segunda-feira, 30 de março de 2015

Da Educação à Pena!

Por Atanásio Mykonios

A educação pública no Brasil se tornou um problema de difícil conclusão. A cultura que se vive há ao menos uma década e meia é a da militarização social em detrimento à estrutura educacional que vê seu nível decair absurda e gradativamente ao longo desse período. Um estado penal vem em substituição à educação e às estruturas de proteção social. O processo de transformação por que passa a sociedade é intrigante e preocupante, à medida que compreendemos essa transformação, somos levados a comparar esse contexto com, por exemplo, os EUA, em que a política de Estado a partir dos anos 1970 foi o de aumentar os conteúdos penais em quantidade a fim de chegar e aprisionar as populações mais fragilizadas – negros e latinos. A política social de segregação agora passou a ter um novo componente a seu favor, a lei e a pena, servem como artefato e pano de fundo para o controle social por meio da criminalização dos mais pobres, tanto aqui no Brasil quanto nos EUA.

ESSA É PARA TODOS NÓS

Por Atanásio Mykonios

Cuide das pessoas, preocupe-se com elas, especialmente com seus amigos. Não os faça esperar tanto tempo, tenha sempre um gesto de carinho, pergunte, mande um recado, cuide deles, mas também de todos que estão com você.

Seus amigos são seu maior tesouro. Não pense que eles estarão sempre ali, só porque alguém disse que amigos são para sempre. Não pense que seus problemas são tão significativos que o mundo e os seus amigos podem esperar. A presença é muito importante, sempre. Esteja presente.

Não se desculpe tanto, não encontre tantas justificativas para fazer o que tem de ser feito. Se alguém se preocupa com você, se alguém lhe oferece ajuda, aceite, aprenda a ser humilde.

Mas não procure seus amigos ou as pessoas só quando precisa delas. Não seja fingido ou falso, com supostas preocupações quando o que quer mesmo é que eles ajudem você.

Não os faça crer que eles não são importantes para você, ou que apenas eles os são quando você quer que sejam. Não transmita a noção de que você é tão forte e independente que não precisa de seus amigos.

Não seja daqueles que todos têm de girar ao seu redor para que possam vê-lo e acarinhá-lo, você é mais um como todos nós. Não deixe o tempo passar por causa de suas desculpas, seja mais atencioso, mais compreensivo, aprenda a dizer que ama as pessoas.

Não fale tanto apenas de você e de seus problemas, o mundo não está tão interessado neles. Afinal, você não é tão interessante quanto imagina e não pense que o mundo gira à sua volta, na verdade, esse é um processo de relação contínua. Você está no mundo, então procure compreender como você está no mundo e como pode estar nele a partir de você.

Pare de se preocupar apenas com você e com o seu imediato. Pare de mostrar ao mundo que você é uma pessoa maravilhosa, sem erros ou defeitos, e que o mundo e as pessoas é que estão erradas a seu respeito.

Não se sinta tão valorizado a ponto de criar um tribunal de acusação contra todos que rodeiam a sua vida social. Não crie a paranoia de que todos são suspeitos. Entenda que você também é um problema para os outros.

Suas verdades não são as únicas que estão no mundo, saiba que a verdade do mundo é bem outra. E que entre a sua verdade, a verdade do mundo e as verdades que estão por aí, há um longo caminho a percorrer. Não defenda tanto suas pequenas verdades como se elas fossem dizer o que o mundo não sabe a seu respeito.

Não tenha medo das pessoas e de ter de recomeçar quantas vezes forem necessárias.

Sua arrogância aparentemente lhe é útil, mas isso não passa de uma grande ilusão. Você sabe de quantas ilusões você é feito.

Não finja que não precisa das pessoas e dos seus amigos. Você não é tão autossuficiente quanto supõe ser. É bem o contrário, você só é o que é graças a todos que estão, estiveram e estarão na sua vida.

Estenda a mão não só a quem precisa, mas estenda a mão sempre. Olhe nos olhos, aperte a mão das pessoas, aprenda a ouvir antes de falar.

Cuide e dê o que você tem de melhor para as pessoas. Não guarde para você o que lhe foi dado gratuitamente. Cada um dá o que tem de melhor. Se você não tem nada a oferecer, então encontre algo. A felicidade só existirá quando você der aos outros o que sabe e tem de melhor.

Não prometa o que não pode cumprir. Não saia dizendo o que quer fazer, mas não o fará jamais. Não espere que os outros façam o que você mesmo não é capaz de fazer. Não diga aos outros o que têm de fazer se você mesmo não o faria.

