quinta-feira, 12 de março de 2015

Pafúncio, o cretino

Por Atanásio Mykonios


Pafúncio o cretino se cansou, ficou cansado, cansou. Tomou uma decisão drástica, precisava de coragem para tomá-la e a tomou. Não foi com vodka nem com energético. Pafúncio, o cretino estava exausto de tanto pensar. Então, como numa iluminação, resolveu deixar o seu cérebro no armário. Ele precisava de um descanso, afinal, seu cérebro o acompanhava a vida toda e não o deixava em paz. Para onde ia, era obrigado e levar consigo aquela massa cinzenta que não prestava para muita coisa, ao contrário, criava-lhe muitos problemas diários. Sem contar aquele peso imberbe que em muitas ocasiões lhe causava dores horríveis.

Pafúncio, o cretino, não sabia para que servia aquela coisa que tinha dentro de si, parecia um corpo estranho. Muitas vezes procurava o cérebro e não sabia onde ele estava, até que um dia lhe disseram que se encontrava no interior de sua cabeça. Ele ficou espantado e, porque não dizer, horrorizado. Ele chegou a pensar que seu cérebro se situava dividido entre os dois joelhos. Passava horas diante do espelho a olhar para os joelhos e não via nada além dos próprios joelhos.

Pafúncio, o cretino, não entendia para qual finalidade o cérebro estava dentro dele. Todos os dias alguém lhe dizia que era preciso nutrir o cérebro com coisas boas e de preferência leves. Ele passou a comer isopor uma vez a cada semana, imaginando que seu cérebro poderia flutuar e quem sabe até escapar por uma de suas orelhas, ou pelo ânus, ou até pela boca. Mas nada acontecia de verdade. Seu cérebro era uma massa invisível. Ele não via o que pensava nem pensava no que via.

Numa tarde em que foi tomado de profundo êxtase celestial, teve a ideia genial que guardar o cérebro no armário e sair pelas ruas empunhando a bandeira da liberdade. Ele poderia andar pelas praças, flutuar, dormir, comer, mas principalmente, ele deixaria de pensar. Pensar para Pafúncio, o cretino, era uma operação de grande envergadura e quase sempre os resultados era pífios e obsoletos.

Na verdade, para fazer o que fazia com esmero não precisava pensar, seu cérebro era uma grande a redonda inutilidade. Bastaria que aquela coisa saísse dele, assim quem sabe ficaria mais leve e mais flutuante.

O cretino procurou um lugar no armário para deixar o cérebro. Mas por um instante, ficou deveras preocupado porque poderia esquecer onde haveria de ter deixado o seu próprio cérebro e aí o que aconteceria com ele? Por via das dúvidas, não seria melhor carregar seu cérebro numa maleta para não esquecê-lo no armário? E se sair sem o cérebro ele se desse conta de que não saberia mais voltar para a casa?

Mas ele estava decidido a tirar seu cérebro e anda por aí, sem lenço, sem documento e sem a sua mais pura inutilidade. Ele teve de pensar como tirar seu cérebro de si mesmo. Foi tão dolorido esse processo que ele não parou de pensar. Percebeu que de tanto pensar, ele pensava. Isto o aterrorizou, fez com ele entrasse em pânico, porque agora ele podia pensar em como se desfazer do seu pensamento e do seu cérebro. Já não sabia se ele tinha medo de pensar ou se o problema estava no cérebro que carregava seus pensamentos.

Ele tinha se esquecido de como era não pensar, de tanto pensar. Pafúncio, o cretino, foi bombardeado por uma série de pensamentos que vinham de todas as partes. Das partes de cima, das partes de baixo, das partes de fora e de dentro. O mundo para Pafúncio, o cretino, já não era o mesmo. Agora ele podia pensar e isso o revoltava imensamente. A vida sem o pensar lhe parecia agradável.

Sua última e drástica atitude foi consultar o oráculo. Ligou a TV e a TV não pensava. Ele, Pafúncio, o cretino, por um instante se sentiu confortável em saber que seu oraculo não pensava, quem sabe ele estivesse sonhando que estava a pensar! Mas eis que ele se lembrou de que fora obrigado a pensar para poder guardar o cérebro em segurança. Foi então que o oráculo o pegou em flagrante delito.

