quinta-feira, 27 de junho de 2019

Sem sono


 Por Atanásio Mykonios


O sistema mundial de computadores não é apenas um sistema de comunicação entre computadores em rede, mais que isto, é um sistema mundial de inteligência artificial muito eficiente. A inteligência neste caso não se deve a uma eficiência de aumento das velocidades e conexões, é um sistema de inteligência que atua para ampliar a eficiência econômica do sistema virtual engrenado pela rede de computadores. O dinheiro circula e as mercadorias também. Porém, esses milhões de pessoas transformadas em trabalhadoras sem assalariamento, produzem valor para o capital? São mediadoras de mercadorias, mas não produtoras, a mesma tecnologia que aumenta a produtividade inclui esses trabalhadores como mecanismos de estocagem, distribuição e circulação. São trabalhadores em sentido, não no processo produtivo de transformação material, mas correspondem a um exército invisível que atua diuturnamente em favor de um mercado, de um sistema, mas que não pode mais dar saltos de valor.
Uma sociedade virtual que não mais adormece. 24 horas, os virtuais, aos bilhões deles permanecem vigilantes o tempo todo. O mundo virtual pede dedicação exclusiva, não há mais ócio, não há mais preguiça, todos devem produzir alguma coisa que seja publicável virtualmente, de receitas culinárias a prescrições médicas e psiquiátricas, de análises políticas a todas as formas de permanência das imagens em constante circulação. Jonathan Crary chega a afirmar, em seu estudo 24/7: capitalismo tardio e os fins do sono que

No entanto, o sono é agora uma experiência desvinculada de ideias de necessidade e natureza. Ao contrário, e como tantas outras coisas, é tratado como uma função variável, mas controlada, que só pode ser definida em termos instrumentais e fisiológicos. Pesquisas recentes mostram que cresce exponencialmente o número de pessoas que acordam uma ou mais vezes durante a noite para consultar mensagens ou acessar seus dados. Existe uma expressão recorrente e aparentemente inócua, inspirada nas máquinas: o sleep mode. A ideia de um aparelho em modo de consumo reduzido e de prontidão transforma o sentido mais amplo do sono em mera condição adiada ou diminuída de operacionalidade e acesso. (CRARY, 2016, p. 22)

O sono é um elemento a ser considerado no espectro universal da Internet. Atentos, vigilantes, produtivos, criativos, fiscalizadores e fiscalizados, os usuários não se tornam apenas tais como usuários, são elementos da engrenagem do mundo dos computadores, o mundo da imagem que se move continuamente e não se apaga, não é desligada, a imagem que não forme, permanece com os olhos abertos, assim como as telas e das páginas virtuais. Uma vez que os trabalhadores, empregados ou não, continuam suas atividades nas telas dos computadores ou de seus telefones inteligentes, não só atentos como produtivos, mesmo que não tenham nenhum ganho material por isso, a engrenagem social do capital não para em nenhuma condição.
O desenvolvimento das tecnologias da informação e da rede de computadores é, em última instância, o desenvolvimento da condição da burguesia que chegou ao ponto de submersão em seu bunker, pois até mesmo ela não é capaz de dar um sentido formal à formação da internet, mas, em virtude da crise de seu poder, devido à crise estrutural do sistema, ela tenta controlar as redes por meio da censura, direta ou indireta – na medida em que cria mecanismos jurídicos e impedimentos econômicos e acesso, com isso “Uma das preocupações fundamentais do toyotismo consiste em limitar a concentração física dos trabalhadores, ou até em dispersá-los fisicamente, e ao mesmo tempo concentrar os resultados do trabalho através da tecnologia electrónica” (BERNARDO, 2005).
A ciência de caráter burguês representa a cisão entre o mundo real, transformando-o em universal e cristalizando-o como verdade metafisica. A cultura burguesa se impôs ao mundo pela dominação do gerenciamento da forma valor como fenômeno estrutural no mundo das mercadorias. Em sentido estrito, a burguesia não impôs a cultura de modo geral, impôs pelo poder político, o modo social de produção do capital e à medida que este modo se tornou hegemônico como forma social sistêmica, todas as expressões culturais foram submetidas à forma social do capital e a partir de um momento em que historicamente o sistema havia se consolidado, a indústria cultural passa a ser a expressão metabólica do próprio sistema, as expressões da cultura, em seu leque criativo, se tornaram vis a vis a própria cultura do capital. A cultura imposta pelo desenvolvimento das forças de produção tecnológicas desemboca na internet como expressão da vacuidade ou do processo inercial dessas forças que chegam ao limite da produção de valor e de valorização do valor.

Referências
BERNARDO, João. Trabalhadores, classe ou fragmentos? (2005), disponível em Para ler João Bernardo, http://www.4shared.com/dir/6353945/38db478d/Para_ler_Joo_Bernardo.html, acesso em 10/01/2018.

CRARY, Jonathan. 24/7: capitalismo tardio e os fins do sono. Tradução Joaquim Toledo Jr.. São Paulo: Ubu Editora, 2016.

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