Por Atanásio Mykonios
Pafúncio o cretino se cansou,
ficou cansado, cansou. Tomou uma decisão drástica, precisava de coragem para tomá-la
e a tomou. Não foi com vodka nem com energético. Pafúncio, o cretino estava
exausto de tanto pensar. Então, como numa iluminação, resolveu deixar o seu
cérebro no armário. Ele precisava de um descanso, afinal, seu cérebro o
acompanhava a vida toda e não o deixava em paz. Para onde ia, era obrigado e
levar consigo aquela massa cinzenta que não prestava para muita coisa, ao
contrário, criava-lhe muitos problemas diários. Sem contar aquele peso imberbe
que em muitas ocasiões lhe causava dores horríveis.
Pafúncio, o cretino, não sabia
para que servia aquela coisa que tinha dentro de si, parecia um corpo estranho.
Muitas vezes procurava o cérebro e não sabia onde ele estava, até que um dia
lhe disseram que se encontrava no interior de sua cabeça. Ele ficou espantado
e, porque não dizer, horrorizado. Ele chegou a pensar que seu cérebro se
situava dividido entre os dois joelhos. Passava horas diante do espelho a olhar
para os joelhos e não via nada além dos próprios joelhos.
Pafúncio, o cretino, não entendia
para qual finalidade o cérebro estava dentro dele. Todos os dias alguém lhe
dizia que era preciso nutrir o cérebro com coisas boas e de preferência leves. Ele
passou a comer isopor uma vez a cada semana, imaginando que seu cérebro poderia
flutuar e quem sabe até escapar por uma de suas orelhas, ou pelo ânus, ou até
pela boca. Mas nada acontecia de verdade. Seu cérebro era uma massa invisível. Ele
não via o que pensava nem pensava no que via.
Numa tarde em que foi tomado de
profundo êxtase celestial, teve a ideia genial que guardar o cérebro no armário
e sair pelas ruas empunhando a bandeira da liberdade. Ele poderia andar pelas
praças, flutuar, dormir, comer, mas principalmente, ele deixaria de pensar. Pensar
para Pafúncio, o cretino, era uma operação de grande envergadura e quase sempre
os resultados era pífios e obsoletos.
Na verdade, para fazer o que
fazia com esmero não precisava pensar, seu cérebro era uma grande a redonda
inutilidade. Bastaria que aquela coisa saísse dele, assim quem sabe ficaria
mais leve e mais flutuante.
O cretino procurou um lugar no armário
para deixar o cérebro. Mas por um instante, ficou deveras preocupado porque
poderia esquecer onde haveria de ter deixado o seu próprio cérebro e aí o que
aconteceria com ele? Por via das dúvidas, não seria melhor carregar seu cérebro
numa maleta para não esquecê-lo no armário? E se sair sem o cérebro ele se
desse conta de que não saberia mais voltar para a casa?
Mas ele estava decidido a tirar
seu cérebro e anda por aí, sem lenço, sem documento e sem a sua mais pura
inutilidade. Ele teve de pensar como tirar seu cérebro de si mesmo. Foi tão
dolorido esse processo que ele não parou de pensar. Percebeu que de tanto
pensar, ele pensava. Isto o aterrorizou, fez com ele entrasse em pânico, porque
agora ele podia pensar em como se desfazer do seu pensamento e do seu cérebro. Já
não sabia se ele tinha medo de pensar ou se o problema estava no cérebro que
carregava seus pensamentos.
Ele tinha se esquecido de como era
não pensar, de tanto pensar. Pafúncio, o cretino, foi bombardeado por uma série
de pensamentos que vinham de todas as partes. Das partes de cima, das partes de
baixo, das partes de fora e de dentro. O mundo para Pafúncio, o cretino, já não
era o mesmo. Agora ele podia pensar e isso o revoltava imensamente. A vida sem
o pensar lhe parecia agradável.
Sua última e drástica atitude foi
consultar o oráculo. Ligou a TV e a TV não pensava. Ele, Pafúncio, o cretino, por
um instante se sentiu confortável em saber que seu oraculo não pensava, quem
sabe ele estivesse sonhando que estava a pensar! Mas eis que ele se lembrou de
que fora obrigado a pensar para poder guardar o cérebro em segurança. Foi então
que o oráculo o pegou em flagrante delito.
A TV percebeu que Pafúncio, o
cretino, havia cometido o crime de pensar. Imediatamente, Pafúncio, o cretino,
tentou esconder que havia pensado, mas já era tarde, fora pego com a boca na
botija. Não havia mais o que fazer.
Pafúncio, o cretino, tentou se
esconder, se esquivar, tentou fingir que nunca havia pensado, mas a TV sabia de
tudo, ela sondava tudo, desde o mais recôndito pensamento até a idiotice de
Pafúncio, o cretino. Não havia mais onde se esconder. A TV então condenou
Pafúncio, o cretino, a passar a eternidade sem memoria, para que nunca mais
pudesse pensar que um dia havia pensado.
E assim, o dia acabou, a noite
acabou, a TV ficou ligada e Pafúncio, o cretino, voltou a ser o que era.
Pafúncio, o cretino.
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