domingo, 15 de dezembro de 2019

A laicidade e a ilusão iluminista


Por Atanásio Mykonios

          Engana-se todo aquele que acredita sinceramente que a religião deve estar apartada do Estado, dos negócios do Estado ou da política em geral. Ainda bradamos o lema de que “o estado é laico”. Mas afinal, do que se nutre a religião, qual é o seu propósito perante seus fies? Para que serve a religião diante dos seres humanos vivos? A religião fala para os vivos, mesmo evocando a memória dos mortos. As religiões dizem aos vivos como têm de viver para merecerem seu destino após a morte. E como as religiões o fazem? Elas nos dizem como devemos viver, nos casar, como fazer sexo, dividir os nossos bens, o que comer, o que vestir, com quem falar etc. Nisso, as religiões levam uma vantagem fantástica em relação a outras formas de saber. Isso não se faz sem se imiscuir na vida concreta dos fiéis, não pode ser feito sem que as religiões se metam na vida social em geral. Por isso elas se metem na política e no Estado e continuarão a fazê-lo. A nossa herança iluminista foi e, no meu entendimento, continua uma abissal ilusão que reputa à política e ao Estado uma racionalidade que não se dá nem nunca ocorreu. Por isso, as religiões anseiam tomar o Estado para si. O Estado só é laico para nós, que ainda vivemos a honra iluminista e a suposta racionalidade da política, que talvez ainda esteja no rastro aristotélico. Para as religiões, o iluminismo não passa de mais um equívoco materialista. Isso é um imbróglio do qual o Estado moderno não consegue se desvencilhar nem nós, independente de sermos ou não ateus.

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

O fetiche do fetiche

           Por Atanásio Mykonios



               O fetiche da sociedade da mercadoria é também o fetiche do trabalho e do consumo. Ambos estão conectados, mas de forma absolutamente perversa. A lei da oferta e da procura é apenas o aspecto fenomenológico das relações econômicas no capital. Vele o capital, acima de tudo e acima de todos e não o interesse de consumidores. Se consumidores, que na verdade, devem antes de mais nada, adquirirem as mercadorias para consumi-las, têm ou não direito à comida, à água, ao abrigo, à vestimenta, isto é de somenos importância para o capital. Todas as semânticas que envolvem o princípio básico dessa realidade, servem para escamotear o mundo concreto que o capital impõe sobre as sociedades do mundo inteiro. A lógica da produção capitalista não é a lógica das necessidades sociais nem mesmo as das individuais. Enganam-se aqueles que pensam que o mundo está à sua disposição só porque o dinheiro que têm no bolso lhes basta para satisfazer necessidades espetaculares. Morrer de fome não é uma opção existencial muito menos um luxo de quem não quer trabalhar. O fetiche do trabalho é o mito salvacionista de uma sociedade que crê na ordem do trabalho como merecimento. Mas não entrega o que promete. Carne, ovos, frango ou celulares, tanto faz. Não existe a mão invisível do mercado, existe sim o fantasma da lei do valor sobre valor que impulsiona as formas sociais em sua derradeira condição histórica.