Por Atanásio Mykonios
Não podemos atravessar!
Não podemos atravessar! Não podemos sentar! Não podemos sentar! Um corpo está
em putrefação. Está posto no ambiente. Um ambiente qualquer. É um corpo com
moléculas, água, sinais de rugas e decomposição. De que se trata afinal? Um
corpo em matéria, a materialidade invisível. É uma cadeira que não se move, até
perder o sentido de sua presença. Morre e despenca, desmorona como o que
estamos a ver e a tocar. Em volta, outros objetos, coisas mortas e coisas
vivas. No centro o olhar. A cadeira e sua materialidade, presente como uma
desconhecida. Passam os respirares e as ventanias nos vácuos presumidos. Entre
os objetos, vazio. Entre os corpos, vazio. Entre os seres, vazio. Eis que essa
cadeira se torna o centro de um movimento estranho, alheado ao momento da vida.
Como é difícil perceber o modo como a vida ocorre, quando uma cadeira se torna
o centro. É tornada o centro da humanidade, por alguns momentos, duas mulheres
se entrelaçam num desconhecido movimento de aproximação e repulsa, em que
assumem a corporificação de outro corpo em decomposição. Eis que a dança
imprime sobre a cadeira uma espécie e mimese em que transfere à cadeira uma
corporalidade que não se encontra nela, mas nos corpos desconectados e
desconexos entre si e o mundo que está em pé. Por que estar em pé? O que nos
faz ficarmos em pé? E por que o mundo se deita? E por que o mundo desmorona? O
tema é inquietante, reverbera por todo o ambiente, as salas, os cômodos, as
janelas, o solar todo mergulha na obscuridade dos corpos e a cadeira se esvai.
Essa narrativa é própria de um tempo corroído e corrosivo, em que o olhar
parece não ver o que de fato vê, mas percebe algo. Sentir, neste caso, não pode
expressar a realidade dessa dança. É um ato a três, que envolve o mundo e o faz
delirar numa angústia contida, calculada, vomitada. É assim, o mundo calculado
e uma dança descalculada que calcula o mundo eu está por ser destruído. E
muitos ainda no creem que haverá um mundo a destruir, a cadeira é testemunha
silenciosa desse processo. As meninas, bailarinas, mas meninas, especialmente
pelo olhar que lançam sobre o ambiente, Aline Brasil, e Anna Behatriz o músico
Jeferson Leite, que na espreita de um músico, acaricia cada movimento daqueles
corpos que fazem explodir o silêncio do medo, eles me fizeram perceber que há
vida na morte e que há morte na vida, em todos os lugares e poros por onde
respiram as moléculas e as células de nossa frágil sociabilidade. Por isso,
atiro em direção a eles, quero eles possam dançar na praça, na minha casa, na
rodovia, no interior do supermercado, em qualquer lugar, até dentro da Capela
Sistina. Que seja!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado pelo seu comentário