A TV percebeu que Pafúncio, o cretino, havia cometido o crime de pensar. Imediatamente, Pafúncio, o cretino, tentou esconder que havia pensado, mas já era tarde, fora pego com a boca na botija. Não havia mais o que fazer.

Pafúncio, o cretino, tentou se esconder, se esquivar, tentou fingir que nunca havia pensado, mas a TV sabia de tudo, ela sondava tudo, desde o mais recôndito pensamento até a idiotice de Pafúncio, o cretino. Não havia mais onde se esconder. A TV então condenou Pafúncio, o cretino, a passar a eternidade sem memoria, para que nunca mais pudesse pensar que um dia havia pensado.


E assim, o dia acabou, a noite acabou, a TV ficou ligada e Pafúncio, o cretino, voltou a ser o que era. Pafúncio, o cretino.

terça-feira, 10 de março de 2015

Esquerda e Pacifismo. Gandhi nos inspira!

Por Atanásio Mykonios


Houve uma época em que as esquerdas ou os vários grupos de esquerda tinham uma prática e um discurso muito mais beligerante do que hoje. Lembro-me da época em que empastelaram a cara do então Ministro José Serra em Fortaleza, no Ceará. Lembro-me do tempo em que as manifestações de rua traziam palavras de ordem como “Fora FHC”, “Abaixo o FMI”, “Reforma Agrária Já”, etc. Lembro-me ainda daquele tempo em que a juventude dos partidos tinha discursos muito mais raivosos que a direita que hoje bate panela e xinga a presidente Dilma.

Lembro-me ainda de bandeiras queimadas, de gritos de ordem, de discursos inflamados que ameaçavam invadir bancos e latifúndios. A revolução parecia estar sempre no horizonte de uma parte da esquerda. A história parecia que se realizaria conforme o processo social e a dinâmica levassem a uma mobilização das massas.

Muitos não escondiam que lutar contra os capitalistas era também lutar contra o Estado-nacional e era preciso serrar fileiras para combater a exploração e o imperialismo. O problema social era tratado como uma consequência da exploração do capital e das corporações sobre os trabalhadores. Fome, desemprego, violência, abandono, crime, prisões lotadas, eram todos problemas causados pelo capitalismo e sabíamos que era necessário enfrentar o sistema e superar essas mazelas.

Motivadas pelo fim da ditadura, as esquerdas se reorganizaram e era o momento histórico, nos anos 1980, de reconstruir o país em bases sociais e populares mais sólidas, tendo como herança as lutas recentes do povo.

Respirava-se um ar de insurgência contínua. Estávamos sempre na expectativa de que algo aconteceria e que os governos seriam derrubados pela ação popular.

Atos de subversão eram sempre bem-vindos, sem muito constrangimento. Sabia-se, de alguma forma, que não era possível enfrentar os canhões e os dólares com flores e poesias, era preciso se preparar para o confronto que inevitavelmente ocorreria.

As classes médias viviam, de certa forma, com medo, acuadas. Ainda me lembro do alvoroço criado no período em que Fernando Collor de Mello havia sido eleito, empunhando a bandeira do medo, aquele medo de que o PT pudesse fazer a distribuição dos bens das camadas médias. Naquele tempo, pouca gente conhecia o PT por dentro, mas a imagem que ele transmitia era bem mais eficaz do que a sua própria realidade.

Era o partido da transformação. Chegou a aglutinar quase todas as esquerdas sob sua bandeira. A hegemonia de sua capilaridade lhe deu uma vantagem sobre as estruturas, de certa forma, arcaicas dos partidos mais históricos que o próprio PT.

Em todos os lugares, nos bares, nas reuniões de sindicato, nos partidos, nas comunidades de base, nas associações, nos grupos de arte, respirava-se a esquerda e a mudança, a transformação fazia parte do nosso ideário. Havia um espírito do tempo que nos mantinha acesos e nos impulsionava a que novos tempos seriam possíveis.

Muitos não teriam coragem de pegar em armas, mas sabíamos que a revolução certamente seria o caminho para o fim daquele mundo de opressão. Naquele tempo, ainda, muitos queriam as liberdades que eram já experimentadas no norte do mundo, especialmente na Europa e nos EUA. 

