Por Atanásio Mykonios
Depois de algumas semanas sem postar nada aqui neste espaço,
pensei muito e ainda fico confuso. No entanto, os últimos acontecimentos me
levaram a pensar e diversos aspectos do nosso contexto.
Que nexos são possíveis de serem estabelecidos uma vez que a
situação política parece cada vez mais caótica? A partir de que ângulo posso
pensar e analisar o que está acontecendo?
Um dos aspectos mais significativos que foge ao alcance
crítico da maioria é o ordenamento jurídico. O chamado Estado democrático de
direito é, em grande medida, uma espécie de falácia histórica monumental, que
serve como pano de fundo ideológico a fim de escamotear as reais condições em
que se processam as relações de troca na sociedade capitalista.
Em tempos de calmaria econômica, as leis aparentemente
servem como um arcabouço garantidor de determinados direitos que, até certo
ponto, são invioláveis. Mas, no subsolo social, a prática da justiça ganha
contornos diversos e as instituições estatais que promovem, aplicam, executam e
garantem o direito são, na mais das vezes, institutos que não preservam a
execução com as mesmas medidas.
No Brasil, temos um histórico de arbitrariedades contra os
pobres e negros que atinge às raias do extermínio, do genocídio e do
encarceramento em massa, sem que a sociedade se volte contra essas atrocidades
cometidas pelos aparatos do Estado-nação e seus congêneres regionais. Em outras
palavras, o direito é violado constantemente.
Mas, ao que tudo indica, parece haver uma normalidade jurídica
que é praticada na superfície da sociedade, onde determinadas camadas podem
usufruir do Estado democrático direito, enquanto o resto vive às escuras e não
recebe atenção devida. Assim, a máquina judiciária anda em concomitância com
essas camadas que estão no campo visível das relações de poder e da
institucionalidade. É para essas camadas, de alguma forma, que o jogo de poder
e de forças ocorre aparentemente à luz do dia.
Mesmo assim, esse ordenamento sempre corre determinados
riscos de, em condições normais, sofrer o ataque de grupos com o objetivo de
desestabilizar alguma normalidade a fim de implantar uma nova ordenação
política, que visa, sobretudo, garantir novas condições legais para a aplicação
de medidas econômicas extremas.
Ou seja, a mudança na aplicação das leis quando atinge
determinados setores, deixando outros, na mesma condição, fora do alcance da
lei, implica a estrita finalidade de impor uma nova ordem jurídica que garanta
uma nova ordem legal econômica, pois a atual não serve mais aos interesses
estruturais. Com isto, o que temos é um ataque às condições regulares ou
normais da vigência do direito e da sua aplicação.
Especialmente no Brasil, as leis sempre estiveram abaixo dos
interesses das elites econômicas e políticas, e isso não mudou, aliás, continua
com a mesma liturgia, ganhando apenas novas formas de ação. Some-se a isso, de
modo consistente, o fato primordial de que a verdadeira luta está sendo travada
no campo dos interesses do grande capital que ataca frontalmente o país, isto
é, o escopo é reduzir o preço geral de tudo que o Brasil produz e serve com
suas empresas.
O campo de batalha, por enquanto, é o institucional, compreendendo
as esferas política e judicial. Se os capitalistas e gestores puderem fazer o
ataque mantendo suas mãos limpas, por meio das mudanças nas duas esferas, muito
que bem. Daí o avanço não exatamente dos conservadores, mas dos neoliberais e
dos ultraliberais que promovem as mudanças radicais no campo jurídico a fim de
garantirem seus objetivos – fim das políticas públicas e sociais, congelamento
ou mesmo corte de salários, barateamento e sucateamento das empresas nacionais
(privadas e públicas), endividamento, privatização da saúde e educação, aumento
do tempo para a aposentadoria, mercado desregulado, etc., ou seja, capitalismo
puro.
Mas se não for possível conquistar e transformar o Brasil
num mercado puro, então o remédio deverá ser outro, a violência direta.
Ao violar dispositivos legais, a fim de cumprir com parte de
investigações, o aparato estatal, judicial e policial, aponta para a tendência a
um modo de agir pretensamente discricionário, me parece ser o sinal de um
aparelhamento paralelo que assume o caráter preposto dos grupos que travam a
batalha em favor dos interesses do grande capital. É o sinal, também, de que ao
chegar a esse ponto, não se trata mais de um grupo minoritário, revela-se,
aqui, uma estrutura que dificilmente será barrada porque atingiu as esferas
institucionais como uma ramificação do poder econômico sobre o jurídico.
A mecânica desse processo dificilmente será barrada ou destruída.
Ao contrário, sua trajetória será o confronto direto porque tem poder para
tanto, assim como tem a proteção de amplos setores do poder econômico que visam
estabelecer as relações causais para, em conjunto com o ordenamento político
institucional, garantir a execução do plano de desmonte do Estado-nacional e da
economia em geral.
Ainda há muito por vir!
Interessante sua análise, Atanasio. Acho que o cenário atual, no qual você mesmo diz não saber como reagir diante de tudo que vem acontecendo, é realmente um reflexo de interesses escusos que fogem a pragmatismos. Infelizmente isto tem impacto direto na dinâmica social, mas as pessoas nem se dão conta disso. O triste fato é que o povo brasileiro se mostra leniente com as decisões políticas cotidianas. E não há mínimas perspectivas de melhora.
ResponderExcluirParabéns pelo texto.
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