quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Para provocar uma crise

Por Atanásio Mykonios


Há muitos analistas, incautos e representantes da formação da opinião pública que, por ingenuidade ou má-fé, escamoteiam acerca das reais possibilidades de se criar uma crise para promover as condições propícias para a instauração de uma reforma de choque que leva em conta os interesses de investidores, banqueiros, industriais, latifundiários, etc. Desde há pelo menos 70 anos, esse modelo de ataque por meio da geração de pseudocrises é uma constante para desestabilizar os países e em seguida implantar o capitalismo com baixos custos e altos ganhos.

A Conferência de Washington, apelidada por um dos gurus da ideologia do ataque direto às economias nacionais, por Consenso de Washington, disse aos presentes, em 1993, em cujo encontro estavam presentes expoentes da economia mundial, de todos os continentes, que a geração de pseudocrises eram importantes, principalmente se fossem capazes de provocar enormes estragos econômicos e sociais a ponto de a sociedade, de forma submissa, reconhecesse a necessidade de remédios amargos. Ele disse textualmente:

Será necessário perguntar se faria sentido, de modo concebível, provocar deliberadamente uma crise a fim de conduzir os agentes políticos à reforma. Por exemplo, já foi sugerido algumas vezes, no Brasil, que seria válido alimentar a hiperinflação de modo a apavorar todo mundo e forçar a aceitação dessas mudanças (...) Provavelmente, ninguém que tivesse percepção histórica teria defendido, no meio dos anos 1930, que Alemanha e Japão entrassem em guerra para receber os benefícios do supercrescimento que experimentaram depois de sua derrota. Porém, será que uma crise menor teria exercido o mesmo papel? É possível conceber que uma pseudocrise cumpra a mesma função positiva, sem os custos de uma crise real?[1]

Não é preciso ser um grande analista econômico nem político para compreender e apreender o fato histórico de que as crises econômicas, vividas pelos países nos últimas 40 anos, são produto de uma engenhosa arquitetura política de ataques sobre todos os aspectos que constituem a formação do Estado-nacional e sua estrutura – política monetária, política salarial, programas sociais, dívidas ativas, empresas estatais, etc. Desde essas décadas, os Estados-nacionais estão mergulhados numa crise insolúvel e não haverá trégua até que todas as esferas do Estado-nacional estejam submetidas ao controle do livre e puro mercado.

Nesse sentido, não é de agora, mas sobretudo na atualidade, os capitalistas têm sido mais diretos no que concerne aos ataques aos Estado-nacionais, a voracidade com que têm avançado sobre as estruturas da sociabilidade estatal tem caracterizado o que posso denominar por um desmonte metódico e sistematizado do Estado-nacional.



[1] John Williamson. The political economy of policy reform. Washington, DC: Institute of Internetional Economics, 1994, p. 20.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

O que ensina a concentração de riqueza - as 62 famílias

Por Atanásio Mykonios


O capitalismo tem uma tendência à concentração de riqueza. O modo de produção pela extorsão do tempo de trabalho excedente, implica uma lógica de substituição do trabalho vivo pelo morto. Essa tendência, que se verifica no âmbito concorrencial, leva a um declínio em escala mundial da base estrutural da produção de mercadorias - o valor. O valor não é o preço, é bom lembrar. Quanto mais a base é corroída, mais aumenta a produtividade, a concentração de capital fictício aumenta, e pela concorrência, os capitalistas se autodevoram a ponto de a tendência ao monopólio de tornar uma realização. Aquilo que muitos liberais e neoliberais, supostamente, defendem, a saber, a livre concorrência como fundamento do capitalismo, se torna a própria contradição, a sua negação e destruição. O que eles defendem não se sustenta ao analisarmos a tendência do capital. Nem os capitalistas conseguem entender o que parece existir independente de sua vontade como praticantes do sistema do capital. Isso mostra que eles não têm controle sobre o próprio capitalismo, como gestores, apenas seguem cegamente uma cartilha entorpecida pelo fetiche. Ou seja, quanto maior a concentração, maior será a velocidade rumo ao limite interno absoluto do sistema.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