Não se arvore à coragem que não tem. Não se esconda atrás dos computadores, não seja corajoso com as palavras, não prove nada a você nem a ninguém.

Mas por outro lado, não seja indiferente à dor que está por todos os lados. Não finja que não existem problemas à sua volta. Não finja que isso não lhe diz respeito. Não finja a felicidade tão intensa em um mundo em escombros e ruínas.

Não diga nada quando não sabe.

Seja generoso, compreensivo, aprenda a enxergar a realidade para além da sua própria realidade. Aprenda a perdoar, porque um dos grandes avanços na história da humanidade foi o perdão e hoje estamos em um mundo em que a última coisa a ser pensada é o perdão.

Somos uma sociedade da punição, na perseguição, do medo, da indiferença, do ódio.

Não seja tão egoísta e nem tanto quanto forem os que o rodeiam. Não queira ser tão igual aos outros, nem sempre isso é sinônimo de identidade ou de segurança psicológica ou mesmo de pertencimento.

Não se convença de que você é tão livre quanto seu desejo quer nem tão escravo quanto o sistema assim o ensina.

Não tenha medo da pobreza, tenha medo de uma sociedade que provoca deliberadamente a pobreza. Não se agarre ao que você tem com tanto afinco a ponto de legitimar a exploração, a segregação, o fosso social que o separa do resto do mundo. Não tenha orgulho dos seus pertences.

Não se agarre com unhas e dentes ao que você conquistou, porque isso é resultado de um processo e você está nele.

Não seja tão alienado do mundo onde você mesmo vive. Não acredite tanto no que vê e escuta. Aprenda a ter olhos de um crítico, adquira mais consciência social e histórica.

Não insista em sua preguiça intelectual. Não é porque o mundo está pronto para você usá-lo e usufruí-lo que não há mais nada a ser feito.

Não se irrite com aqueles que sabem mais que você, ou que leram mais, ou que refletem mais, ou que têm um senso crítico e de justiça que você não tem. Aprenda que o conhecimento é um processo também doloroso e que não é um piquenique. Não viva na crença de palavras soltas ou de afirmações que caem do céu.


Não seja tão ingênuo nem tão infantilizado para que tudo esteja sempre à sua disposição. 

quarta-feira, 18 de março de 2015

Educação, classe, lógica e história

Por Atanásio Mykonios



Há uma frase de Paulo Freire que tem percorrido as redes sociais desde domingo, 15 de março de 2015, quando várias pessoas, nos protestos, reivindicaram o fim de um modelo de educação, que segundo elas, tem um caráter eminentemente marxista. Exigiram o fim da pedagogia de inspiração marxista.

A frase é a seguinte: “Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo”.

Fico, no entanto, me indagando, afinal essa gente toda que foi às manifestações é o pessoal mais bem instruído do país, com as melhores formações em todas as áreas e com a maior titulação do ponto de vista acadêmico; tem a melhor educação que o dinheiro pode comprar, frequentou as melhores escolas de ensino de base e as melhores universidades, muitos, inclusive, em instituições públicas-estatais.

Mas se comportam de uma maneira que parece fora de qualquer contexto histórico. Disse que parece, porque não é bem assim que as coisas se processam. Há uma lógica e uma história nesse contexto que não pode ser escamoteada, sob pena de não termos clareza acerca do processo que envolve esse cenário de horrores.

Os sujeitos sociais que se manifestaram no domingo último se Valem de sua condição e de seu lugar nas camadas sociais, situadas mais próximas da classe dominante do que das demais, para impor um modelo de pensamento que, convenhamos, se fosse promovido pelos pobres, sabemos quais seriam as reações.

Há uma incineração da história, também, no mínimo, estúpida e perigosa. Mas não se trata apenas de uma ignorância da história, deliberadamente encontramos o propósito de revisar a história e de colocar em pé de igualdade posturas ideológicas que foram confrontadas ao longo de décadas de conflitos.

Ergue-se uma muralha intransponível. Essas pessoas saem às ruas e dizem palavras de ordem, que representam a construção de um discurso articulado com determinados fundamentos, cujos argumentos têm por princípio a defesa do estatuto de uma ordenação lógica com legitimidade histórica e social, defendendo assim a elevação desses princípios à sua condição de igualdade no confronto de premissas.

