sexta-feira, 5 de julho de 2019

Dispersão e indiferença no processo de reprodução social

Por Atanásio Mykonios


A teoria sobre a vida não tem espaço a não ser como valor de troca, a crítica às condições da vida concreta só tem sentido se promover algum ganho substancial como excedente. O mundo agora deve ser desfrutado e não conquistado, a conquista ocorreu de modo que cabe às máquinas explorá-lo a fim de garantir o entretenimento. Mesmo que não haja mais possibilidades concretas de trabalho para todos, mesmo que a mercadoria não chegue a todos com o mesmo apreço, o mundo se tornou um grande entretenimento e os religiosos se sentem desconfortáveis porque sua metafísica foi substituída pela metafísica terrena do deus-trabalho-valor-mercadoria. A regressão a níveis de imbecilidade coletiva concentra toda a energia para o efêmero, para o distanciamento, conformando os discursos em gavetas etiquetadas conforme a expectativa de cada ambiente social. A compulsão social não se restringe às formas coercitivas da competição entre produtores, atingiu toda a condição humana, desumanizada pelas taras de um sistema racionalizado às últimas consequências, as esferas da razão estão impregnadas pela razão do sistema e o sistema da razão é unívoco. Os sujeitos conduzem sua vida como suspensos na farsa social da felicidade absoluta. A cordialidade se mistura aos pequenos mecanismos de defesa psíquica, o prazer é planejado e organizado coletivamente. O parque de diversões universal se estende para o sono das pessoas, nele os conteúdos psíquicos ganham contornos de sofisticação da história pessoal. Os caminhos percorridos pelo pensamento estão na ordem do processo de produção, sua lógica encaminha as pessoas para que fragmentem a realidade em pequenas quantidades de produtos a serem adquiridos, produtos alienados da esfera do cotidiano, assumem o papel do fetiche e da astuta estética dos ambientes. Os ambientes privados e públicos devem seguir a um artifício estético que é reproduzir as formas sociais da mercadoria, devem conter as estruturas naturais do modo de fazer circular a mercadoria pela consciência das pessoas. O torpor social é o torpor mental. A história se dissolve, é incinerada, apagada da consciência humana. A mente humana socializada pela forma mercadoria acostuma-se a aceitar resignadamente todas as imposições da violência instituída, os que não seguem a competição e são expelidos pela administração do capitalismo devem ser expelidos das vistas das pessoas comuns. Para consumir mais e mais, tudo é decididamente transformado em novo, o novo que reluz, o novo que invade a juventude, que adormece a maturidade, que expõe a pele dourada ao sol, que rompe as leis da gravidade e introduz a possibilidade de venda, não como probabilidade e sim, mais do que tudo, como tendência de uma sociedade unívoca.

Lançados na história, devendo participar no trabalho e nas lutas que a constituem, os homens se vêem obrigados a encarar suas relações de uma maneira desiludida. Esta história não tem um objeto distinto daquele que realiza por si mesma, embora a última visão metafísica inconsciente da época histórica tenha encarado o progresso na  produção, através do qual a história se desenrolou, como o próprio objeto da história. O sujeito da história não pode ser senão o vivente produzindo-se a si mesmo, tomando-se senhor e possuidor do seu mundo que é a história, e sendo consciente de seu papel. (Debord, Aforismo 74, 2003, pp. 53-54)

O comum, por isso, é o elemento que congrega a estrutura mental, o comum é o banal, o comum é a paz da mediocridade, o comum se torna reflexo de si mesmo, espraia-se por todos os ambientes. O tempo do reflexo se esgota no momento em que o excedente é consumido e o consumidor como um novo imperador do mundo do entretenimento, dita as regras sociais e o comportamento das pessoas em torno ao seu modo de existir. Aponta as mazelas do consumo exacerbado, critica os ambiciosos, deflagra um juízo moral sobre os viciados. O diagnóstico é comum, a análise é comum. A paz eterna é seu sonho. O narcisismo revela a estupidez anônima, as pessoas se veem atiradas à fornalha da competitividade e da regressão das relações humanas. A necessidade financeira está estampada nas formas agressivas, todos querem o seu quinhão, num gesto de apelo, o mundo dos homens se transforma na horrenda passagem para a gôndola cheia de produtos. O consumidor é entronizado como o rei da política social da mercadoria.  
O que devemos temer? Nada? Não há nada no horizonte que nos amedronte? Na haverá um destino traçado para a humanidade? A tragédia acontecerá ou já está entre nós? Teremos uma bonificação ao final desse sistema? Uma mutação social ocorrerá, mas será possível esperar por ela? O mundo virtual não se esgota nos computadores
Apenas a prática social real fará os sujeitos tornarem a existência negativa. O negativo surgirá inevitavelmente quando o processo social chegar ao ponto em que a contradição se mostrar absolutamente efetiva. Nesse momento, nenhum sujeito histórico será capaz de protagonizar a transformação social, uma vez que será preciso avançar para o momento em que a materialidade será drasticamente colocada como impossibilidade para a realização abstrata da sociedade. A realidade que hoje se mostra profundamente trágica na irracionalidade e inconsciência humanas é o sintoma de um processo irreversível. Destarte o otimismo dos movimentos sociais que lutam contra o capitalismo de crerem que sua ação ainda é imprescindível para o fim do capitalismo, estou convicto de que no atual estágio histórico do capitalismo, será mais do que necessário vivenciar a decadência total do sistema.

                           

Referências Utilizadas 

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Tradução em português www.terravista.pt/ilhamel/1540. Paráfrase em português do Brasil. Coletivo Periferia, 2003, In www.geocities.com/projetoperiferia

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo seu comentário