Por
Atanásio Mykonios
Não valeria de nada ter escrito este pequeno artigo antes ou durante a Copa do Mundo, seria um tiro no escuro dadas as condições de ilusão em que ainda nos encontramos.
Houve
um período na história do futebol brasileiro em que ocorreu um fenômeno incidental.
Um círculo virtuoso que durou pouco tempo. Mesmo tendo se tornado um esporte de
massas, o desempenho internacional do futebol do Brasil era mediano até 1958. A
Copa do Mundo de 1958 revelou para o mundo uma geração absolutamente genial e
que me parece foi um incidente histórico na trajetória até então sem muito
brilho. Essa geração ganhou três copas num intervalo de 12 anos, jamais antes
nem depois nenhuma seleção havia conquistado tal feito. Isso mostra que nesses
12 anos o futebol brasileiro se tornou um fenômeno sem precedentes. Aquela geração
terminou um pouco depois da Copa de 1970, e a partir daí o futebol canarinho
teve de amargar 24 anos até a próxima conquista e mais 8 para a segunda. Após essa
fase de ouro, parece que o nosso futebol voltava às antigas formas de sofreguidão
que persistem até hoje.
Mas
o que havia de tão especial naquela geração? Antes de tudo, é preciso
reconhecer que criamos uma ilusão de ótica ao ver aquele oásis de genialidade,
talento, originalidade e inteligência. Fomos convencidos de que o futebol
brasileiro era, por essência e por natureza, o melhor do mundo, o mais
impressionante, marcado pelos dribles desconcertantes e pela capacidade de
vencer qualquer adversário. O que havia, no entanto, de especial, além da genialidade
era a inteligência. Naqueles 12 anos, o jogo era ganho dentro das quatro
linhas, os jogadores pensavam o jogo, eles tinham nas mãos o controle
estratégico, a tática, percebiam as lacunas, tinham visão de profundidade, não
necessitavam de truculência nem de grande condicionamento físico. Eram inteligentes!
E alguns eram excepcionais de modo que sua imensa visão de jogo possibilitava
que o jogo fosse uma construção, um processo.
Outro
aspecto é o fato de que os treinadores não tinham o esplendor que hoje se vê. Ao
contrário, o jogo era articulado antes e durante o seu processo. O treinador do
Santos F. C., por exemplo, passou anos a treinar uma equipe que jogava como
quem propiciava uma sinfonia ao ar livre e em movimento e ele mesmo em muitas
ocasiões passara despercebido quanto à sua relevância para o time como um todo.
No
entanto, após a Copa e 1970, o futebol brasileiro, gradativamente voltava ao
seu veio natural, isto é, uma geração parece que chegava ao fim, voltávamos àquela
trajetória mediana, com a diferença de que os treinadores passaram a ascender
enquanto a inteligência no campo começou a declinar até que chegara a Copa de
1982. Parecia mais um hiato na longa e arrastada jornada mediana do futebol nacional.
Era uma geração, a de 1982, que havia sido formada pela genialidade da geração
passada, mas ali já não se encontrava o grande gênio da raça espalhado por
inúmeros craques e gênios da bola. É bem verdade que tentamos com um treinador
bola-pra-frente e um grupo de jogadores que havia sido formado sob o tacão da
ditadura militar. Mas mesmo assim, essa geração rapidamente perdera seu brilho.
Em
seguida mergulhamos novamente em nossa barca do inferno e amargamos mais de uma
década de problemas estruturais e uma sofrível seleção aqui e acolá sendo
formada sem muito esmero. Os treinadores, aos poucos, tornavam-se gestores,
criando um modelo burocrático de administração do futebol, o que gerou o medo
pela experimentação, pelo novo e pela originalidade. Daí em diante, o que nos
restava era a imensa burocratização social, como a sociabilidade natural, ou
seja, o capitalismo já estava totalmente impregnado e os jogadores seriam,
então, um grande e complexo aparato de exploração da mais valia.
Na
verdade, passaram-se 24 anos desde a terceira conquista da Copa do Mundo de
1970. Ou seja, somente em 1994, sob a égide de uma final marcada pelos pênaltis,
o Brasil se sagrou campeão. Acrescente-se, ganhar uma Copa do Mundo nos lances
finais com aquela dose de antifutebol que só os pênaltis podem oferecer e destruí-lo.
Quem
comandava aquele bloco dos desvalidos?
Sabemos
que há muito o futebol brasileiro não passa de uma usina de mão-de-obra para os
grandes centros. O empreendimento brasileiro do futebol é um negócio altamente
rentável, a reprodução de valor nesse espectro é absurda e todo controle está
nas mãos de uma oligarquia imensamente poderosa. Especialmente no Brasil, que
ganha uma imensidão de recursos e parece ser intocável, assim como o
judiciário, a polícia, os meios de comunicação, etc. A burocracia empresarial
penetrou os campos a partir de 1974 e a partir daí o que se observa é o fim da inteligência,
arrancando do cérebro e dos pés dos trabalhadores-jogadores o poder de fascinar
o mundo e transferindo esse poder para o cérebro administrativo e lucrativo dos
empresários e dos treinadores engessados pela estrutura da produtividade.
À
medida que a burocracia passa a gerir o desempenho do futebol com o escopo de fazer
gerar e circular valor em forma de gestão, os treinadores se tornam esses
gestores intermediários que irão formar gerações de imbecis, monitorados apenas
pelos cálculos econômicos e rentáveis. Esse cálculo não tem nada a ver com a
ilusão de que o povo nutre até hoje de que existe uma essência no futebol
brasileiro que foi conspurcada apenas pela incompetência dos dirigentes.
Ao
contrário, afirmo que não houve incompetência no gerenciamento do futebol muito
menos na realização da Copa do Mundo no Brasil, os gestores foram extremamente
competentes em publicizar um grupo de jogadores que são muito valorizados e que
continuarão a sê-lo fora das fronteiras dessa usina de trabalho e exploração.
Na
verdade, ocorre que o nível do nosso futebol, quando é para criar um conjunto,
é apenas mediano e conta sempre com o ufanismo esquizofrênico da torcida que se
apoia em fenômenos esporádicos. O nosso futebol é isso mesmo. Afinal eu vi Pelé
jogar e vi uma geração colocar nas nossas cabeças que podíamos mais do que a
realidade se apresentava. Mas como afirmei, não passou de um incidente
virtuoso.
A
burocracia tem a capacidade de destruir a originalidade e a inteligência. Portanto,
apenas uma geração foi virtuosa no futebol brasileiro e mundial, o que havia
antes e o depois é que são de fato a nossa realidade – temos um futebol mediano,
mas extremamente rentável.
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