Com isso, a antiga lógica aristotélica não serve para esse panorama discursivo cujo mote é, sem dúvida, criar as condições para a hegemonia de um ou de outro discurso. Nesse sentido, uma parte da esquerda, especialmente a esquerda comprometida com a continuidade do governo Dilma, e seu gabinete, está na defensiva e não encontra mecanismos discursivos para reverter esse cenário. O discurso, com seus princípios fundamentais, para ser absorvido, não requer apenas o confronto de argumentos, exige também a luta pela sua imposição que não se dá apenas pela via lógica.

Espera-se que na escola, no ambiente de formação educacional formal, o aluno seja levado a exercitar diariamente essa condição de apreender conceitos e suas lógicas e aceitá-los ou não, também por meio de mecanismos lógicos e racionais.

A questão então é razoavelmente esta: igualar, na máxima potência, os argumentos da direita, num mix com vários conceitos que são oferecidos numa bandeja, que desembocam em reivindicações das mais variadas. À medida que esse discurso, com esse mix de conceitos, ganha sociabilidade e penetra a consciência social, há uma tendência em acreditar que suas premissas são verdadeiras.

Para isso, um elemento muito importante nessa construção é a mistificação da história, com a perversão das premissas, num confronto dialético que impõe, por parte de quem tem o interesse em fazê-lo, uma nova retrospectiva que garante a ontologia nova das premissas.

Na verdade essa parece ser mais uma questão de empatia do que de lógica ou qualquer forma de racionalidade. Vejamos o caso emblemático do julgamento de Sócrates, na Apologia escrita por Platão. Sócrates, que procede à sua própria defesa pública, consegue provar com argumentos lógicos que não há nenhuma imputação contra ele ou, de modo mais fundamental, demonstra que as acusações não tinham sustentação nem evidências concretas. No entanto, seus acusadores, no afã de levá-lo à condenação, por razões políticas e outras mais, conseguiram seu objetivo com a condenação à morte, criando um clima de empatia necessário aos seus propósitos.

Não importavam, portanto, que os argumentos racionais mostrassem aos inquisidores a verdade sobre os fatos, o que importava era o jogo de cena que legitimasse institucionalmente o julgamento, a condenação e o veredicto.

Assim, quais são os argumentos que possam sustentar que a educação, ou mais ainda, uma boa educação oferece condições para que o cidadão, bem formado, tenha como princípio o raciocínio lógico, seja ele construído a partir de dialéticas diversas?

O que há de errado nesse processo? Temos de pensar muito no que houve e no que está havendo, porque há duas hipóteses: ou essa formação é totalmente dirigida, ou a formação independe de interesses de classe.

Formulando a questão.

Se a princípio, a formação que essas pessoas recebem em sua trajetória formal de educação é igual, especialmente nas melhores universidades, ao restante dos formados, como pode ser dirigida a ponto de criar um quadro de perversão histórica e lógica, que desemboque na fúria ilógica das camadas intermediárias e trabalhadores?

Fico com a segunda hipótese. Isto é, a formação adquirida nos bancos escolares e acadêmicos pode não fazer diferença quando o que está em jogo são os interesses de classe e não a lógica ou a história, porque ambas ficam submetidas às condições reais e materiais da classe a que se pertence. Não se trata aqui de uma adesão formal e necessária, como os socráticos pensavam, quando o pensamento era dirigido, inexoravelmente, para a verdade, mas de outra racionalidade, que a princípio parece se apresentar de forma irracional, porém, é representativa de um modelo de relações sociais de poder que mantém a estrutura de poder conforme as expectativas dessas camadas médias.

A verdade, aqui, está condicionada aos motivos históricos de interesses e de forças que dominam com o poder político, a continuação dos próprios interesses que contribuem para a consolidação de sua posição social. Como se trata de uma pseudo-classe social, uma vez que ela só se sustenta como camada de trabalhadores especializados, técnica e cientificamente, seus interesses, em grande medida, se confundem com os interesses das verdadeiras classes dominantes - os capitalistas associados.

A educação formal, neste caso, não pode suplantar a lógica que move a própria classe dos capitalistas e, como camada intermediária de trabalhadores especializados, bem remunerados, seus intentos se movem na direção daqueles que exercem o real poder econômico. Assim, sua lógica e sua história são tomadas por empréstimo dos capitalistas e são mais eficazes em defender esses princípios do ponto de vista político.


