Por Atanásio Mykonios
Os
meios de comunicação, insistentemente, procuram apresentar uma tese que se
mostra falaciosa. A estratégia desses organismos de comunicação é a de defender
um falso dilema na sociedade capitalista. Qual seja, o de ter o direito ao
trabalho. De maneira geral, a defesa se concentra contra os movimentos sociais
e os movimentos paredistas, isto é, contra as greves em pontos estratégicos da
fábrica social do valor. A circulação do valor deve prevalecer sobre todos os
demais direitos. No entanto, esse princípio é tornado totalmente invisível e o
que surge é uma espécie de política oficial do sistema, uma ideologia
consistente que defende, o direito de ir r vir de cada cidadão – o direito inalienável
dos sujeitos de circularem, mas circularem com que escopo? A cidadania se fixa
no âmbito da pura individualidade e a liberdade a que se referem esses meios de
comunicação não passa de uma obrigação para o trabalho. Marx, em sua obra Sobre a questão judaica, deixa claro o que
significa a liberdade na sociedade burguesa.
A liberdade equivale, portanto,
ao direito de fazer e promover tudo que não prejudique a nenhum outro homem. O
limite dentro do qual cada um pode mover-se de modo a não prejudicar o
outro é determinado pela lei do mesmo modo que o limite entre dois terrenos é
determinado pelo poste da cerca. Trata‑se da
liberdade do homem como mônada isolada recolhida dentro de si mesma. Por que o
judeu, segundo Bauer, é incapaz de acolher os direitos humanos? (Marx, 2010, p.
49)
O
homem abstrato é uma condição essencial para que o trabalho abstrato se torne
condição para a exploração em geral. Por outro lado, nesta sociedade em que os
interesses se tornam indiferenciados, por uma parte, e fragmentados por outra,
a noção de vinculação aos demais “cidadãos” é um exercício de ficção, uma vez
que a luta pela sobrevivência dos trabalhadores os empurra para uma competição
absurda e fratricida entre si. Na mesma condição estão os produtores que se
veem impingidos a produzirem para o mercado e só para o mercado, e que precisam
do trabalhador para assegurarem o constructo do valor.
No entanto, o direito humano à
liberdade não se baseia na vinculação do homem com os demais homens, mas, ao
contrário, na separação entre um homem e outro. Trata‑se
do direito a essa separação, o direito do indivíduo limitado, limitado a
si mesmo.
A aplicação prática do direito humano
à liberdade equivale ao direito humano à propriedade privada. (Marx,
2010, p. 49)
A
liberdade, mais uma vez não diz respeito ao indivíduo que não possui nenhuma
predicação, para ser o que é como indivíduo. Refere-se, substancialmente, a uma
liberdade que não se encontra nas mãos desse indivíduo, mas nas mãos de um
fantasma social que rege a estrutura e as relações sociais vigentes, relações
de exploração. Todos serão iguais sob o teto do sistema capitalista deste que
cumpram em serem livres para serem explorados ao máximo.
Restam ainda os outros direitos
humanos, a égalité e a sûreté. A égalité, aqui em seu
significado não político, nada mais é que igualdade da liberté acima
descrita, a saber: que cada homem é visto uniformemente como mônada que repousa em si
mesma. (Marx, 2010, p. 49)
Essa
liberdade se refere a uma coerção social que dita a regra fundamental do modo
de produção do capital numa escala em que o processo de produção de valor não
pode ser interrompido por nenhuma reivindicação particular, por parte dos
trabalhadores ou até por quem está à beira do abismo social. Eis que, num
sentido estrito, a segurança é o elemento constitutivo do direito à produção e
à propriedade privada. Os trabalhadores não podem impor sua condição de
explorados, a não ser como fonte de benevolência daqueles que atribuem ao
Estado a função de dirimir contendas de negócios.
A
segurança promovida pelo Estado é clara. Tem função clara. Exerce papel claro
nas suas atribuições diante dos conflitos sociais. Serve, em primeiro lugar,
para garantir o modo de produção e para isso, é crucial que os trabalhadores
tenham condições materiais para chegar ao trabalho – ao lugar de produção. Isso
não quer dizer que o sistema providenciará meios de circulação adequados, o que
há por detrás desse processo, é a capacidade que as forças de segurança têm de
garantir que os trabalhadores continuem a trabalhar.
