Por
Atanásio Mykonios
As ideias e as relações andam
juntas em algum momento, mas as relações também se antecipam às ideias. Por
outro lado, as ideias procuram justificar ou legitimar as relações sociais. De
alguma forma, todo mundo deve seguir as mesmas ideias que se revelam nas
relações.
Mas, afinal, o que muda primeiro,
as relações ou as ideias? As ideias que temos do mundo não são apenas sobre o
mundo, são também sobre nós e sobre as relações que temos. Ideias são imagens,
como as palavras e as coisas, imagens que se movimentam o tempo todo.
As ideias e as relações são
transformadas. Essa transformação revela que a sociedade muda, mas muda em
função de quê? As mudanças ocorrem devido às formas como a sociedade completa o
ciclo do que produz. Produz coisas materiais e imateriais o tempo todo.
Quando refletimos sobre o mundo e
as suas ideias, tais ideias refletem determinados períodos. Assim, a forma como
a sociedade se desenvolve é refletida nas formas que produz suas ideias.
A SOCIEDADE INDUSTRIAL produziu a
INDÚSTRIA CUTURAL.
Gradativamente a Indústria
Cultural, que é o produto estruturado da indústria, se desdobrou nas formas de
uma SOCIEDADE DO ESPETÁCULO, que se reproduz por meio da eliminação da relação
entre CONTEÚDO E FORMA – ELIMINAÇÃO DA RELAÇÃO ENTRE ESSÊNCIA E APARÊNCIA.
No desenvolvimento da SOCIEDADE DO
ESPETÁCULO, lentamente a Tradição ocidental da Cultura da Palavra para a
CULTURA DA IMAGEM. É a atual etapa em que nos encontramos.
E cada etapa do processo histórico
corresponde a uma condição social e ideológica que, de alguma forma, estrutura
um determinado período social e histórico. ‘
Em grande medida as ideias se movem
numa sociedade extremamente complexa. A busca das pessoas em sua convivência diária
é pela verdade social. A verdade que faz as pessoas seguirem em suas relações,
que diz que o que elas fazem está certo ou errado, conforme ideias que são
maiores que elas mesmas. Então, a questão está também em relacionar verdade e
verdades com as relações e as formas de produzir a própria subsistência.
Uma das formas de compreender o
mundo ou de explicá-lo são as categorias sociais e suas ideias.
O MODERNO representou um mecanismo
da sociedade industrial. Na verdade, o MODERNO diz respeito ao movimento do
MODERNO que é a MODERNIZAÇÃO. A MODERNIZAÇÃO é a forma pela qual o capitalismo
desenvolve a si mesmo, pela inovação, pela transformação constante, pela
substituição, expansão, progresso e desenvolvimento.
Entre a sociedade do espetáculo e a
sociedade da imagem, surgiu a condição PÓS-MODERNA. A PÓS-MODERNIDADE é uma
condição em que as ideias não mais se coadunam com a complexidade social e em
que não parece ser mais possível alterar a realidade real por meio de uma
mobilização generalizada da sociedade.