Assim, a educação nesse caso, não pode ser a resposta definitiva para a compreensão dessa questão em jogo.  

sexta-feira, 13 de março de 2015

Nação infantilizada. Nação Embrutecida. Civilização Escravagista

Por Atanásio Mykonios

Nestas ocasiões de mobilizações e de tempos alvoroçados em que vivemos no Brasil, é possível notar que ainda estamos longe de alcançarmos uma autonomia social que nos propicie, ao menos e sem muito sonho, cumprir com aquele projeto civilizador e modernizador que o capitalismo nos impusera há tempos.

Há um clamor, que beira à histeria, por uma espécie de intervenção militar, forjada na fênix brasileira que ressurge sempre que as camadas médias não sabem pegar em armas nem querem fazê-lo, mas exigem que seus privilégios de capatazes da Senzala sejam respeitados.

Por outro lado, essas mesmas camadas, absolutamente cegas pelo ódio, pregam a livre iniciativa, a plena liberdade de ir e vir, creem no capitalismo absoluto sem qualquer intervenção do Estado-nacional, promulgam um Banco Central independente, são a favor da privatização como o caminho mais adequado para a economia, são visceralmente contra qualquer forma de corrupção, querem melhores salários, melhores escolas privadas para seus filhos, melhores condições de moradia e segurança, um mundo que lhes é parcimoniosamente favorável.

No entanto, clamam aos céus para que os militares intervenham no cenário político para destituir o governo. Pois bem. Tem-se a impressão de duas coisas, a meu ver.

Primeira, parece que voltamos ao colo da mãe, em que essas hordas se sentem desamparadas para poderem viver livremente as suas relações sociais, marcadas por crenças herdadas da escravidão, do autoritarismo, do racismo e da moralidade religiosa. Isto é, a liberdade de mercado que tanto almejam só é possível com a intervenção militar.

Em segundo, tratam os militares como se fossem uma instituição fora do conjunto de instituições do Estado-nacional. É como se fossem os guardiões de uma parte dos interesses e não dos interesses em geral desse Estado-nacional. Consideram as forças armadas uma entidade supra-histórica com valores acima do bem e do mal.

Essas camadas estão reivindicando o que parece estar na raiz de sua formação, não aceitam de forma alguma outra perspectiva que não a de revogar o próprio jogo que participaram e de fato, os calabouços da ditadura foram novamente abertos e seus fantasmas irromperam livres e parece encarnarem nessas camadas médias e as elites.

Convenhamos, nem o racismo, nem a segregação, nem o ódio, nem o cinismo, nem os privilégios foram eliminados da consciência social dessas camadas médias. Está aí de volta, sempre com uma espécie de novo frescor, que associa uma série de elementos da nossa civilização, como a violência, o extermínio, o autoritarismo, a perseguição, o intervencionismo.

O que essa gente deseja é que haja liberdade apenas para ela mesma, garantida pela força das armas, se possível. Com os devidos sortilégios jurídicos que afastem os pobres das suas ruas e de seus passeios matinais.

A civilização capitalista tem dessas coisas mesmo! Não consegue eliminar, de forma alguma, as diferenças, por mais que a outra parte da sociedade insista em que determinados direitos sejam conquistados e que se tornem parte da civilização brasileira e do capitalismo. A igualdade que almejamos não é possível sob um sistema segregacionista por natureza.

E some-se a isto o fato histórico de que determinados privilégios não são de classe, mas de castas, como se as castas tivessem o direito natural e inalienável de exercerem seus privilégios, esquecendo-se de que se trata de um processo de exploração a partir do modo de produção.

Creio que essa histeria revela a infantilização de nossa civilização, que exige direitos, mas não consegue exercê-los se não tiver o apoio da força como autoridade patriarcal e castradora. Não nos esqueçamos de que, em grande medida, a noção de força e segurança são intimamente ligadas à doutrina do inimigo que muito bem é disseminada nas forças armadas e nas forças policiais.