É
por isso que, via de regra, a polícia deve ser mobilizada para atender às
demandas da iniciativa privada, ou, da propriedade privada (em consórcio com aparatos
público-estatais), entendida aqui como o grande complexo de produção,
distribuição e circulação de mercadorias. O sistema não pode parar sob nenhuma hipótese,
é preciso empurrar os trabalhadores, forçá-los a produzirem, esmagá-los nos
trens, ônibus, vans, metrô, seja lá como for. Isto denota um aspecto
interessante, o fato de que o trabalho continua a ser crucial ao modo de
produção capitalista, apesar de este continuamente expelir o próprio trabalho.
Mais
uma vez, Marx aponta a questão da seguinte forma.
A segurança é o conceito social
supremo da sociedade burguesa, o conceito da polícia, no sentido de que o
conjunto da sociedade só existe para garantir a cada um de seus membros a
conservação de sua pessoa, de seus direitos e de sua propriedade. Nesses
termos, Hegel chama a sociedade burguesa de “Estado de emergência e do
entendimento”.
Através do conceito da segurança,
a sociedade burguesa não se eleva acima do seu egoísmo. A segurança é, antes, a
asseguração do seu egoísmo. (Marx, 2010, p. 50)
O
homem, aqui entendido, é a célula que faz a engrenagem funcionar, cuja perda de
sua própria autonomia é o sintoma de uma coerção sem medidas, em que a
escravidão moderna se apresenta, de forma que não há escolhas possíveis u plausíveis.
Nesse sentido,
qualquer tentativa de impedimento da circulação dos trabalhadores em direção ás
células de produção é e deve ser tratada como uma afronta deliberada. Nada pode
cortar a circulação e a produção, por isso, as forças de segurança, guindadas
pelos gestores públicos, estão cada vez mais atentas para qualquer
desvirtuamento da ordem sistêmica do capitalismo.
Assim,
quanto mais a crise se instaura em todos os quadrantes e quanto mais a
fragmentação dos trabalhadores se mostra visível, mais se pode observar que
algumas formas de atividade laboral se tornam fundamentais e estratégicas para
a manutenção do sistema, tanto quanto para a sua destruição. A massa imberbe de
trabalhadores sempre surge como vítima das greves, os mais humildes, os que
mais dependem dos transportes, por exemplo, e que constituem a imensa maioria
desse trabalhadores.
Também,
é por essa razão, que os meios de comunicação se esmeram em defender
obstinadamente as ações das forças de segurança, a manos que essas forças se
voltem contra esses meios de comunicação. Daí, o que aflora é o sentimento
corporativo, mas sem deixar de continuar com a lealdade que os caracteriza,
promovendo a apologia da violência e do terror contra os trabalhadores em
geral. Seja no seu extermínio, seja na brutalidade com que a polícia enfrenta a
reação dos trabalhadores nas ruas e avenidas, etc.
Instintiva
ou racionalmente, os meios de comunicação seguem à risca o que Marx coloca em
sua obra. Atuam sem constrangimento porque estão acima do valor humano, da sua
condição enquanto individualidade, uma vez que promovem o bem-comum não dos “cidadãos”,
mas é o bem-comum da sociedade produtora de mercadorias.
Portanto, nenhum dos assim
chamados direitos humanos transcende o homem egoísta, o homem como membro da
sociedade burguesa, a saber, como indivíduo recolhido ao seu interesse privado
e ao seu capricho privado e separado da comunidade. Muito longe de conceberem o
homem como um ente genérico, esses direitos deixam transparecer a vida do
gênero, a sociedade, antes como uma moldura exterior ao indivíduo, como
limitação de sua autonomia original. O único laço que os une é a necessidade
natural, a carência e o interesse privado, a conservação de sua propriedade e
de sua pessoa egoísta. (Marx, 2010, p. 50)
Esse
homem dito “egoísta” é a marca de uma sociedade que não encontra, na
atualidade, formas de engendrar um consenso acerca do entendimento para uma
ação coletiva sobre o modo e o processo de produção capitalista. E o Estado,
assim como as organizações da empresa, fornecem um quadro em que a manipulação
da verdade ocorre por meio da construção de uma falsa consciência,
transformando assim, a grande massa, em sócia da ação do Estado, que tem como objetivo
assegurar e garantir a produção e a circulação de valor.
Em
outras palavras, o trabalho não é um direito, é uma escravidão, uma
determinação imposta de fora para o “cidadão”, pois o verdadeiro direito
universal no capitalismo é assegurar a produção de mercadorias, seja lá de que
forma, com balas, bombas, algemas ou prisões.
Referência
Utilizada
MARX, Karl. Sobre a questão
judaica. Apresentação [e posfácio] Daniel Bensaïd; tradução Nélio
Schneider, [tradução de Daniel Bensaïd, Wanda Caldeira Brant]. São Paulo:
Boitempo, 2010. (Coleção Marx-Engels)