Queríamos liberdade para sermos felizes, fazer sexo, fumar, escrever as nossas peças de teatro, nossos poemas ao ar livre, queríamos educação e saúde e bem-estar para todos. No fundo, uma parte de nós só queria era acabar com o controle rígido e moralizante sobre a sociedade, as grandes teses sobre o capitalismo eram debatidas de forma muito superficial, mas sabíamos que havia injustiças na concentração da riqueza e na distribuição desta riqueza e isto parece que nos bastava à época para agir.

Não conhecíamos o sistema capitalista por dentro, apenas a sua casca.

O importante era que estávamos na luta, de uma forma ou de outra. Eu escrevia peças de teatro que tinham um cunho crítico sobre a política. Queria enfrentar a censura e poder dizer que havia sido censurado de alguma forma.

Além disso, todos os políticos que exerciam seus mandatos sempre pareciam corruptos, ineptos, serviçais, mentirosos e a mando dos grandes barões do capital. Os picaretas tinham de ser derrubados a todo custo. Nossa indignação era justa e sabíamos que estávamos certos em denunciar com todos os pulmões e se possível com as palavras de ordem que nos caracterizavam.

Havia a certeza de que a esquerda poderia fazer melhor.

Em alguns grupos minúsculos certos posicionamentos ainda estão muito vivos ainda hoje. Nesses grupos, quase sem expressão social ou política, que se agrupam em pequenas células, que mantêm a estrutura hierárquica muito centralizada e autoritária, ainda é possível presenciar discursos inflamados contra o Estado e contra a burguesia, com requintes de pura ameaça com ações de grande impacto.

Se essa gente que bate panela e desfila com a bandeira nacional pudesse presenciar uma das reuniões desses grupos se sentiria como freiras em conventos de clausura.

Sempre houve quem tentasse conter ou escamotear o discurso e posicionamento das esquerdas com medo de que pudessem afetar os ânimos das camadas médias e de alguns grupos que tinham papel estratégico na luta política. Não se falava em revolução de forma tão aberta como hoje os de direita vaticinam com a maior facilidade, pedindo naturalmente uma intervenção militar. Mas a revolução estava no horizonte, sempre.

Eis que uma mudança absurda ocorreu.

Agora, as esquerdas estão quase acuadas, ou acuadas por completo. Procuram se defender dos ataques raivosos de grupos que ainda não têm uma articulação orgânica (ao menos por enquanto). Às vezes, vejo tanta gente da esquerda assumir o discurso pacifista contra as ações beligerantes de grupos prestes a cometerem verdadeiros massacres em praça pública, que fico a pensar se mudamos de lado ou se isso não passa de um esquecimento cínico de nossa própria história. Esquecimento que nos custa a nossa identidade.

A esquerda está horrorizada com a truculência desse pessoal que está com muita raiva. Até parece que Gandhi é quem inspira a esquerda a assumir essa postura de “paz e amor”, medindo as palavras, contendo as raivas, dando o exemplo de equilíbrio. Abdica da sua real condição de enfrentamento, para pedir que todos tenham parcimônia e que se manifestem no estrito âmbito da lei e da ordem.

Agora exigimos que a direita, sempre ignorante de sua própria condição e da história, leia e se forme para poder debater em alto nível com os intelectuais e teóricos das esquerdas. Agora o debate à moda grega nos interessa, com argumentos, com lógica, com a força da retórica e com o arcabouço da teoria a nos defender.

É bem verdade que essa gente não sabe o que está acontecendo no mundo nem em seu próprio bairro.
Até mesmo gente que está do lado de “lá” observa que o “ódio” ganhou as ruas, as elites e as camadas médias contra o PT. Mas se eu me lembro bem, nosso ódio contra a burguesia não era diferente.

Então o que mudou? Fizemos a revolução e agora somos todos iguais? Fomos nós que nos convertemos ao pacifismo e a direita oposicionista é que deseja mudar e puxar o tapete, utilizando dos recursos mais horripilantes contra a legitimidade política, enquanto nós somos os fieis defensores da ordem e do estado de direito?

Agora a esquerda está na defensiva. Aliás, durante mais de um século, especialmente nos países centrais do capitalismo, esteve na defensiva, os sindicatos, os partidos, e mais recentemente os movimentos. A parte hegemônica da esquerda que chegou ao nosso Estado-nacional em 2002 foi toda tragada para dentro do próprio Estado e agora está encastelada nele para defender o indefensável.

