Atanásio Mykonios
A necessidade,
na sociedade capitalista, perde seu sentido humano, apesar de o consumo ser destinado
ao indivíduo, o processo de produção não considera as necessidades dos
indivíduos. Não são as necessidades humanas que determinam a produção em geral e
sim a produção de mercadorias que determina a necessidade humana.
O homem, nem em
seu sentido social em geral, não se encontra na produção, não se reconhece no
processo de produção, o que surge, em seu lugar, são os mecanismos impregnados
de tecnologia e sua expressão é o mundo invertido, refletido no consumo. Daí
que o produto-mercadoria é mais importante que a necessidade humana no âmbito social
da produção de valor.
Da produção ao
consumo, perde-se o sentido histórico da necessidade, surge como fenômeno não a
necessidade humana, mas a necessidade do valor em se multiplicar, escondida no
valor-de-uso.
Os indivíduos se
veem como donos de sua própria necessidade, capazes, de ilusoriamente decidir
acerca de como, quando e o que consumir. Tomam para si a condução das
necessidades sem perceber que são conduzidos pelo mecanismo social da produção
de valor – a inversão social está posta.
Nesse sentido,
nada importa para o indivíduo a não ser satisfazer suas necessidades sem se dar
conta do processo em que ocorre a própria satisfação das necessidades. Ora, o
mecanismo de produção atual nos coloca num âmbito da abundância em meio a uma
expectativa de consumo ampliado, mas o que ocorre no início e na jornada da
produção não diz mais respeito ao indivíduo.
Os produtos
surgem como num passe de mágica, apenas isso. Curiosamente, esse modo de
comportamento diante da necessidade revela que toda forma de necessidade está
guindada pelo jogo de relações impregnadas de uma racionalidade que, ainda
segundo Marx, nos Grundrisse, fica
evidente a liberdade dos indivíduos, ainda mais notória quando as relações de
necessidade são postas, de tal modo que a inversão da consciência social de
cada indivíduo é estabelecida numa espécie de razão às avessas.
O pensamento
marxiano nos leva a considerar os aspectos da necessidade que merecem um
aprofundamento e ampliação uma vez que Marx analisa sob vários pontos no
interior do processo capitalista. Mas o aprofundamento das necessidades em Marx
deve nos levar a um estudo mais amplo no que tange aos aspectos que, de acordo
com Agnes Heller, são fundamentais para a compreensão da necessidade. O aspecto
antropológico, o ético e o político. O elemento importante é a perspectiva
política. Do ponto de vista ético não é a sociedade nem os indivíduos que detêm
o poder de determinar suas necessidades, mas estas são conduzidas pela produção
de valor. O consumo se torna a imediata condição do humano.
Isso implica uma
abordagem das formas políticas que se fazem presentes no mundo das necessidades
atuais. A questão ética em jogo não são as necessidades dos indivíduos, seu
egoísmo ou sua impenetrável vontade em satisfazer necessidades que beiram à
esquizofrenia. O problema ético é o fato histórico de que a realidade das
necessidades é condicionada por um fator externo e alienante aos indivíduos.
Isto requer uma atenta reflexão sobre o problema ético da necessidade, uma vez
que sob vários aspectos o problema se avoluma, os recursos materiais e naturais
apontam para a exaustão, o complexo jogo produtivo implica fragmentação das
condições de trabalho e o consumo adquire nova feição.
Ao atingir a
totalidade social, será possível compreender quais são as necessidades naturais
da naturalização do modo de viver em face a uma crescente crise do capital que
atinge globalmente a sociedade humana? Por outro lado, a crise ecológica
concomitante à crise do próprio sistema capitalista nos convida a um
aprofundamento da questão da necessidade que implica um estudo ético e, por
conseguinte, o enfrentamento político da sociedade, suas instituições e,
sobretudo, dos indivíduos lançados à própria sorte nesse processo social.
As instituições governam o processo de necessidades,
na perspectiva do fetiche social. Por isso não é exatamente um estudo
antropológico sobre a necessidade e sim, esse estudo tem como objetivo estudar
o aspecto político relativo ao processo de produção de valor e das condições em
que a necessidade ocorre.
O conhecimento da sociedade é a consciência
histórica que é adquirida pelos indivíduos como totalidade das relações
sociais, que transcende o mecanismo das relações particulares e atinge o grau da
apreensão do todo. Lukács desenvolve um estudo conjuntural sobre a consciência
de classe e a consciência histórica e neste aspecto, quanto ao modo em que se
dá a inversão do processo de necessidade na atualidade. As formas sociais
adquiridas pelo capitalismo e sua consequente forma alienante atinge a
necessidade como categoria social.
A consciência de classe, por outro lado,
é o elemento, segundo o qual abarca a história no processo total. A totalidade
das relações sociais e do mecanismo do capital são elementos que devem ser
apreendidos a partir da totalidade do sistema e nele engendrada a consciência
da classe, que historicamente deve assumir o protagonismo de sua ação para
afirmar-se como o próprio processo do real.
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