Atanásio Mykonios
A sociedade tem presenciado uma série de mazelas no âmbito da política institucional. Em público parece que ninguém se dispõe a defender malversações do erário. Não seria preciso enumerar os escândalos de políticos e de partidos. Inúmeros casos que envolvem políticos das mais diversas correntes infestam os noticiários, aludindo a um mundo obscuro de falcatruas, mamatas, tráfico de influência, exacerbação do poder, mentiras. A dimensão da corrupção no Brasil parece que ainda não está bem calculada, mas tem-se a impressão de que tudo está corroído pelos interesses pessoais e corporativos. De outro, o senso-comum tem a noção de que os partidos políticos servem como uma escada para interesses particulares-privados e contrariamente, os estatutos dos partidos políticos são uma carta de boas intenções em favor da justiça, da igualdade e da fraternidade. Aparentemente as pessoas se escandalizam. Muitas são instadas a uma carreira política sem qualquer participação na própria vida partidária, não têm história, têm imagem e espetáculo como recurso social à ascensão ao mundo da política profissional. Os partidos vivem uma rotina apartada da própria sociedade, reúnem-se em momentos muito singulares da agenda eleitoral, arregimentam militantes para tornarem o espetáculo mais qualitativo do ponto de vista da imagem dos candidatos. Os partidos estão à deriva! Tornaram-se partidos eleitorais e não mais partidos políticos, comprometidos que estariam com a vida e a formação sociais. Esta constatação representa um dos fundamentos sociais da nova política brasileira. Isto não explica tudo, evidentemente, não pode dar conta das manobras constantes entre os poderes institucionais do Estado no seu próprio interior.
A meta dos partidos é a chegada ao poder. Este poder, no discurso oficial da nação, requer que seja dividido entre as forças sociais, mas isto é apenas um paradigma que está solto no tempo e esquecido nas gavetas da falta de memória do mundo político. O Estado está constantemente em jogo, é a este que se refere o poder. A questão mais importante para o Estado é a gestão dos recursos. De um lado o inchaço da estrutura administrativa e executiva do estado, de outro, a necessidade de transformá-lo em um canal para realizar obras em favor do capitalismo. A reprodução do modelo capitalista é um fundamento invisível do estado. Os pobres se convenceram de que o Estado deveria lhes proteger da ferocidade das corporações capitalistas. O próprio Estado admite para si esta função social, especialmente na América Latina, cuja tradição católica e de uma esquerda cristã reverte a perspectiva do estado para uma ação social assistencialista, precarizada e profundamente paternalista.
O contexto atual revela uma perda substancial da ação política. Acreditávamos que ela poderia nos dar mais que respostas, conseguiria amenizar os conflitos e rumar para a diminuição das desigualdades sociais e econômicas, exatamente porque seria mais que um freio à voracidade capitalista. Isto indica que o Estado teria a tarefa de patrocinar a democracia, mas como o Estado se tornou uma entidade teratológica, distante do mundo real, torna-se impossível desejar que este tenha algum papel que não seja o de regular um certo ordenamento em seu favor e em valor da coerção social do trabalho, substancia do valor
Na Grécia antiga a política acontecia em um ambiente no qual a economia, a produção, a sustentação social se dava pela capacidade produtiva da massa de escravos que dava o suporte para que a aristocracia social exercesse seus direitos políticos. A política, na Grécia clássica, de certa forma, era praticada por uma elite que tinha suas questões materiais de sobrevida em condições equilibradas e controladas, uma auto-sustentação que devia aos escravos sua força e que mantinha uma certa regularidade no processo social pela segurança que o sistema propiciava. Uma política da reprodução social do próprio modelo em favor das aristocracias ou das minorias racistas helênicas.
Não é o que parece ocorrer no mundo atual da política brasileira. A economia subsumiu, há muito, completamente a política. A política parece exercer um fascínio à medida que cria a fantasia de que é possível atualmente barrar a estrondosa avalancha da crise social do capital. Ela se move em direção aos interesses da produção, do consumo, do ordenamento jurídico que determina a continuidade e a reprodução do modelo social capitalista. Mas não há garantias suficientes como há 2,5 mil anos, quando a Grécia experimentava um sistema escravagista sem grandes conflitos internos.
A sociedade insiste em que o problema das mazelas da política é de ordem moral. A crítica contra a corrupção política encontra seu terreno fértil no campo da subjetividade que institui uma responsabilidade individual aos atores políticos, quando considera aspectos subjetivos do mundo da política, como se tudo estivesse na circunferência de escolhas pessoais e que a mudança de leis seria o caminho mais favorável para barrar o caos político e a indiferença quanto aos interesses e problemas sociais, ou no sentido de aprofundar mecanismos de punibilidade, evitando a impunidade em escala geométrica.
A sociedade parece não perceber que um ciclo histórico-social se fechou. O poder da política tinha seus efeitos positivos no que concerne a barrar a avidez da economia capitalista enquanto o sistema não atingia seu espectro instantâneo e simultâneo – a globalização. Os interesses políticos se dissolvem no espectro volátil do mundo financeiro. Agora não é mais possível imaginar um corpo político rígido capaz de submeter-se à vontade popular, mesmo porque o mundo social está fragmentado, de modo que a sorte das minorias está particularmente voltada para questões econômicas de mobilidade no interior do sistema.