Essa defesa e essa pretensa autodefesa contra a horripilante e crescente onda de virulência, praticada pelas hordas desorganizadas que a direita põe nas ruas e nas redes sociais, é de uma condição patética.

Quem viesse de Marte e pousasse aqui em nossas terras, talvez ficasse impressionado com a inversão de papeis que mais representa uma perversão da história. A esquerda com medo, tornando-se, cada vez mais, parecida com aquelas senhoras de 1964 e a direita não-institucional assumindo as raivas e a dores da esquerda.


Para garantir o mínimo conquistado do ponto de vista social, dentro do capitalismo de desenvolvimento e de bem-estar social esse liberalismo social tardio, estamos acuados e sofrendo da Síndrome de Estocolmo. 

domingo, 8 de março de 2015

Um recado mais aos homens do que às mulheres

Por Atanásio Mykonios

Seria mais honesto que neste dia, ao invés de somente elogiar as mulheres, reconhecer que há uma série de injustiças, mazelas, opressão, violência, contra todas as mulheres. Contra aquelas que lutam, contra aquelas que não se comprometem.

Seria mais justo se cada um reconhecesse que ainda somos uma sociedade cujo poder é masculino, os sistemas políticos, a estrutura econômica, nossas religiões, enfim, o mundo é masculino, masculinizado e estruturado para o poder do masculino.

Até agora, não foi possível derrubar e destruir este poder que é estrutural e sistêmico. É preciso, portanto, apreender as forças sociais e políticas de dominação que estão na raiz de todo modo de exploração contra a mulher, desde o seu nascimento até a sua atualidade.

O capitalismo aprofunda essa desigualdade de poder, aumenta a exploração sobre as mulheres, segrega-as conforme a organização social, conforme a cultura que nos dá em parte a nossa própria face de domínio.

A herança escravagista está entre nós e em nós. Submetemos as mulheres à lógica da dominação do corpo, por meio da ideologia da Casa Grande sobre a Senzala. Ainda vivemos em um ambiente em que possuir a mulher é como possuir gado, ovelhas, cabras, cavalos,  bois e mais atualmente, como possuir um carro ou um negócio. Estuprá-la para muitos é apenas um detalhe na filigrana da dominação.

Os homens, especialmente neste país, se valem de seu poder político e econômico para imporem, sob o manto de discursos religiosos e morais, o escárnio sobre a existência feminina, impondo-lhe toda sorte de controle social e controle econômico, colocando-a sob um tapete quando lhe interessa e utilizando de um discurso anacrônico para garantir mais direitos e submissão.

Há uma regressão observada a olhos nus. A crise do capitalismo que nos leva a uma crise das formas de poder político, cria uma espécie de campo de batalha em que este homem, com seu poder masculino sobre o mundo, atua de forma a esmagar qualquer avanço legítimo de confronto para os direitos e para a igualdade.

A moralização da sociedade brasileira, por meio do que há de mais nojento e abjeto, tendo como arautos os que mais praticam a violência com seus discursos de ódio e manipulação, encontra um campo fértil até mesmo entre contingentes aparentemente esclarecidos, mas que promovem a perseguição e o ódio contra até mesmo as mulheres que lhes deram a vida.

No trabalho ou em qualquer outro lugar, os olhares masculinos servem para manter a presa sob o controle, como se as mulheres só pudessem circular e viver em uma espécie de grande campo de concentração social.


A democracia sexual só será possível no momento histórico em que essas estruturas de dominação e o sistema capitalista forem destruídos por completo e que formos capazes de construir, a partir dos nossos próprios escombros, uma nova forma social em que a mulher não esteja sob o tacão econômico, religioso, cultural, político, ou de qualquer outra natureza, que grassa hoje e que é, sob todos os aspectos, a vergonha de nossa civilização. 

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

O bom liberal e o Estado

Por Atanásio Mykonios


O que um bom liberal, tornado neoliberal precisaria saber sobre o papel do Estado?

