Por Atanásio Mykonios
Temos de mergulhar em três elementos a serem
considerados, de início.
Primeiro: O que
é a cidade, qual é a sua função e qual é fundamentalmente a sua condição para o
sistema de produção de mercadorias.
É importante reconhecer que a cidade
como uma grande concentração urbana é um elemento da produção industrial. A
cidade se organiza para organizar a indústria. A vida na cidade é uma
existência industrial, e por quê? Porque todas as ações e toda a rotina dos
cidadãos são marcadas pelo tempo e pelo compasso da produção industrial.
A vida na cidade deixa de existir,
passa a existir um mecanismo de reprodução das condições do tempo e do compasso
da fabricação. O que existem são espaços fabricados. Os corpos fabricam
espaços, fabricam coisas na cidade. Por isso, o ir e vir na cidade tem como
primeiro princípio o de garantir a fabricação de coisas.
O primeiro direito não é existir na
cidade, mas é fazer a cidade produzir. E continuamos a produzir coisas na
cidade. Por mais que queiramos, a cidade é um lugar que não nos privilegia. O
direito primeiro na cidade é mantê-la funcionando, produzindo, fabricando.
Nós temos de seguir por esses caminhos que não nos
levam para a nossa felicidade. As pessoas caminham pela cidade, as pessoas
vivem na cidade, apesar de ser ela uma grande fábrica de coisas e de valores.
Mas também as pessoas querem respirar. Existe uma
necessidade de resistência, de fazer emergir a beleza, o grito, a
sensibilidade, fazer viver o que não passa de concreto. Temos de saber que a
cidade não é feita para nós, mas nós podemos recriá-la se assim pensarmos nas
possibilidades de superarmos o modo fabril de valorizar cada espaço da cidade.
Segundo: Que
cidade a população quer? Obviamente partindo do primeiro elemento a ser
considerado.
Partindo do princípio de que a cidade é
uma imensa fábrica social que produz dinheiro, tristeza, indiferença, que
cidade nós imaginamos para nós? Temos de estudar a fundo a nossa cidade, temos
de conhecê-la, precisamos saber como ela se constitui, como os espaços são
divididos, a quem esses espaços são destinados, como o direito de viver a
cidade é exercido.
Não podemos estar vivos na cidade e não
vivermos a cidade em que estamos. Isso implica que é preciso lançar os olhos
sobre a cidade. Se prestarmos atenção, observaremos que a maior parte das
pessoas transita pela cidade, mas não a vê.
Pensar a cidade e não deixar que ela
nos pense. Eis o desafio. Se essa é uma questão, a partir do modo como a cidade
é organizada, temos de saber o que a cidade representa para nós. Os espaços, os
lugares onde temos de ir e temos de trabalhar, os lugares onde estudamos,
comemos, convivemos uns com os outros.
A questão mais importante é o acesso
aos lugares. Acessar significa ter o direito. Mas a cidade é dividida. Não
podemos ir a todos os lugares, precisamos de uma condição fundamental. O
dinheiro é o elemento mais importante para podermos acessar os lugares. Se
temos dinheiro, podemos comprar um terreno em um condomínio, ou se não temos
condições suficientes, temos de viver em localidades sempre conforme as nossas
posses.
E isso tem a ver com o trabalho e com a forma de
produção capitalista. Se queremos uma cidade que proporcione maior liberdade e
maior capacidade de mobilidade, temos de repensar o modo como a nossa sociedade
se organiza em torno do sistema de produção.
Terceiro: De que forma a cidade
pode propiciar condições para que a maioria das pessoas transite na cidade?
Quer queiramos ou não, ainda estamos no
modo capitalista de viver a cidade. A cidade é um imenso galpão produtivo. Cada
vez mais temos menos liberdade e menos condições de ver a cidade.
Nesse sentido, não podemos ter ilusões.
A passagem é comprada e não paga. Se a passagem é comprada, como qualquer outra
coisa no mundo capitalista, a passagem é uma mercadoria. E como mercadoria, ela
tem de ser tratada num campo de negociações. Essas negociações implicam luta
política.
A mercadoria tem um caráter social,
mas, sobretudo, tem um caráter político, pois é uma imposição social de uma
forma de produção, que está presente em todas as relações sociais e presente na
cidade como um todo. qualquer mercadoria é imposta por meio do trabalho.
O preço de uma mercadoria não chega ao
mercado sem que por trás não haja uma luta e uma imposição. Por isso é um
processo político. Dessa forma, se a população compra uma mercadoria e o
aumento dessa mercadoria incide sobre parte do seu trabalho, é mais do que
razoável que essa população se organize politicamente para enfrentar o aumento
dessa mercadoria nas relações entre oferta e procura.
Para isso, nessa luta política, é
preciso saber que o preço de uma mercadoria, como a passagem de ônibus, é paga
por alguém. No capitalismo o que existe é uma rede de dependências, sendo que,
de uma forma ou de outra, se um preço é praticado no mercado, significa que a
demanda sustenta a oferta. Se o preço da passagem deve se manter constante, a
mais-valia (ou o mais-valor) deve ser transferido para alguém.
Se a população não mais pagar por essa
mercadoria, significa que alguém deverá fazê-lo, mas deve fazê-lo socialmente.
Quem deve absorver a Tarifa Zero, por exemplo, é a sociedade como um todo.
Significa que é um processo político que coloca em jogo o preço de uma
mercadoria.
Dessa forma, a sociedade deve se
posicionar, com seus grupos de interesse, sabendo que se trata de um conflito
político, pois quem tem mais poder estabelece o valor dessa mercadoria. A
mercadoria é, portanto, um processo de luta política, não só entre produtores e
consumidores, também o é entre os produtores e entre os próprios consumidores.
Toa mercadoria se coloca na relação social após um forte confronto de
interesses.
Aqui, há vários interesses envolvidos.
Da parte dos produtores, os detentores dos meios de produção, de outro lado,
aqueles trabalhadores que promovem a circulação da mercadoria. Há os que
adquirem essa mercadoria, ou seja, aqueles que a consomem imediatamente, estes
são os que se servem do processo de produção de passagens.
Essa produção de passagens, implica uma
tensão contínua. E nada que se faça nesse sentido não irá excluir, em hipótese
alguma, o conflito político envolvido nesse processo.
É evidente que temos algumas escolhas e
decisões a serem feitas. Cabe à sociedade fazê-las tendo em vista da
importância dos cidadãos na cidade, e que importância esta tem sobre eles.