Por Atanásio Mykonios
A teoria sobre a vida não tem espaço a não ser como
valor de troca, a crítica às condições da vida concreta só tem sentido se
promover algum ganho substancial como excedente. O mundo agora deve ser
desfrutado e não conquistado, a conquista ocorreu de modo que cabe às máquinas
explorá-lo a fim de garantir o entretenimento. Mesmo que não haja mais possibilidades
concretas de trabalho para todos, mesmo que a mercadoria não chegue a todos com
o mesmo apreço, o mundo se tornou um grande entretenimento e os religiosos se
sentem desconfortáveis porque sua metafísica foi substituída pela metafísica
terrena do deus-trabalho-valor-mercadoria. A regressão a níveis de imbecilidade
coletiva concentra toda a energia para o efêmero, para o distanciamento,
conformando os discursos em gavetas etiquetadas conforme a expectativa de cada
ambiente social. A compulsão social não se restringe às formas coercitivas da
competição entre produtores, atingiu toda a condição humana, desumanizada pelas
taras de um sistema racionalizado às últimas consequências, as esferas da razão
estão impregnadas pela razão do sistema e o sistema da razão é unívoco. Os
sujeitos conduzem sua vida como suspensos na farsa social da felicidade
absoluta. A cordialidade se mistura aos pequenos mecanismos de defesa psíquica,
o prazer é planejado e organizado coletivamente. O parque de diversões
universal se estende para o sono das pessoas, nele os conteúdos psíquicos
ganham contornos de sofisticação da história pessoal. Os caminhos percorridos
pelo pensamento estão na ordem do processo de produção, sua lógica encaminha as
pessoas para que fragmentem a realidade em pequenas quantidades de produtos a
serem adquiridos, produtos alienados da esfera do cotidiano, assumem o papel do
fetiche e da astuta estética dos ambientes. Os ambientes privados e públicos
devem seguir a um artifício estético que é reproduzir as formas sociais da
mercadoria, devem conter as estruturas naturais do modo de fazer circular a
mercadoria pela consciência das pessoas. O torpor social é o torpor mental. A
história se dissolve, é incinerada, apagada da consciência humana. A mente
humana socializada pela forma mercadoria acostuma-se a aceitar resignadamente
todas as imposições da violência instituída, os que não seguem a competição e
são expelidos pela administração do capitalismo devem ser expelidos das vistas
das pessoas comuns. Para consumir mais e mais, tudo é decididamente
transformado em novo, o novo que reluz, o novo que invade a juventude, que
adormece a maturidade, que expõe a pele dourada ao sol, que rompe as leis da
gravidade e introduz a possibilidade de venda, não como probabilidade e sim,
mais do que tudo, como tendência de uma sociedade unívoca.
Lançados
na história, devendo participar no trabalho e nas lutas que a constituem, os
homens se vêem obrigados a encarar suas relações de uma maneira desiludida.
Esta história não tem um objeto distinto daquele que realiza por si mesma,
embora a última visão metafísica inconsciente da época histórica tenha encarado
o progresso na produção, através do qual
a história se desenrolou, como o próprio objeto da história. O sujeito da
história não pode ser senão o vivente produzindo-se a si mesmo, tomando-se
senhor e possuidor do seu mundo que é a história, e sendo consciente de seu
papel. (Debord, Aforismo 74, 2003, pp. 53-54)
O comum, por isso, é o elemento que congrega a
estrutura mental, o comum é o banal, o comum é a paz da mediocridade, o comum
se torna reflexo de si mesmo, espraia-se por todos os ambientes. O tempo do
reflexo se esgota no momento em que o excedente é consumido e o consumidor como
um novo imperador do mundo do entretenimento, dita as regras sociais e o
comportamento das pessoas em torno ao seu modo de existir. Aponta as mazelas do
consumo exacerbado, critica os ambiciosos, deflagra um juízo moral sobre os
viciados. O diagnóstico é comum, a análise é comum. A paz eterna é seu sonho. O
narcisismo revela a estupidez anônima, as pessoas se veem atiradas à fornalha
da competitividade e da regressão das relações humanas. A necessidade
financeira está estampada nas formas agressivas, todos querem o seu quinhão,
num gesto de apelo, o mundo dos homens se transforma na horrenda passagem para
a gôndola cheia de produtos. O consumidor é entronizado como o rei da política
social da mercadoria.
O que devemos temer? Nada? Não há nada no horizonte
que nos amedronte? Na haverá um destino traçado para a humanidade? A tragédia
acontecerá ou já está entre nós? Teremos uma bonificação ao final desse
sistema? Uma mutação social ocorrerá, mas será possível esperar por ela? O
mundo virtual não se esgota nos computadores
Apenas a prática social real fará os sujeitos tornarem
a existência negativa. O negativo surgirá inevitavelmente quando o processo
social chegar ao ponto em que a contradição se mostrar absolutamente efetiva.
Nesse momento, nenhum sujeito histórico será capaz de protagonizar a
transformação social, uma vez que será preciso avançar para o momento em que a
materialidade será drasticamente colocada como impossibilidade para a
realização abstrata da sociedade. A realidade que hoje se mostra profundamente
trágica na irracionalidade e inconsciência humanas é o sintoma de um processo
irreversível. Destarte o otimismo dos movimentos sociais que lutam contra o
capitalismo de crerem que sua ação ainda é imprescindível para o fim do
capitalismo, estou convicto de que no atual estágio histórico do capitalismo,
será mais do que necessário vivenciar a decadência total do sistema.
Referências Utilizadas
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Tradução em
português www.terravista.pt/ilhamel/1540.
Paráfrase em português do Brasil. Coletivo Periferia, 2003, In www.geocities.com/projetoperiferia
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