Por Atanásio Mykonios
A
terceirização, se aprovada, redundará numa enorme ofensiva contra a força de trabalho
contratada que é protegida por um ordenamento jurídico que proporciona um ganho
mais substantivo em relação aos trabalhadores em condições de contratação
terceirizada. Quero partir de um quadro fornecido pela RAIS – Relação Anual de
Informações Sociais, acerca do número de trabalhadores regularmente empregados,
distribuídos em modalidades de atividade laboral.
Número de Trabalhadores
por Seções de Atividade (2007-2012)
Seções de atividades
|
2007
|
2008
|
2009
|
2010
|
2011
|
2012
|
Extrativa mineral
|
185.444
|
204.936
|
208.836
|
211.216
|
231.389
|
259.297
|
Indústria de transformação
|
7.082.167
|
7.310.840
|
7.361.084
|
7.885.702
|
8.113.805
|
8.148.328
|
Serviços industriais de utilidade pública
|
364.667
|
375.370
|
385.379
|
402.284
|
412.741
|
423.277
|
Construção civil
|
1.617.989
|
1.914.596
|
2.132.288
|
2.508.922
|
2.759.173
|
2.832.570
|
Comércio
|
6.840.915
|
7.324.108
|
7.692.951
|
8.382.239
|
8.842.677
|
9.226.155
|
Serviços
|
11.935.782
|
12.581.417
|
13.235.389
|
14.345.015
|
15.372.455
|
16.176.385
|
Administração pública
|
8.198.396
|
8.310.136
|
8.763.970
|
8.923.380
|
9.103.601
|
8.937.443
|
Agropecuária, extr. vegetal, caça e pesca
|
1.382.070
|
1.420.100
|
1.427.649
|
1.409.597
|
1.483.790
|
1.464.257
|
Total
|
37.607.430
|
39.441.566
|
41.207.546
|
44.068.355
|
46.310.631
|
MET – Ministério do Trabalho e do Emprego. Portal do Trabalho e do
Emprego, Estatísticas. RAIS - Relação Anual de Informações Sociais.
Características do Emprego Formal segundo a RAIS 2012
Em
2012, o total de trabalhadores com carteira assinada era de 47.458.712. A maior
parte se concentrava na área de Serviços, com 16.176.385, o que perfaziam 34%
do total. Em seguida, o Comércio representava 19,44% do total, com 9.226.155
trabalhadores. As duas áreas, somadas, chegavam a 25.402.540 trabalhadores,
esse montante representa 53,53% de todos os trabalhadores com vínculo
empregatício regular.
A
Indústria de Transformação respondia com 8.148.328 de trabalhadores, em relação
ao total, significavam 17,17% do total.
A
Administração Pública contava com 8.937.443, quase 9 milhões de trabalhadores,
contando aqui os três níveis do serviço público, Prefeituras, Governos de
Estado e União. Esses trabalhadores representavam 18,83% de todos os
trabalhadores contabilizados pela RAIS.
O
Projeto de Lei 4330 é colocado na Câmara dos Deputados e aprovado mediante um
quadro complexo no que se refere à estrutura do trabalho e do emprego no
Brasil. Mais de 50% dos trabalhadores não se concentra na área produtiva
direta, na transformação da natureza em mercadorias e em abundâncias.
Somando
todas as modalidades de atividade com carteira assinada, chegamos, em 2012, a
um total 82,83% de trabalhadores fora do processo produtivo direto. Isto é
muito significativo para a compreensão do que sucede na atualidade. Quanto mais
fragmentados os trabalhadores, mais difícil se torna a possibilidade de que
haja consciência acerca dos males que a terceirização causa, uma vez que parte
desses mesmos trabalhadores indicados pela RAIS, vivem em condições trabalho
precárias, mesmo com carteira assinada.
Por
outro lado, não é nesse contingente que se concentra a maior fatia do valor
produzido. Nem mesmo essa massa de trabalhadores, 53,53% concentra a maior
fatia a massa salarial como um todo. Nesse sentido, de acordo com as fontes do
IBGE, a maior fatia do bolo salarial ganho pelos trabalhadores, em 2012, ficou
com os trabalhadores do setor público, a saber, 23,7%, enquanto os da indústria
perfaziam um total de 19,06%. Já os trabalhadores do Comércio ficavam com 12,11% total de salários percebidos naquele
ano de 2012. Os trabalhadores na Agricultura, pecuária, produção florestal,
pesca e aquicultura recebiam 0,72% do total e os da Construção Civil 5,58% dos
salários da massa de trabalhadores.
Por
este quadro, podemos imaginar que os trabalhadores na Indústria e no Serviço
Público representavam 42,76% do total de salários obtidos pelos trabalhadores
com vínculo empregatício regular. Sendo que essas duas categorias, somadas,
representam 17.085.771 trabalhadores, ou seja, 36% do total. Assim, 36% ganham
o equivalente a 42,76% da massa de salários.
Penso
que a estratégia visa a minar as duas pontas desse quadro. De um lado, os
capitalistas têm o plano de avançarem sobre aqueles trabalhadores que estão
melhor situados na pirâmide salarial. Em primeiro lugar, é evidente que esses
trabalhadores propiciam, especialmente os da indústria, maior valorização do
valor e é sobre estes que recairá a maior pressão no que se refere à desestruturação
de seu ganho como força de trabalho.
