quarta-feira, 3 de julho de 2019

Da Sociedade da Imagem para a Sociedade da Crise


Por Atanásio Mykonios



As ideias e as relações andam juntas em algum momento, mas as relações também se antecipam às ideias. Por outro lado, as ideias procuram justificar ou legitimar as relações sociais. De alguma forma, todo mundo deve seguir as mesmas ideias que se revelam nas relações.

Mas, afinal, o que muda primeiro, as relações ou as ideias? As ideias que temos do mundo não são apenas sobre o mundo, são também sobre nós e sobre as relações que temos. Ideias são imagens, como as palavras e as coisas, imagens que se movimentam o tempo todo.

As ideias e as relações são transformadas. Essa transformação revela que a sociedade muda, mas muda em função de quê? As mudanças ocorrem devido às formas como a sociedade completa o ciclo do que produz. Produz coisas materiais e imateriais o tempo todo.

Quando refletimos sobre o mundo e as suas ideias, tais ideias refletem determinados períodos. Assim, a forma como a sociedade se desenvolve é refletida nas formas que produz suas ideias.

A SOCIEDADE INDUSTRIAL produziu a INDÚSTRIA CUTURAL.

Gradativamente a Indústria Cultural, que é o produto estruturado da indústria, se desdobrou nas formas de uma SOCIEDADE DO ESPETÁCULO, que se reproduz por meio da eliminação da relação entre CONTEÚDO E FORMA – ELIMINAÇÃO DA RELAÇÃO ENTRE ESSÊNCIA E APARÊNCIA.

No desenvolvimento da SOCIEDADE DO ESPETÁCULO, lentamente a Tradição ocidental da Cultura da Palavra para a CULTURA DA IMAGEM. É a atual etapa em que nos encontramos.

E cada etapa do processo histórico corresponde a uma condição social e ideológica que, de alguma forma, estrutura um determinado período social e histórico. ‘

Em grande medida as ideias se movem numa sociedade extremamente complexa. A busca das pessoas em sua convivência diária é pela verdade social. A verdade que faz as pessoas seguirem em suas relações, que diz que o que elas fazem está certo ou errado, conforme ideias que são maiores que elas mesmas. Então, a questão está também em relacionar verdade e verdades com as relações e as formas de produzir a própria subsistência.
Uma das formas de compreender o mundo ou de explicá-lo são as categorias sociais e suas ideias.

O MODERNO representou um mecanismo da sociedade industrial. Na verdade, o MODERNO diz respeito ao movimento do MODERNO que é a MODERNIZAÇÃO. A MODERNIZAÇÃO é a forma pela qual o capitalismo desenvolve a si mesmo, pela inovação, pela transformação constante, pela substituição, expansão, progresso e desenvolvimento.

Entre a sociedade do espetáculo e a sociedade da imagem, surgiu a condição PÓS-MODERNA. A PÓS-MODERNIDADE é uma condição em que as ideias não mais se coadunam com a complexidade social e em que não parece ser mais possível alterar a realidade real por meio de uma mobilização generalizada da sociedade.

A PÓS-MODERNIDADE se caracteriza pela impossibilidade de organização das massas pela transformação. As grandes narrativas que davam alguma redenção à humanidade, na pós-modernidade,  parecem não serem mais viáveis:
            A narrativa da redenção da ciência como a libertação e a emancipação da humanidade;
            A narrativa da redenção da revolução como libertação
            A narrativa da religião como a salvação final dos seres humanos
            A narrativa pela verdade dá lugar às narrativas da imagem
            A perda sobre o controle das instituições criadas na MODERNIDADE
A fragmentação social, o fim da sociedade das massas, o surgimento das minorias e identidades

