Por Atanásio Mykonios
Para uma Crítica Social
Paradoxalmente, quanto mais a ciência nos dá uma amplitude das condições
materiais de vida, criando expectativas falsas por nos colocarem diante de uma
pretensa autonomia e positivas quanto à nossa própria existência; quanto mais a
tecnologia nos impõe ritmos acelerados de relações com os outros seres humanos,
mais e mais somos mergulhados em um obscurantismo que parece ser a expressão de
um mundo sem face, de um mundo cujo poder está alienado das próprias condições
práticas do cotidiano e que se lança no sentido de escamotear a verdade com um
espetáculo violento em torno de uma única determinação, a determinação da
mercadoria. As corporações agem como se fossem guiadas por um chefe espiritual,
que não pode ser tocado, que nunca se materializa, mas deve ser seguido como um
ser que dita a distância regras sociais que nos impõem a indiferença e o
descalabro da miséria e do abandono. Não importa se somos mais ou menos
rentáveis, diante de uma determinada corporação, estamos perfeitamente
enquadrados no que posso chamar de perfeita alienação das relações humanas. O
humano perde seu verdadeiro sentido no confronto com as corporações e seus
membros-representantes as reproduzem com lealdade canina. Nada mais
representativo, a estupidez humana diante da revelação de que estamos contidos
em uma redoma protetora corporativa. A virtude social consiste, na atualidade,
em juntar-se a uma corporação, educar-se prodigamente para servir cegamente à
corporação e defendê-la com a hipocrisia necessária, apreendida na história
social sem história real. Mas os homens e as mulheres comuns, que não possuem
qualquer vínculo com essas organizações sentem-se totalmente atirados aos leões,
daí uma constatação que mesmo a contragosto é necessária diante deste holocausto
social, a de que todos buscam alguma forma de proteção diante da iminência de
ser literalmente tragado pelos dragões corporativos e isto não ocorre
tão-somente como os indivíduos avulsos, mas também entre corporações das mais
distintas.
A face
oculta do Estado é outro elemento que deve ser desmascarado. De algum modo,
todos esperam do Estado algum posicionamento. Todos exigem que o Estado tome
providências, todos cobram medidas profiláticas, medidas de saneamento, medidas
punitivas. Aos cidadãos foi arrancada a sua própria determinação, seu fazer
social, sua vontade de cuidar dos seus projetos e suas relações. A sociedade
contemporânea transferiu às empresas, às corporações e aos estados a vida real,
arrancando dos coletivos a liberdade de construção de suas relações e mais ainda
de suas condições materiais. É curioso observar que a globalização capitalista
não foi capaz de solapar os estados nacionais. Da direita à esquerda, todos
parecem desejar avidamente o Estado. A cada nova eleição, surgem os candidatos a
gestores competentes da máquina estatal. Grandes corporações se associam ao
Estado, as estruturas de controle se estendem para todas as relações e o
trabalho é o mecanismo alvo de atenção, de ordenação e de conjunção de forças em
favor da sociedade que deve crescer, mas não pode em virtude de suas
contradições internas.
Todos esperam do Estado alguma resposta acerca de
qualquer problema, de qualquer conflito social. Da saúde à educação, do
transporte à segurança física e patrimonial dos indivíduos, todos esperam que o
Estado esteja presente, com suas patrulhas e cães de guarda. No entanto, não se
trata aqui de estar a serviço do bem-comum, com uma consciência de que o serviço
público estaria acima de qualquer suspeita, como uma vocação ou um chamado
espiritual, cuja missão seria a de garantir as melhores condições a todos os
cidadãos. É obvio que do ponto de vista do mundo do valor e da mercadoria, não
há nem deve haver igualdade entre os indivíduos consumidores de valores de
troca. A igualdade não existe, não pode existir. No entanto deve haver um
cenário que garanta de certo modo uma aparente igualdade entre todos. A
aparência significa que há uma imagem a ser preservada, mesmo que o cotidiano
mostre com clareza, em sua microfísica, as verdadeiras condições em que a
desigualdade se manifesta. É preciso fazer parte do rol dos que permanecem com
certo acesso às mercadorias. Em um mundo referenciado totalmente pela
mercadoria, onde a luz, a água, a comida, a saúde, a educação, a vestimenta, a
arte, a cultura se transformam tautologicamente em mercadorias apenas os
possuidores destas terão acesso aos serviços prestados pelo Estado. Talvez um
certo esforço seja continuamente promovido pelos gestores a fim de que sejam
oferecidos certos mecanismos de compensação de acesso à ordem jurídica ou a
condições às quais normalmente certos grupos de risco não teriam possibilidade
de acessar. Porém, a cerne da questão permanece, uma vez que para ter algum
acesso formal ao Estado ou para ser por ele defendido em alguma circunstância, é
necessário que o indivíduo seja partícipe de uma corporação. E quanto maior for
o número de corporações às quais este infeliz indivíduo participe, mais serão
garantidas a ele condições de proteção e defesa de seus interesses. Mesmo assim,
o Estado procura, cada vez mais eximir-se de uma série de obrigações. No
entanto, creio que seria necessária a crítica sobre o Estado. Teríamos nós nos
convencido, ao longo da História, de que o Estado poderia, em algum momento, vir
a promover a igualdade entre os sujeitos sociais? Ou que o Estado seria a
moto-niveladora que abriria o caminho para uma sociedade socialista? De outro
lado, esquerdas e direitas, gestores, líderes políticos, sindicalistas,
artistas, funcionários públicos, trabalhadores, beneméritos, todos querem chegar
ao Estado.
Há uma parceria invisível e creio que mesmo não-intencional entre o Estado e as
corporações, garantindo o fechar dos olhos diante da tortura social lenta,
gradativa, permanente, formal, oficial, com riso de vendedor e eficiência
pragmática dos grande negócios.
Olá Grego!
ResponderExcluirCreio que essa dependência das pessoas em relação ao estado ainda se revelará ser a grande contradição desse sistema (baseado no controle da individualidade das pessoas) capaz de extinguir-se por si própria. Toda relação de dependência, como sistema, historicamente tem se mostrado auto destrutiva para dar lugar a um novo sistema.