capital – ao serem absorvidos pela forma-Estado, perderam a sua real autonomia.

A ironia, a estranheza ou a tragicidade atuais revelam que justamente a direita e os liberais colocam a forma-Estado sob questão, no limite das condições em que o capital, em seu atual estágio, encontra-se. E os movimentos de trabalhadores, no seu conjunto, tragados pela estrutura estatal, apegam-se as formalidades estatais, porque o direito concedido pelo Estado aos trabalhadores, nada mais foi do que a concessão do controle por parte dos mecanismos de exploração do capital.
 
Desesperados, agarramo-nos ao Estado, como forma de garantia dos direitos que, ao final e ao cabo, representam a perda da nossa própria autonomia. Nisso, reside uma aporia, a sociedade produtora de mercadorias se tornou, no seu processo dialético, a tautologia social, impregnada da forma-social-estatal.

Mas a crise estrutural – mesmo que há aqueles que, no campo marxista, defendam que a crise é cíclica e que o capital retomará a sua pujança – leva ainda mais a fundo a política como forma de ação de libertação dos movimentos sociais e dos trabalhadores. A crise atual levou de roldão os partidos e os sindicatos. Mesmo com mais de 30 partidos e aproximadamente 15 mil sindicatos de trabalhadores, nenhuma dessas “instituições” é capaz de responder criticamente ao que que está acontecendo.

Estamos como baratas tontas, rodando como enceradeiras, sem sair do lugar, o horizonte de nossas ações é muito parco, porque, efetivamente, fomos tragados por um processo de crise do capital, um redemoinho sem precedentes. As forças da esquerda não conseguem lidar com esse pesadelo. Por outro lado, a superexploração avança a passos largos, o que estamos vivendo é o processo de que o capital necessita para tentar, de modo pífio, recompor-se.

A produção de valor chega a seu “limite absoluto”, como Robert Kurz afirmou em seu livro Dinheiro sem valor. As ditaduras não precisam parecer como as ditaduras de antigamente. Agora, a estrutura social é ditatorial, as esferas sociais militarizadas, o controle integrado por meio dos mecanismos informacionais, o capital fictício é uma insanidade. O volume negociado nos derivativos chega a 640 trilhões de dólares.
 
Estamos ruindo sem saber o que está acontecendo. Qualquer solução por dentro do sistema, nada mais é que a tentativa de respiro diante de um colapso iminente.
Temos uma longa tarefa pela frente!