A violência política é mais uma das faces da violência que nos atinge como doença social que se alastra rapidamente, mas a atinge de forma peculiar, uma vez que os problemas políticos estão todos no sentido de serem enfrentados como mecanismos de proteção ao próprio sistema. A corrupção favorece o capitalismo, assim como a pretensa máscara da não-corrupção. Não é a política que cria a agenda social, mas, ao contrário, é a economia que impõe uma agenda à política que se torna, em muitos casos, apolítica. Assim como em outras instituições sociais, os políticos ainda continuam a crer piamente que sua ação é das mais relevantes para o mundo e para a organização social, pois crêem na possibilidade da honra da política que, via de regra, está completamente perdida e desmoralizada. Tenta-se, no entanto, frear as condições avassaladoras do modelo social do trabalho, do valor e da mercadoria. O fetiche do Estado é um dos mais permanentes em nossa formação contemporânea, a arquitetura social requer de cada um o esforço de compreender que tanto a política quanto o Estado servem ao modo pelo qual pode se manejar a economia com uma certa ética distributiva, legitimando o esforço coletivo em favor da sociedade do trabalho e do acúmulo do capital, que favorece direta e indiretamente o próprio Estado. A banalização e a mediocridade políticas, a queda do nível intelectual dos políticos, a falsa importância e o cínico interesse demonstrado pelos meios de comunicação de massa, reforçam a idéia de que a política deve ser tratada apenas como um caso de polícia, colocando os corruptos em uma jaula blindada e com isto, seríamos capazes de criar uma segurança para gerirmos com honestidade os negócios do Estado, pois é disto que se trata.
É muito difícil reconhecermos que a política sucumbiu ao capitalismo em sua totalidade. Os casos e exemplos se multiplicam aos montes. O poder executivo transformou-se em um cofre público, um banco cuja função é negociar “politicamente” os recursos que pertencem ao trabalho-valor da sociedade em geral. Precisa de mais recursos para gerir e distribuir, sustentar os trabalhadores e necessita de um verniz legal que legitime o destino dos recursos. Os políticos, em parceria com os próprios partidos, sabem deste jogo e o assumem categoricamente em sua prática, mesmo que o discurso permaneça no campo da moralidade pequeno-burguesa e da ética do politicamente correto.Isto tudo não tem nada a ver com a conduta heróica de políticos ou de partidos que permanecem no campo tanto da moralidade quanto da ética de modo geral.a sociedade insiste em manter um organismo e quer reformá-lo no que é apenas a aparência do processo, a ponta do iceberg, aquilo que aparece que denota uma certa conformidade e um compromisso pífio de moralidade da coisa pública. De outro lado, os movimentos sociais pedem maior honestidade dos políticos. Então, tem-se a impressão de que em parte a questão se resume a bons e maus políticos, entre um bom capitalismo e um capitalismo subterrâneo que insiste na desonestidade; entre um capitalismo legal, que paga seus impostos e um capitalismo obscuro, entrevado pelo egoísmo, pela usurpação da coisa pública; entre políticos socialmente corretos e políticos socialmente tarados.
A meta dos partidos é a chegada ao poder. Este poder, no discurso oficial da nação, requer que seja dividido entre as forças sociais, mas isto é apenas um paradigma que está solto no tempo e esquecido nas gavetas da falta de memória do mundo político. O Estado está constantemente em jogo, é a este que se refere o poder. A questão mais importante para o Estado é a gestão dos recursos. De um lado o inchaço da estrutura administrativa e executiva do estado, de outro, a necessidade de transformá-lo em um canal para realizar obras em favor do capitalismo. A reprodução do modelo capitalista é um fundamento invisível do estado. Os pobres se convenceram de que o Estado deveria lhes proteger da ferocidade das corporações capitalistas. O próprio Estado admite para si esta função social, especialmente na América Latina, cuja tradição católica e de uma esquerda cristã reverte a perspectiva do estado para uma ação social assistencialista, precarizada e profundamente paternalista.
O contexto atual revela uma perda substancial da ação política. Acreditávamos que ela poderia nos dar mais que respostas, conseguiria amenizar os conflitos e rumar para a diminuição das desigualdades sociais e econômicas, exatamente porque seria mais que um freio à voracidade capitalista. Isto indica que o Estado teria a tarefa de patrocinar a democracia, mas como o Estado se tornou uma entidade teratológica, distante do mundo real, torna-se impossível desejar que este tenha algum papel que não seja o de regular um certo ordenamento em seu favor e em valor da coerção social do trabalho, substancia do valor
Na Grécia antiga a política acontecia em um ambiente no qual a economia, a produção, a sustentação social se dava pela capacidade produtiva da massa de escravos que dava o suporte para que a aristocracia social exercesse seus direitos políticos. A política, na Grécia clássica, de certa forma, era praticada por uma elite que tinha suas questões materiais de sobrevida em condições equilibradas e controladas, uma auto-sustentação que devia aos escravos sua força e que mantinha uma certa regularidade no processo social pela segurança que o sistema propiciava. Uma política da reprodução social do próprio modelo em favor das aristocracias ou das minorias racistas helênicas.
