Por Atanásio Mykonios
Não
é fácil tomar uma decisão política, como membro de um grupo de discussão teórica
e prática, mesmo em caráter individual; não é fácil tomar uma decisão política
como eleitor atento; não é fácil tomar uma decisão política, como professor,
pesquisador, etc.; não é fácil tomar uma decisão política tendo sido um membro
do PT e há muito fora do partido; não é fácil tomar uma decisão política como
um sindicalista que ainda sou, mesmo licenciado de minha atividade profissional
para continuar meus estudos; não é fácil tomar uma decisão em meio a um
turbilhão de antagonismos que nos tragam para o interior de propostas de
economia política sem perspectivas reais de libertação e emancipação; não é
fácil tomar uma decisão quando está em jogo a volta de forças retrogradas, reacionárias
e fascistas, diante de um partido de trabalhadores que também cometera tantos
erros e tantos impropérios com as causas históricas da própria história.
Estamos, mais uma vez, num impasse histórico no que tange ao poder de
administrar e conduzir o Estado-nacional-brasileiro.
Mesmo
tendo seguido a minha linha de pensamentos nas últimas eleições, com o voto
nulo – o não-voto – me vejo num dilema ético dos mais terríveis e devo
confessar que não se trata de um passeio à beira mar com a mulher dos meus
sonhos. Minhas convicções políticas estão colocadas à prova diante de uma
questão crucial. Discutir os caminhos do processo econômico e político, quando
estamos mergulhados numa polaridade, cujos debatedores se tornam vorazes em
suas defesas, implica jogar no lixo, literalmente, a capacidade de analisarmos
criticamente o contexto atual, afinal, nenhuma das propostas, efetivamente,
pode me representar, mas nem por isto a análise crítica implica um
distanciamento da realidade política, como muitos tentam apontar a suposta
inação de quem está no campo da pesquisa. De fato, este campo tem sido pouco
ouvido pelas forças políticas, mas nem por isso devemos nos isentar desse
compromisso político-histórico.
No
meu entendimento, um pensador não pode se furtar a abrir dialeticamente sua
leitura dos fatos nem deixar que a realidade seja um joguete de emoções
baratas, também deve conduzir seu processo de decisão num conflito contínuo de
confronto político. Afinal, Marx disse “toda a ciência seria supérflua, se a
forma de aparecimento e a essência das coisas coincidissem imediatamente”. Seria
grande estultice simplesmente nos contentarmos com os fatos e deles abstraíssemos
sua essências com suas aparências, pois é isto que a sociedade espetacular
insiste em fazer da teoria um mero espetáculo de superfícies supérfluas e sem caráter
prático.
A
política não diz respeito apenas a ideias e argumentos, sobretudo, trata de uma
luta e de conflitos de interesses entre grupos e não simplesmente entre
sujeitos singulares, como se estes fossem portadores do ato político ou da
estrondosa desmoralização que marca a política institucional. Esses grupos
lutam encarniçadamente para impor seu modo de poder sobre o modo de produção e
é no confronto que devemos compreender a política e não como os gregos, que
muitos nos fazem pensar como um paraíso de argumentações lógicas em que os
oponentes seriam facilmente convencidos, bastando uma construção racional e
lógica. Os interesses de grupos não são facilmente demovidos com argumentos lógicos.
Estamos no campo do poder e da dominação, da luta pela tomada do poder para
conduzir os meandros da econômica política.
Por
outro lado, nem todos os interesses são frontalmente confrontados, pois as
forças hegemônicas esmagam, constantemente, outras formas de entendimento e de
luta em favor de uma sociedade livre do capitalismo. No interior do campo das
esquerdas, faço parte de um grupo que radicaliza a crítica ao capitalismo com a
perspectiva de sua destruição, não por meio do antagonismo entre trabalho e
capital, como se a tomada do capital pelos trabalhadores fosse capaz de trazer
a tão sonhada liberdade e justiça social. Esse campo de ação e pensamento sequer
foi colocado à mesa dos contendores políticos. Não é o Estado-nacional quem
deterá o capitalismo.
Não
sei se posso considerar uma derrota política. A teoria e a prática desse modelo
de pensamento ainda não atingiram os partidos, os sindicatos, e em poucos
casos, chegou a membros de alguns movimentos sociais. Ainda lidamos com
discussões em vários âmbitos, no entanto, a crítica radical ao capitalismo
parece estar longe dos espectros políticos institucionalizados. Os partidos de
esquerda abordaram de forma tradicional a questão da luta entre Estado-nacional
e capitalismo, como se o Estado-nacional fosse um aparato suprahistórico, autônomo,
que serviria como um grande bem-feitor em favor dos pobres.
Este
pleito nacional está longe de indicar um processo de emancipação humana, ao
contrário, estamos às turras com modelos de gerenciamento do Estado-nacional
que são extremamente condicionados pelo capital em geral, pela exploração do
trabalho e levados a cabo pela tecnocracia, que assume o controle do aparato
estatal já em franca colisão com sua própria contradição que, em última
instância, é a contradição do capitalismo – valor de uso e valor.
Não
pensem os amigos que não estou tomado de uma angústia histórica, pois estamos diante
de uma escolha que foi levada ao máximo do antagonismo. Não posso deixar também
de considerar o processo de infantilização do eleitorado brasileiro que não
consegue sair de sua menor idade e caminhar com suas próprias pernas.
Estamos
em uma arapuca política. Se um projeto de superação do capital não está na
pauta geral das esquerdas, mas uma pseudossuperação, que escamoteia a
reprodução do modo de produção capitalista em outros moldes, então tenho de
pensar se devo de fato votar ou não em Dilma-PT-coligações-alianças.
Afinal,
eu sei por que não devo votar em Aécio Neves para a presidência da República. Isto
está mais do que evidente desde priscas eras. A pergunta que me toma de assalto
neste momento é: Por que devo votar em Dilma? E me ocorrem três respostas
possíveis e plausíveis. Sei que há outras, mas neste momento são as que me
ocorrem com mais nitidez.
1
- Porque se não votar nela estarei abandonando os milhões de pobres que
ascenderam materialmente na escala social do processo civilizador do capitalismo,
por meio de políticas público-sociais?
2
- Ou porque devo impedir que as forças da obscuridade avancem sobre o poder do
Estado-nacional-brasileiro, com seus conspiradores, seus pastores fascistas,
seus investidores-abutres, seus homofóbicos, etc.?
3
– Ou as duas anteriores?
Em
outras palavras, qual é a razão crucial para votar em Dilma? Posso me contentar
em conjugar as duas respostas, o que seria de bom tamanho, no caso, dadas as
condições em que está posta a questão. Se colocar numa balança, o que pesa mais
a favor de sua eleição, deixar de lado as mazelas e as cagadas do PT ou a ação
para fazer emergir milhões que estavam na pobreza material? Pesa mais isto do
que a sombra que irá encobrir o Brasil com a obscuridade e deter um regime que
irá beirar ao estertor da crise e culminará com ações repressivas que serão
desferidas de muitos lados contra o povo, contra os trabalhadores em geral?
Ora
bem, a decisão não é fácil como disse no começo desta reflexão. Talvez em meu
íntimo tenha sido tomada, mas ainda terei um caminho a percorrer com meus
companheiros de luta e reflexão a fim de amadurecer esse conflito histórico.