A PÓS-MODERNIDADE se caracteriza
pela impossibilidade de organização das massas pela transformação. As grandes
narrativas que davam alguma redenção à humanidade, na pós-modernidade, parecem não serem mais viáveis:
A
narrativa da redenção da ciência como a libertação e a emancipação da
humanidade;
A
narrativa da redenção da revolução como libertação
A
narrativa da religião como a salvação final dos seres humanos
A
narrativa pela verdade dá lugar às narrativas da imagem
A
perda sobre o controle das instituições criadas na MODERNIDADE
A fragmentação social, o fim da
sociedade das massas, o surgimento das minorias e identidades
Assim não há uma
descoberta neutra da verdade, como a que as ciências naturais gostariam de
supor (com isso apontando apenas para a inconsciência que têm dos seus próprios
pressupostos histórico-sociais), mas sim uma luta pela verdade, que parece não
ter fim. Como se orientar nestes conflitos permanentes? Tem de haver critérios
com os quais se possa reconhecer e avaliar pelo menos aproximadamente a
natureza do conflito. Desde logo é preciso distinguir fundamentalmente a
afirmação da crítica. Algo estabelecido (uma ordem, um modo de pensar, um
recurso de saber) é afirmado e defendido, ou criticado e atacado. Isto
aplica-se não apenas ao capitalismo ou às suas instituições em si e às forças
que lutam pelo seu desenvolvimento a todos os níveis, mas também à teoria
crítica e aos seus fraccionamentos como campo próprio. A luta pela verdade é
por isso também sempre uma luta do novo contra o velho, sendo que a verdade de
modo nenhum terá de estar sempre automaticamente do lado daquilo que se
apresenta como novo. Mas com este critério é possível pelo menos demarcar
aproximadamente o terreno do conflito a fim de perceber do que se trata em
geral. (Kurz, 2014, p. 2)
A polémica
frequentemente inflacionária desde 1968, focada em questões secundárias ou
questões parciais subordinadas, nas águas pouco profundas de um politicismo
superficial dos agrupamentos de esquerda da ideologia do movimento socialmente
sem influência, pelo contrário, em grande parte não foi nem é determinada em
geral por uma cesura objectivamente amadurecida no processo de práxis social e
nem portanto também teoricamente reflectida. Trata-se, portanto, não da
reprodução de uma ruptura histórica do desenvolvimento capitalista na esquerda,
pela qual se deve absolutamente combater até ao fim, ruptura que entretanto há
muito deveria estar na ordem do dia, mas sim de uma mera política identitária
de contextos de organização não declarados, que ameaçam tornar-se um fim em si
como em qualquer partido burguês. (Kurz, 2014, p. 4)
De qualquer modo, é preciso
compreender que o mundo atual é o mundo da CRISE tanto estrutural quanto a
crise das condições reais de sobrevivência, bem como a crise em todas as esferas
da vida social e até mesmo da vida pessoal.
Crise
na economia
Crise
na política
Crise
na educação
Crise
nas crenças
Crise
na ciência
Crise
nos afetos
Crise
nas identidades
Crise
das esperanças
Perante
este pano de fundo é preciso distinguir com exactidão entre crise e crítica. A
crise, segundo o seu conceito, é completamente determinada pelo lado
objectivado e determinado da relação social, o qual produz um agir dos seres
humanos que é comandado por uma forma cega e apriorística da sua vontade cujo
contexto global inconsciente se apresenta à superfície como o curso de um
processo natural ou até de uma máquina. Isto aplica-se tanto às crises de
imposição histórica do capital e às crises temporárias cíclicas ou estruturais,
como também ao limite interno absoluto que historicamente começa a
manifestar-se. Aqui é preciso ter em consideração que apenas a barreira da
crise como tal é determinada pela dinâmica das acções imanantes formalmente
determinadas, enquanto as condições concretas (por exemplo, a forma específica
de desenvolvimento das forças produtivas), as respectivas formas de
desenvolvimento e os modos de reacção ideológicos, incluindo os seus
resultados, permanecem relativamente contingentes. Determinada é a dinâmica
interna enquanto tal, a relação geral entre o desenvolvimento das forças
produtivas e as condições modificadas de valorização, enquanto as respectivas
tecnologias, as medidas tomadas pelos actores e o comportamento das pessoas na
crise de modo nenhum surgem “automaticamente”. Mas isto não altera nada o
carácter estritamente objectivo da crise enquanto tal. (Kurz, 2013, p. 10)
Dessa forma, a questão que Robert
Kurz nos coloca é a provocação sobre a crise da crítica e a crítica de uma
crise que se apresenta em todas as formas de relação social. Por isso,
encontramos uma definição que talvez possa resumir as condições em que nos
encontramos na atualidade.
A condição da PÓS-VERDADE penetra a
sociedade e representa a desintegração dos fatos pela condição estruturante da
interpretação conforme o falso que se torna referência das relações de troca.
Bibliografia
KURZ, Robert. Crise e crítica. O limite interno do capital e as fases do
definhamento do marxismo. Um fragmento. Segunda parte EXIT! Crise
e Crítica da Sociedade da Mercadoria. Nº 11 (07/2013), disponível em http://obeco.no.sapo.pt/rkurz410.htm.
KURZ, Robert. A luta pela verdade: Notas sobre o mandamento pós-moderno
de relativismo na teoria crítica da sociedade. Um fragmento. EXIT! Crise e Crítica da Sociedade da Mercadoria, nº 12 (11/2014), disponível em http://obeco.no.sapo.pt/rkurz411.htm.
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