A nossa modernização ainda não veio e diante do colapso geral da modernização, como Robert Kurz apresenta, seremos uma daquelas sociedades em que colapsaremos sem ter tido a oportunidade de experimentar algumas das liberdades que as grandes economias já viveram e que também estão em decadência. 

quinta-feira, 12 de março de 2015

Sem perder o discernimento


Por Atanásio Mykonios

Eu entendo essa indignação. Quero que haja possibilidade de uma reflexão e uma crítica para além dos ânimos acirrados em que estamos metidos. O fato de a esquerda ter fracassado no que tange à sua ida ao poder estatal-nacional ou regional, não pode fazer com que abdiquemos de todo o arcabouço teórico, crítico e experencial que temos. Todos os erros que especialmente o PT cometeu, que estamos agora pagando, deve fazer com que tenhamos o discernimento para saber que muitas das causas foram abandonadas, mas nem por isso devemos abandoná-las. No fundo, as três grandes correntes da esquerda - Anarquismo, Comunismo e Socialismo, têm como um projeto o fim da sociedade produtora de mercadorias, a sociedade da exploração do tempo de trabalho, a sociedade do trabalho morto. Estamos às voltas, como no mundo inteiro, nos revoltando contra o Estado-nacional, mas não fazemos nada acerca do que realmente interessa. Os capitalistas, associados em anéis de influência, atuam sobre os Estados de uma forma política extremamente eficiente, cercam o Estado e o fazem realizar o que realmente lhes interessa. Se há um caminho para o fim desse sistema, de uma forma ou de outra, passa pelas esquerdas, porque são as únicas que têm ainda cabedal crítico para fazê-lo. Por isso, a crítica e a indignação ao que o PT fez é importante e deve se aprofundar, para que não percamos aquilo que nos mobiliza, o fim da exploração.

Pafúncio, o cretino

Por Atanásio Mykonios


Pafúncio o cretino se cansou, ficou cansado, cansou. Tomou uma decisão drástica, precisava de coragem para tomá-la e a tomou. Não foi com vodka nem com energético. Pafúncio, o cretino estava exausto de tanto pensar. Então, como numa iluminação, resolveu deixar o seu cérebro no armário. Ele precisava de um descanso, afinal, seu cérebro o acompanhava a vida toda e não o deixava em paz. Para onde ia, era obrigado e levar consigo aquela massa cinzenta que não prestava para muita coisa, ao contrário, criava-lhe muitos problemas diários. Sem contar aquele peso imberbe que em muitas ocasiões lhe causava dores horríveis.

Pafúncio, o cretino, não sabia para que servia aquela coisa que tinha dentro de si, parecia um corpo estranho. Muitas vezes procurava o cérebro e não sabia onde ele estava, até que um dia lhe disseram que se encontrava no interior de sua cabeça. Ele ficou espantado e, porque não dizer, horrorizado. Ele chegou a pensar que seu cérebro se situava dividido entre os dois joelhos. Passava horas diante do espelho a olhar para os joelhos e não via nada além dos próprios joelhos.

Pafúncio, o cretino, não entendia para qual finalidade o cérebro estava dentro dele. Todos os dias alguém lhe dizia que era preciso nutrir o cérebro com coisas boas e de preferência leves. Ele passou a comer isopor uma vez a cada semana, imaginando que seu cérebro poderia flutuar e quem sabe até escapar por uma de suas orelhas, ou pelo ânus, ou até pela boca. Mas nada acontecia de verdade. Seu cérebro era uma massa invisível. Ele não via o que pensava nem pensava no que via.

Numa tarde em que foi tomado de profundo êxtase celestial, teve a ideia genial que guardar o cérebro no armário e sair pelas ruas empunhando a bandeira da liberdade. Ele poderia andar pelas praças, flutuar, dormir, comer, mas principalmente, ele deixaria de pensar. Pensar para Pafúncio, o cretino, era uma operação de grande envergadura e quase sempre os resultados era pífios e obsoletos.

Na verdade, para fazer o que fazia com esmero não precisava pensar, seu cérebro era uma grande a redonda inutilidade. Bastaria que aquela coisa saísse dele, assim quem sabe ficaria mais leve e mais flutuante.

O cretino procurou um lugar no armário para deixar o cérebro. Mas por um instante, ficou deveras preocupado porque poderia esquecer onde haveria de ter deixado o seu próprio cérebro e aí o que aconteceria com ele? Por via das dúvidas, não seria melhor carregar seu cérebro numa maleta para não esquecê-lo no armário? E se sair sem o cérebro ele se desse conta de que não saberia mais voltar para a casa?

Mas ele estava decidido a tirar seu cérebro e anda por aí, sem lenço, sem documento e sem a sua mais pura inutilidade. Ele teve de pensar como tirar seu cérebro de si mesmo. Foi tão dolorido esse processo que ele não parou de pensar. Percebeu que de tanto pensar, ele pensava. Isto o aterrorizou, fez com ele entrasse em pânico, porque agora ele podia pensar em como se desfazer do seu pensamento e do seu cérebro. Já não sabia se ele tinha medo de pensar ou se o problema estava no cérebro que carregava seus pensamentos.