Assim não há uma descoberta neutra da verdade, como a que as ciências naturais gostariam de supor (com isso apontando apenas para a inconsciência que têm dos seus próprios pressupostos histórico-sociais), mas sim uma luta pela verdade, que parece não ter fim. Como se orientar nestes conflitos permanentes? Tem de haver critérios com os quais se possa reconhecer e avaliar pelo menos aproximadamente a natureza do conflito. Desde logo é preciso distinguir fundamentalmente a afirmação da crítica. Algo estabelecido (uma ordem, um modo de pensar, um recurso de saber) é afirmado e defendido, ou criticado e atacado. Isto aplica-se não apenas ao capitalismo ou às suas instituições em si e às forças que lutam pelo seu desenvolvimento a todos os níveis, mas também à teoria crítica e aos seus fraccionamentos como campo próprio. A luta pela verdade é por isso também sempre uma luta do novo contra o velho, sendo que a verdade de modo nenhum terá de estar sempre automaticamente do lado daquilo que se apresenta como novo. Mas com este critério é possível pelo menos demarcar aproximadamente o terreno do conflito a fim de perceber do que se trata em geral. (Kurz, 2014, p. 2)

A polémica frequentemente inflacionária desde 1968, focada em questões secundárias ou questões parciais subordinadas, nas águas pouco profundas de um politicismo superficial dos agrupamentos de esquerda da ideologia do movimento socialmente sem influência, pelo contrário, em grande parte não foi nem é determinada em geral por uma cesura objectivamente amadurecida no processo de práxis social e nem portanto também teoricamente reflectida. Trata-se, portanto, não da reprodução de uma ruptura histórica do desenvolvimento capitalista na esquerda, pela qual se deve absolutamente combater até ao fim, ruptura que entretanto há muito deveria estar na ordem do dia, mas sim de uma mera política identitária de contextos de organização não declarados, que ameaçam tornar-se um fim em si como em qualquer partido burguês. (Kurz, 2014, p. 4)

De qualquer modo, é preciso compreender que o mundo atual é o mundo da CRISE tanto estrutural quanto a crise das condições reais de sobrevivência, bem como a crise em todas as esferas da vida social e até mesmo da vida pessoal.

            Crise na economia
            Crise na política
            Crise na educação
            Crise nas crenças
            Crise na ciência
            Crise nos afetos
            Crise nas identidades
            Crise das esperanças
           
Perante este pano de fundo é preciso distinguir com exactidão entre crise e crítica. A crise, segundo o seu conceito, é completamente determinada pelo lado objectivado e determinado da relação social, o qual produz um agir dos seres humanos que é comandado por uma forma cega e apriorística da sua vontade cujo contexto global inconsciente se apresenta à superfície como o curso de um processo natural ou até de uma máquina. Isto aplica-se tanto às crises de imposição histórica do capital e às crises temporárias cíclicas ou estruturais, como também ao limite interno absoluto que historicamente começa a manifestar-se. Aqui é preciso ter em consideração que apenas a barreira da crise como tal é determinada pela dinâmica das acções imanantes formalmente determinadas, enquanto as condições concretas (por exemplo, a forma específica de desenvolvimento das forças produtivas), as respectivas formas de desenvolvimento e os modos de reacção ideológicos, incluindo os seus resultados, permanecem relativamente contingentes. Determinada é a dinâmica interna enquanto tal, a relação geral entre o desenvolvimento das forças produtivas e as condições modificadas de valorização, enquanto as respectivas tecnologias, as medidas tomadas pelos actores e o comportamento das pessoas na crise de modo nenhum surgem “automaticamente”. Mas isto não altera nada o carácter estritamente objectivo da crise enquanto tal. (Kurz, 2013, p. 10)

Dessa forma, a questão que Robert Kurz nos coloca é a provocação sobre a crise da crítica e a crítica de uma crise que se apresenta em todas as formas de relação social. Por isso, encontramos uma definição que talvez possa resumir as condições em que nos encontramos na atualidade.

A condição da PÓS-VERDADE penetra a sociedade e representa a desintegração dos fatos pela condição estruturante da interpretação conforme o falso que se torna referência das relações de troca.


Bibliografia
KURZ, Robert. Crise e crítica. O limite interno do capital e as fases do definhamento do marxismo. Um fragmento. Segunda parte EXIT! Crise e Crítica da Sociedade da Mercadoria. Nº 11 (07/2013), disponível em http://obeco.no.sapo.pt/rkurz410.htm.

KURZ, Robert. A luta pela verdade: Notas sobre o mandamento pós-moderno de relativismo na teoria crítica da sociedade. Um fragmento. EXIT! Crise e Crítica da Sociedade da Mercadoria, nº 12 (11/2014), disponível em  http://obeco.no.sapo.pt/rkurz411.htm.  

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