“Deve ser, pois, um Estado que cria ativamente as condições para a acumulação de capital, que protege os monopólios das crises econômicas, que enfraquece o poder dos sindicatos de trabalhadores assalariados, que despoja os trabalhadores da seguridade social, que privatiza as empresas públicas, que transforma a oferta de bens públicos (como as estradas, os portos, etc.) em serviços mercantis, que não só levanta, enfim, os obstáculos ao funcionamento dos mercados e das empresas, mas é capaz de criar as condições para que estas ultimas operem de modo lucrativo.” (Prado, Eleutério. A desmedida do valor. São Paulo: Xamã, 2005, pp. 132-133.)

Isso tudo está na cartilha, mas para cumprir esses “desígnios” do movimento neoliberal, é preciso criar condições morais extremas e necessárias, de que forma? A moralidade recai sobre a malversação das condições de administração do Estado. De certa forma, é onde a dita classe média se apega. A classe média patrimonialista e detentora da moral religiosa encara a administração do Estado como uma missão apostólica. A corrupção é o elemento mais importante nesse posicionamento ideológico. O discurso e o suposto posicionamento contra a corrupção têm como objetivo chegar à classe média, que raivosamente se coloca como guardiã da moral administrativa.
Por outro lado, os empresários e os capitalistas estão acostumados à prática contínua da corrupção em face das relações com o Estado que se tornou um agente econômico de caráter passivo diante do movimento contraditório do próprio capital e das forças produtivas.

Agora, o mais interessante, do ponto de vista sociológico, são os pobres, que estão submetidos às relações de exploração em cujo conteúdo reside, também, a corrupção. Eles trabalham para a classe média que pratica seus delitos diários contra os explorados, com seus privilégios e suas falcatruas; também trabalham para os grandes capitalistas e são vítimas desse mesmo processo.
Assim, o Estado tem funções que se assemelham às de uma empresa privada. Como tal, ele se submete às regras do mercado, a corrupção é, em última instância, a lei do mercado levada às raias do absoluto valor e da rentabilidade. Corromper representa o ganho total na relação de mercado, da oferta e da procura. Mas eis que os próprios corruptores criam uma cortina de fumaça, com seu discurso moralizante, dando a entender que somente há um lado nessa relação. Ele age como uma empresa no meio de outras empresas, tem bancos de investimento, tem petrolíferas, associa-se a outras empresas. As empresas estatais têm de promover lucratividade e o Estado precisa garantir a rentabilidade do capital em sua totalidade, em condições reais e mínimas de realização do valor.

Como então defender essa forma dita Estado? Os liberais e mais precisamente os neoliberais parecem estar mais comprometidos e propensos em defender o Estado corporativo administrado por tecnocratas e blindado pelos capitalistas associados. Sua moral, é a moral de comerciantes que avança sobre o Estado e o controla nessa nova fase do capitalismo.

A esquerda deveria sim abdicar dessa forma Estado, deveria deixar de apoiar essas relações estúpidas de um liberalismo aparentemente humanitário e pensar seriamente em destruí-lo conjuntamente com o próprio sistema que o nutre – o capitalismo. E com isto, ocorre que a esquerda fica presa, na verdade, refém de um modelo de gestão pública marcado pelo processo político de dominação por meio de um sistema representativo, que não representa nada a não ser ele mesmo. A liberdade total é traduzida pela liberdade do negócio e do mérito e os representantes políticos são apenas um elo nessa cadeia de manipulação. O cálculo econômico é deveras significativo para todas as atividades, inclusive a atividade política.


Na atual sociedade capitalista, os derrotados são agora vistos e tratados como inimigos, a guerra é contra os não rentáveis, é preciso colocá-los sob a rédea curta e mantê-los devidamente distantes, se possível em guetos bem demarcados territorialmente. A alternativa é se conformar e manter-se obediente às regras do mercado. Para os liberais atuais – os neoliberais – os pobres não contribuem social e intelectualmente para o avanço das forças produtivas, nem mesmo podem ser educados para tal objetivo, portanto, o ideal seria que eles não mais existissem. 

Ocorre que os neoliberais se escondem nos clássicos e em especial nos teóricos do Estado de bem-estar social e produzem uma imbróglio de conceitos e preceitos que não condizem com o real movimento do neoliberalismo, que atua como um trator sobre a sociedade. Não sei se por ignorância ou por má fé, até mesmo os teóricos liberais do Estado socialmente menos injusto, não cabem nessa onda de barbárie promovida pelo neoliberalismo. E ainda há quem pense que os neoliberais têm propostas de cunho clássico ou neoclássico. Enganam-se.