Ele tinha se esquecido de como era não pensar, de tanto pensar. Pafúncio, o cretino, foi bombardeado por uma série de pensamentos que vinham de todas as partes. Das partes de cima, das partes de baixo, das partes de fora e de dentro. O mundo para Pafúncio, o cretino, já não era o mesmo. Agora ele podia pensar e isso o revoltava imensamente. A vida sem o pensar lhe parecia agradável.

Sua última e drástica atitude foi consultar o oráculo. Ligou a TV e a TV não pensava. Ele, Pafúncio, o cretino, por um instante se sentiu confortável em saber que seu oraculo não pensava, quem sabe ele estivesse sonhando que estava a pensar! Mas eis que ele se lembrou de que fora obrigado a pensar para poder guardar o cérebro em segurança. Foi então que o oráculo o pegou em flagrante delito.

A TV percebeu que Pafúncio, o cretino, havia cometido o crime de pensar. Imediatamente, Pafúncio, o cretino, tentou esconder que havia pensado, mas já era tarde, fora pego com a boca na botija. Não havia mais o que fazer.

Pafúncio, o cretino, tentou se esconder, se esquivar, tentou fingir que nunca havia pensado, mas a TV sabia de tudo, ela sondava tudo, desde o mais recôndito pensamento até a idiotice de Pafúncio, o cretino. Não havia mais onde se esconder. A TV então condenou Pafúncio, o cretino, a passar a eternidade sem memoria, para que nunca mais pudesse pensar que um dia havia pensado.


E assim, o dia acabou, a noite acabou, a TV ficou ligada e Pafúncio, o cretino, voltou a ser o que era. Pafúncio, o cretino.

terça-feira, 10 de março de 2015

Esquerda e Pacifismo. Gandhi nos inspira!

Por Atanásio Mykonios


Houve uma época em que as esquerdas ou os vários grupos de esquerda tinham uma prática e um discurso muito mais beligerante do que hoje. Lembro-me da época em que empastelaram a cara do então Ministro José Serra em Fortaleza, no Ceará. Lembro-me do tempo em que as manifestações de rua traziam palavras de ordem como “Fora FHC”, “Abaixo o FMI”, “Reforma Agrária Já”, etc. Lembro-me ainda daquele tempo em que a juventude dos partidos tinha discursos muito mais raivosos que a direita que hoje bate panela e xinga a presidente Dilma.

Lembro-me ainda de bandeiras queimadas, de gritos de ordem, de discursos inflamados que ameaçavam invadir bancos e latifúndios. A revolução parecia estar sempre no horizonte de uma parte da esquerda. A história parecia que se realizaria conforme o processo social e a dinâmica levassem a uma mobilização das massas.

Muitos não escondiam que lutar contra os capitalistas era também lutar contra o Estado-nacional e era preciso serrar fileiras para combater a exploração e o imperialismo. O problema social era tratado como uma consequência da exploração do capital e das corporações sobre os trabalhadores. Fome, desemprego, violência, abandono, crime, prisões lotadas, eram todos problemas causados pelo capitalismo e sabíamos que era necessário enfrentar o sistema e superar essas mazelas.

Motivadas pelo fim da ditadura, as esquerdas se reorganizaram e era o momento histórico, nos anos 1980, de reconstruir o país em bases sociais e populares mais sólidas, tendo como herança as lutas recentes do povo.

Respirava-se um ar de insurgência contínua. Estávamos sempre na expectativa de que algo aconteceria e que os governos seriam derrubados pela ação popular.

Atos de subversão eram sempre bem-vindos, sem muito constrangimento. Sabia-se, de alguma forma, que não era possível enfrentar os canhões e os dólares com flores e poesias, era preciso se preparar para o confronto que inevitavelmente ocorreria.

As classes médias viviam, de certa forma, com medo, acuadas. Ainda me lembro do alvoroço criado no período em que Fernando Collor de Mello havia sido eleito, empunhando a bandeira do medo, aquele medo de que o PT pudesse fazer a distribuição dos bens das camadas médias. Naquele tempo, pouca gente conhecia o PT por dentro, mas a imagem que ele transmitia era bem mais eficaz do que a sua própria realidade.

Era o partido da transformação. Chegou a aglutinar quase todas as esquerdas sob sua bandeira. A hegemonia de sua capilaridade lhe deu uma vantagem sobre as estruturas, de certa forma, arcaicas dos partidos mais históricos que o próprio PT.