Não é o que parece ocorrer no mundo atual da política brasileira. A economia subsumiu, há muito, completamente a política. A política parece exercer um fascínio à medida que cria a fantasia de que é possível atualmente barrar a estrondosa avalancha da crise social do capital. Ela se move em direção aos interesses da produção, do consumo, do ordenamento jurídico que determina a continuidade e a reprodução do modelo social capitalista. Mas não há garantias suficientes como há 2,5 mil anos, quando a Grécia experimentava um sistema escravagista sem grandes conflitos internos.
A sociedade insiste em que o problema das mazelas da política é de ordem moral. A crítica contra a corrupção política encontra seu terreno fértil no campo da subjetividade que institui uma responsabilidade individual aos atores políticos, quando considera aspectos subjetivos do mundo da política, como se tudo estivesse na circunferência de escolhas pessoais e que a mudança de leis seria o caminho mais favorável para barrar o caos político e a indiferença quanto aos interesses e problemas sociais, ou no sentido de aprofundar mecanismos de punibilidade, evitando a impunidade em escala geométrica.
A sociedade parece não perceber que um ciclo histórico-social se fechou. O poder da política tinha seus efeitos positivos no que concerne a barrar a avidez da economia capitalista enquanto o sistema não atingia seu espectro instantâneo e simultâneo – a globalização. Os interesses políticos se dissolvem no espectro volátil do mundo financeiro. Agora não é mais possível imaginar um corpo político rígido capaz de submeter-se à vontade popular, mesmo porque o mundo social está fragmentado, de modo que a sorte das minorias está particularmente voltada para questões econômicas de mobilidade no interior do sistema.
A violência política é mais uma das faces da violência que nos atinge como doença social que se alastra rapidamente, mas a atinge de forma peculiar, uma vez que os problemas políticos estão todos no sentido de serem enfrentados como mecanismos de proteção ao próprio sistema. A corrupção favorece o capitalismo, assim como a pretensa máscara da não-corrupção. Não é a política que cria a agenda social, mas, ao contrário, é a economia que impõe uma agenda à política que se torna, em muitos casos, apolítica. Assim como em outras instituições sociais, os políticos ainda continuam a crer piamente que sua ação é das mais relevantes para o mundo e para a organização social, pois crêem na possibilidade da honra da política que, via de regra, está completamente perdida e desmoralizada. Tenta-se, no entanto, frear as condições avassaladoras do modelo social do trabalho, do valor e da mercadoria. O fetiche do Estado é um dos mais permanentes em nossa formação contemporânea, a arquitetura social requer de cada um o esforço de compreender que tanto a política quanto o Estado servem ao modo pelo qual pode se manejar a economia com uma certa ética distributiva, legitimando o esforço coletivo em favor da sociedade do trabalho e do acúmulo do capital, que favorece direta e indiretamente o próprio Estado. A banalização e a mediocridade políticas, a queda do nível intelectual dos políticos, a falsa importância e o cínico interesse demonstrado pelos meios de comunicação de massa, reforçam a idéia de que a política deve ser tratada apenas como um caso de polícia, colocando os corruptos em uma jaula blindada e com isto, seríamos capazes de criar uma segurança para gerirmos com honestidade os negócios do Estado, pois é disto que se trata.
É muito difícil reconhecermos que a política sucumbiu ao capitalismo em sua totalidade. Os casos e exemplos se multiplicam aos montes. O poder executivo transformou-se em um cofre público, um banco cuja função é negociar “politicamente” os recursos que pertencem ao trabalho-valor da sociedade em geral. Precisa de mais recursos para gerir e distribuir, sustentar os trabalhadores e necessita de um verniz legal que legitime o destino dos recursos. Os políticos, em parceria com os próprios partidos, sabem deste jogo e o assumem categoricamente em sua prática, mesmo que o discurso permaneça no campo da moralidade pequeno-burguesa e da ética do politicamente correto.Isto tudo não tem nada a ver com a conduta heróica de políticos ou de partidos que permanecem no campo tanto da moralidade quanto da ética de modo geral.a sociedade insiste em manter um organismo e quer reformá-lo no que é apenas a aparência do processo, a ponta do iceberg, aquilo que aparece que denota uma certa conformidade e um compromisso pífio de moralidade da coisa pública. De outro lado, os movimentos sociais pedem maior honestidade dos políticos. Então, tem-se a impressão de que em parte a questão se resume a bons e maus políticos, entre um bom capitalismo e um capitalismo subterrâneo que insiste na desonestidade; entre um capitalismo legal, que paga seus impostos e um capitalismo obscuro, entrevado pelo egoísmo, pela usurpação da coisa pública; entre políticos socialmente corretos e políticos socialmente tarados.
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