O poder do transporte e o transporte do poder

Por Atanásio Mykonios



Eu fico pensando que o transporte público tem uma característica muito peculiar no Brasil. É um oligopólio, em muito lugares é um monopólio. Mas é uma espécie de capitalismo patrimonialista. As empresas, em Mogi das Cruzes, por exemplo, não têm grandes investimentos com o transporte, mas mantêm o oligopólio, por quê? Porque assim elas controlam a cidade. Eu demorei a entender isso. As empresas controlam toda a cidade, elas podem ter outros negócios que são derivados do transporte. Controlar a cidade é saber quem é quem, o que faz, como faz, onde faz e quando faz. As empresas de transporte público, em todas as cidades, têm um poder imenso, sobre a máquina da prefeitura, sobre os vereadores, sobre as câmaras municipais em geral. As empresas de transporte público sabem onde estão os melhores investimentos, os melhores terrenos, as melhores localizações. Manipulam o valor dos imóveis, mostram o quanto é possível revitalizar essa ou aquela região. Por onde passa uma linha de ônibus, muita coisa pode melhorar para os moradores. Como se trata de um oligopólio ou um monopólio (em muitos casos), fica difícil elevar a produtividade do serviço para ganhar em grande escala. Por isso, as inovações são lentas e difíceis de serem alcançadas. A única coisa que parece que constantemente é alvo de mudança nas empresas de transporte é a força de trabalho. As empresas pressionam para diminuírem o valor da força de trabalho e é sobre essa categoria de trabalhadores que recai o maior peso de todo o processo de manutenção do negócio.

Outro detalhe é que as planilhas são maquiadas para fornecerem dados que não condizem com a realidade, para depois as empresas exigirem mais aumentos na tarifa. Qualquer monopólio exige muito esforço político, exige manter o poder político para manter o poder econômico. Todo monopólio mantém o poder com mão de ferro e é por isso que a repressão policial também segue na mesma proporção. Não há solução para o transporte público, não haverá enquanto as cidades continuarem a ser uma fonte de renda para as empresas. Outro aspecto importante é que as cidades, atualmente, estão organizadas para o automóvel. Há uma pressão para reduzir o transporte público, o número de veículos de passeio é muito grande em relação ao total de veículos (contando ônibus, caminhões, utilitários, etc.). A indústria do automóvel é um grande sistema que integra diversos produtores, fornecedores, distribuidores, etc., e seus interesses estão em criar uma cidade para o automóvel e não para a coletividade. A cidade, cada vez mais é pensada para o automóvel de passeio. Em muitos países há subsídios para o transporte público, em outros, ele é totalmente subsidiado pelo Estado, em outros é totalmente estatal. Aqui, os capitalistas olham os usuários como fonte inesgotável de renda e riqueza. Não abrirão mão de seus privilégios, mesmo sendo monopólios ou oligopólios. Os trabalhadores, na sua grande maioria, não são rentáveis para o sistema, são transportados para os seus lugares de trabalho e ganham pouco, não dá pra valorizar o sistema de transporte, no fundo ninguém quer esse tipo de negócio a não ser que seja um monopólio em grande perspectiva de segurança para o cálculo econômico.


Ao meu ver, a tarifa zero pode ser a única solução, mas mesmo assim, os trabalhadores continuarão a serem explorados em seus locais de trabalho, há pesquisas que indicam que com a tarifa zero, muitas regiões ganhariam em negócios, haveria maior circulação, os trabalhadores poderiam consumir mais. Mas isso também é um perigo, porque os pobres podem circular por todas as partes. Esse é outro problema nessa questão. O medo das elites em permitir que os pobres circulem com maior facilidade pelas ruas e pelos bairros também deve ser considerado para o cálculo econômico do transporte público, aqui em Mogi das Cruzes como em todas as cidades. Portanto, minha cara, há diversos elementos que contribuem para entendermos essa questão que é muito mais complexa e diversificada.