Em todos os lugares, nos bares, nas reuniões de sindicato, nos partidos, nas comunidades de base, nas associações, nos grupos de arte, respirava-se a esquerda e a mudança, a transformação fazia parte do nosso ideário. Havia um espírito do tempo que nos mantinha acesos e nos impulsionava a que novos tempos seriam possíveis.

Muitos não teriam coragem de pegar em armas, mas sabíamos que a revolução certamente seria o caminho para o fim daquele mundo de opressão. Naquele tempo, ainda, muitos queriam as liberdades que eram já experimentadas no norte do mundo, especialmente na Europa e nos EUA. 

Queríamos liberdade para sermos felizes, fazer sexo, fumar, escrever as nossas peças de teatro, nossos poemas ao ar livre, queríamos educação e saúde e bem-estar para todos. No fundo, uma parte de nós só queria era acabar com o controle rígido e moralizante sobre a sociedade, as grandes teses sobre o capitalismo eram debatidas de forma muito superficial, mas sabíamos que havia injustiças na concentração da riqueza e na distribuição desta riqueza e isto parece que nos bastava à época para agir.

Não conhecíamos o sistema capitalista por dentro, apenas a sua casca.

O importante era que estávamos na luta, de uma forma ou de outra. Eu escrevia peças de teatro que tinham um cunho crítico sobre a política. Queria enfrentar a censura e poder dizer que havia sido censurado de alguma forma.

Além disso, todos os políticos que exerciam seus mandatos sempre pareciam corruptos, ineptos, serviçais, mentirosos e a mando dos grandes barões do capital. Os picaretas tinham de ser derrubados a todo custo. Nossa indignação era justa e sabíamos que estávamos certos em denunciar com todos os pulmões e se possível com as palavras de ordem que nos caracterizavam.

Havia a certeza de que a esquerda poderia fazer melhor.

Em alguns grupos minúsculos certos posicionamentos ainda estão muito vivos ainda hoje. Nesses grupos, quase sem expressão social ou política, que se agrupam em pequenas células, que mantêm a estrutura hierárquica muito centralizada e autoritária, ainda é possível presenciar discursos inflamados contra o Estado e contra a burguesia, com requintes de pura ameaça com ações de grande impacto.

Se essa gente que bate panela e desfila com a bandeira nacional pudesse presenciar uma das reuniões desses grupos se sentiria como freiras em conventos de clausura.

Sempre houve quem tentasse conter ou escamotear o discurso e posicionamento das esquerdas com medo de que pudessem afetar os ânimos das camadas médias e de alguns grupos que tinham papel estratégico na luta política. Não se falava em revolução de forma tão aberta como hoje os de direita vaticinam com a maior facilidade, pedindo naturalmente uma intervenção militar. Mas a revolução estava no horizonte, sempre.

Eis que uma mudança absurda ocorreu.

Agora, as esquerdas estão quase acuadas, ou acuadas por completo. Procuram se defender dos ataques raivosos de grupos que ainda não têm uma articulação orgânica (ao menos por enquanto). Às vezes, vejo tanta gente da esquerda assumir o discurso pacifista contra as ações beligerantes de grupos prestes a cometerem verdadeiros massacres em praça pública, que fico a pensar se mudamos de lado ou se isso não passa de um esquecimento cínico de nossa própria história. Esquecimento que nos custa a nossa identidade.

A esquerda está horrorizada com a truculência desse pessoal que está com muita raiva. Até parece que Gandhi é quem inspira a esquerda a assumir essa postura de “paz e amor”, medindo as palavras, contendo as raivas, dando o exemplo de equilíbrio. Abdica da sua real condição de enfrentamento, para pedir que todos tenham parcimônia e que se manifestem no estrito âmbito da lei e da ordem.

Agora exigimos que a direita, sempre ignorante de sua própria condição e da história, leia e se forme para poder debater em alto nível com os intelectuais e teóricos das esquerdas. Agora o debate à moda grega nos interessa, com argumentos, com lógica, com a força da retórica e com o arcabouço da teoria a nos defender.

É bem verdade que essa gente não sabe o que está acontecendo no mundo nem em seu próprio bairro.
Até mesmo gente que está do lado de “lá” observa que o “ódio” ganhou as ruas, as elites e as camadas médias contra o PT. Mas se eu me lembro bem, nosso ódio contra a burguesia não era diferente.

