Por Atanásio Mykonios
A vida real se tornou, como Adorno afirmara, em uma extensão
dos invólucros da tecnologia e da cultural.
O
mundo inteiro é forçado a passar pelo filtro da indústria cultural. A velha
experiência do espectador de cinema, que percebe a rua como um prolongamento do
filme que acabou de ver, porque este pretende ele próprio reproduzir rigorosamente
o mundo da percepção quotidiana, tornou-se a norma da produção. Quanto maior a
perfeição com que suas técnicas duplicam os objetos empíricos, mais fácil se
torna hoje obter a ilusão de que o mundo exterior é o prolongamento sem ruptura
do mundo que se descobre no filme. (ADORNO, HORKHEIMER, 1985, p. 104) (1)
O real é uma transgressão dos roteiros que circulam
pelas fontes de produção de conteúdo. As imagens e as notícias circulam em
velocidade instantânea e rapidamente são dissipadas, criando expectativas como
se as pessoas estivessem envolvidas numa trama sem fim, apenas o fluxo contínuo
das informações e seus impactos anestesiam a condição social dos indivíduos.
As previsões são lançadas no meio público, a dissonância
e os ruídos que provocam são espetaculares. Cada analista, a seu modo, tenta
articular os acontecimentos e dar-lhes algum sentido e consequência. Os vaticínios
se multiplicam, as previsões circulam em todas as mídias sociais, cada uma
pretende a excelência histórica. Mas cada vez, em grande medida, quase todas as
previsões came no oceano das impossibilidades e passividades.
The Intercept há mais de um mês tem revelado as
entranhas da chamada Operação Lava-Jato, sem que houvesse até o momento,
nenhuma reação de fato foi transformada em ações reais contra o grupo que
articulou a Operação Lava-Jato. Tudo se passa como se fosse parte de uma
novela, um folhetim que prende os espectadores e os mobiliza de forma difusa.
Enquanto isso, a sociedade continua perplexa. Analistas
políticos anunciam o caos institucional. Analistas econômicos, preveem a crise
que se avizinha, mas nunca é efetivada. Os analistas e teóricos sociais, contam
os dias para que a crise seja transformada em reações sociais e populares. Todos
anteveem dias muito difíceis para a sociedade em geral, em particular, o Brasil
estaria prestes a um colapso.
Jornalistas lançam as informações e tentam
caracterizá-las como manchetes bombásticas. A cada dia, novas denúncias, recheiam
o cardápio d= cenário nacional. As estruturas de poder foram tomadas por
quadrilhas, que durante os últimos anos atuaram, aparentemente, desarticuladas,
mas quando uma delas chegou ao poder, foi capaz de organicamente, articular as
quadrilhas para o exercício do poder, diante de um Estado cambaleante.
Os roteiros seguem uma lógica, a sociedade do
espetáculo reifica as estruturas da indústria cultural por meio do universo
virtual. Quanto às ações políticas, tudo parece convergir para o campo da tela,
que condiciona as formações cognitivas atuais. Prever o que vai acontecer é um
exercício de roleta russa, alguns franco atiradores atuam e ganham espaço no
mercado virtual, tornam-se celebridades sociais e midiáticas. Seus pronunciamentos
ganham seguidores até que, em seguida, são transformados em mais um dos youtubers. A partir daí tudo é tragado
para o redemoinho da sociedade do espetáculo.
As grandes emissoras de TV continuam a impor as
pautas, as massas ainda assistem à programação dessas emissoras. A audiência
destas ainda é alta, a opinião pública vive um processo anestesiante. A quem
dar credibilidade? Às mídias sociais ou às grandes emissoras de TV? Quem ainda
teria a hegemonia do poder de comunicação? As massas parecem estar à deriva, no
entanto, seguem silenciosas e sua audiência é, ainda, destinada em grande
parte, para as TVs. O jornalismo dessas empresas atua como sempre atuou, não houve
grandes alterações, tanto que os canais das mídias sociais, especialmente, os
canais abrigados pela plataforma YouTube.
As massas continuam silenciosas e, sobretudo, afeitas
à programação e à agenda das grandes emissoras. A política ganhou um novo
personagem, a extrema-direita entra em cena e não utiliza exatamente o complexo
televisivo montado há décadas no Brasil. Radicalmente, utiliza as redes
sociais, a exemplo de experiências bem-sucedidas recentemente em países que
viveram processos políticos de grande envergadura – Espanha, Grã-Bretanha, EUA
etc. A utilização das novas tecnologias teve êxito e o cenário político foi
transformado de modo radical, um exército de fiéis seguidores emergem por todos
os lados e ganham forma política, difusa, é bem verdade, mas potencialmente
destrutiva.
A prática política virtual é transformada em prática
real, não só chega ao poder efetivo, como passa a gerir, em grande parte, ações
e decisões do poder. Em outras palavras, o público-estatal se confundem com o
privado, as esferas estatal e privado se misturam absolutamente. O poder social
invade todas as instâncias, são invadidas as instituições e agora não há mais
sigilo, mesmo havendo no espírito do tempo atual, o segredo que articula as estratégias
macropolíticas e macroeconômicas.
Todos são enredados nesse processo. As expectativas são
dissolvidas nas formas processuais das comunicações em dois níveis – o mundo
virtual e a tradicional esfera dos meios de comunicações. Verdades e mentiras
circulam com o mesmo peso, mas isso ocorreu em todos os períodos ou nos
diversos blocos históricos em que os embates políticos estiveram à cena.
Uma anomalia social está presente, a economia segue
seu curso, o capital está em agonia, a luta pelo poder político tem como
pressuposto o poder econômico que foge ao controle dos trabalhadores, a luta
está imersa em tentativas espasmódicas de reação popular, mas as praças e
avenidas são preenchidas de multidões sem poder de influência. Corporações e os
vários nichos do sistema financeiro atuam como um cinturão em torno às forças
políticas, de todos os matizes, sem que os trabalhadores tenham poder real
sobre seu destino.
O concreto das relações de produção e exploração parece
ter sido invertido, mesmo assim, as ações políticas continuam à deriva e, por
outro lado, reféns de uma pauta alienada das condições concretas. The Intercept
lança mais um elemento no processo econômico-político da atualidade, esticando
a corda da crise até um ponto insustentável em todas as instâncias. Talvez seja
a estratégia por trás dessa desse procedimento.
Fica a questão que envolve vários elementos
convergentes e torna ainda mais complexo o problema nacional. Temos de
aprofundar as expectativas que, ao serem realizadas, não passam de imobilidade
política.
Referência utilizada
(1) ADORNO, Theodor. W.
HORKHEIMER, Max. A indústria cultural. In Dialética
do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Tradução Guido Antonio de
Almeida. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.