Então o que mudou? Fizemos a revolução e agora somos todos iguais? Fomos nós que nos convertemos ao pacifismo e a direita oposicionista é que deseja mudar e puxar o tapete, utilizando dos recursos mais horripilantes contra a legitimidade política, enquanto nós somos os fieis defensores da ordem e do estado de direito?

Agora a esquerda está na defensiva. Aliás, durante mais de um século, especialmente nos países centrais do capitalismo, esteve na defensiva, os sindicatos, os partidos, e mais recentemente os movimentos. A parte hegemônica da esquerda que chegou ao nosso Estado-nacional em 2002 foi toda tragada para dentro do próprio Estado e agora está encastelada nele para defender o indefensável.

Essa defesa e essa pretensa autodefesa contra a horripilante e crescente onda de virulência, praticada pelas hordas desorganizadas que a direita põe nas ruas e nas redes sociais, é de uma condição patética.

Quem viesse de Marte e pousasse aqui em nossas terras, talvez ficasse impressionado com a inversão de papeis que mais representa uma perversão da história. A esquerda com medo, tornando-se, cada vez mais, parecida com aquelas senhoras de 1964 e a direita não-institucional assumindo as raivas e a dores da esquerda.


Para garantir o mínimo conquistado do ponto de vista social, dentro do capitalismo de desenvolvimento e de bem-estar social esse liberalismo social tardio, estamos acuados e sofrendo da Síndrome de Estocolmo. 

domingo, 8 de março de 2015

Um recado mais aos homens do que às mulheres

Por Atanásio Mykonios

Seria mais honesto que neste dia, ao invés de somente elogiar as mulheres, reconhecer que há uma série de injustiças, mazelas, opressão, violência, contra todas as mulheres. Contra aquelas que lutam, contra aquelas que não se comprometem.

Seria mais justo se cada um reconhecesse que ainda somos uma sociedade cujo poder é masculino, os sistemas políticos, a estrutura econômica, nossas religiões, enfim, o mundo é masculino, masculinizado e estruturado para o poder do masculino.

Até agora, não foi possível derrubar e destruir este poder que é estrutural e sistêmico. É preciso, portanto, apreender as forças sociais e políticas de dominação que estão na raiz de todo modo de exploração contra a mulher, desde o seu nascimento até a sua atualidade.

O capitalismo aprofunda essa desigualdade de poder, aumenta a exploração sobre as mulheres, segrega-as conforme a organização social, conforme a cultura que nos dá em parte a nossa própria face de domínio.

A herança escravagista está entre nós e em nós. Submetemos as mulheres à lógica da dominação do corpo, por meio da ideologia da Casa Grande sobre a Senzala. Ainda vivemos em um ambiente em que possuir a mulher é como possuir gado, ovelhas, cabras, cavalos,  bois e mais atualmente, como possuir um carro ou um negócio. Estuprá-la para muitos é apenas um detalhe na filigrana da dominação.

Os homens, especialmente neste país, se valem de seu poder político e econômico para imporem, sob o manto de discursos religiosos e morais, o escárnio sobre a existência feminina, impondo-lhe toda sorte de controle social e controle econômico, colocando-a sob um tapete quando lhe interessa e utilizando de um discurso anacrônico para garantir mais direitos e submissão.

Há uma regressão observada a olhos nus. A crise do capitalismo que nos leva a uma crise das formas de poder político, cria uma espécie de campo de batalha em que este homem, com seu poder masculino sobre o mundo, atua de forma a esmagar qualquer avanço legítimo de confronto para os direitos e para a igualdade.

A moralização da sociedade brasileira, por meio do que há de mais nojento e abjeto, tendo como arautos os que mais praticam a violência com seus discursos de ódio e manipulação, encontra um campo fértil até mesmo entre contingentes aparentemente esclarecidos, mas que promovem a perseguição e o ódio contra até mesmo as mulheres que lhes deram a vida.

No trabalho ou em qualquer outro lugar, os olhares masculinos servem para manter a presa sob o controle, como se as mulheres só pudessem circular e viver em uma espécie de grande campo de concentração social.


A democracia sexual só será possível no momento histórico em que essas estruturas de dominação e o sistema capitalista forem destruídos por completo e que formos capazes de construir, a partir dos nossos próprios escombros, uma nova forma social em que a mulher não esteja sob o tacão econômico, religioso, cultural, político, ou de qualquer outra natureza, que grassa hoje e que é, sob todos os aspectos, a vergonha de nossa civilização.