Em
segundo lugar, para o capital, o serviço público está se tornando um problema
crônico. Os capitalistas não pretendem manter essa máquina com os sucessivos
ganhos conquistados pelas diversas categorias de servidores públicos, nas três
instâncias, sem que algo seja feito. Desde há mais de 10 anos é que podemos
observar que os sindicatos mais combativos e que possuem maior fôlego de mobilizações
e paralisações são os de trabalhadores do setor público. De acordo com os dados
analisados anteriormente, a maior fatia da massa salarial fica com os
trabalhadores da Administração Pública. Logo, o que me parece óbvio é que, em
grande medida, o desmonte do aparato estatal se dará por meio da terceirização,
gradual, dos serviços públicos, criando assim as condições para a diminuição
significativa da massa salarial representada pelos trabalhadores desse setor.
Muitas
pessoas têm a convicção de que determinados setores são menos vulneráveis do
que outros quanto ao processo de terceirização, após a possível aprovação do PL
4330. Acontece que a médio prazo todos os setores serão afetados diretamente pela
terceirização.
Para
o capital, o que importa, a fim de tentar recompor a base de produção de valor,
é atingir o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de
mercadorias, especialmente sobre a exploração relativa da força de trabalho. A
necessidade de aumentar a exploração é reduzindo o valor da mercadoria força de
trabalho, mas não eliminá-la por completo. Os vendedores de mercadorias têm de
garantir as condições para a elevação do valor desvalorizando o que lhe é
fundamental, a força de trabalho, transformando os trabalhadores em vendedores
de sua força de trabalho. Quanto mais estes trabalhadores se digladiarem na
arena da oferta e da procura, como produtores de sua própria mercadoria, mais
sua mercadoria será vendida a um preço competitivo para os compradores da força
de trabalho, isto é, a oferta reduzirá a média salarial como um todo.
A
terceirização é uma luta política pelo controle do tempo de trabalho, não para
a sua extinção, mas para a redução de seu valor no contexto da produção de
mercadorias em geral.
A
exploração pode se dar de forma absoluta, com o aumento do tempo de trabalho e
diminuição de seu valor no jogo de compra e venda da mercadoria especial que é
a força de trabalho. Para determinados setores, marcados por intensa inovação tecnológica
e informacional, cuja produtividade é intensa, o valor da mercadoria força de
trabalho tem de diminuir drasticamente, conforme a cartilha tecnocrata do
capitalismo, para que haja a recuperação da base do valor, a fim de que esta
base realize a mais-valia no mercado.
A
meu ver, a investida maior será sobre os mais rentáveis, aqueles que agregam
mais produtividade à sua capacidade de força de trabalho. Como as pesquisas
mostram, a força de trabalho no campo terceirizado vale menos, seu preço é já
depreciado pelas condições jurídicas apresentadas por esse ordenamento.
Condições
de trabalho e terceirização, 2013
Condições
de trabalho
|
Setores
tipicamente contratantes
|
Setores
tipicamente terceirizados
|
Diferença
Terceirizados/ Contratante
|
Remuneração
média (R$)
|
2.361,15
|
1.776,78
|
-24,7
|
Jornada
semanal contratada (horas)
|
40
|
43
|
7,5
|
Tempo
de emprego (anos)
|
5,8
|
2,7
|
-53,5
|
Taxa
Rotatividade
|
33
|
64,4
|
Dobro
|
Fonte:
Rais 2013. Elaboração: DIEESE/CUT Nacional, 2014.
Nota:
setores agregados segundo Class/CNAE2.0. Não estão contidos os setores da
agricultura.
Remuneração
média em dezembro. (Marques, 2015)
O
quadro acima revela alguns aspectos importantes. Segundo o DIEESE/CUT, os
setores terceirizados recebem 24,7% menos que os contratados e a força de
trabalho dispendida é 7,5% a mais. Os setores terceirizados já contemplam, em
grande medida, as necessidades de valorização do capital. Resta, portanto,
abocanhar a fatia dos salários dos regularmente contratados. É evidente que a
média de permanência no trabalho é menor, segundo os dados apresentados, em
comparação aos contratados diretamente, isto é, 53,5% menos no total de tempo
de trabalho.
À
medida que aumenta essa exploração e aumenta a disparidade da compra da força
de trabalho, há, por consequência, uma desoneração tributária, o que incidirá
sobre a arrecadação promovida pelo Estado-nacional. Nesse sentido, por mais que
o Estado-nacional detenha uma fatia considerável paga aos trabalhadores
contratados por ele, no cômputo geral dos salários percebidos, a tendência será
o desmantelamento dos serviços e a terceirização de segmentos consideráveis do
Estado em todos os níveis. Ou seja, o Estado-nacional deixará de cumprir com
sua função histórica, conforme os keynesianos defendiam.
Na
parte inferior da pirâmide, a terceirização garantirá que os capitalistas não
sejam pegos de surpresa com um avanço da organização dos trabalhadores. Mas,
sobretudo, garantirá que todos os setores de Comércio e Serviços fiquem à mercê
de um processo de regulação jurídica da distribuição das mercadorias por meio
de uma exploração estrutural, especialmente no que se refere ao ganho relativo
ao salário mínimo. Quanto mais formas de cercear o crescimento real dos
salários forem empregadas, melhor para a valorização do valor e do próprio
capital.
O salário mínimo aumentou,
segundo o IPEA, acima da média histórica e isso afeta a base da pirâmide. Assim,
os capitalistas não podem permitir que, para a recomposição do capital, na
base, o salário mínimo seja o balizador da oferta da força de trabalho. Quanto
mais houver condições estruturais para que o trabalhadores se mantenham
desarticulados nas negociações para a venda de sua força de trabalho, menos
pressão sobre o salário mínimo, maior será a capacidade de negociação por parte
dos capitalistas nas várias áreas do comércio e dos serviços.
Assim, “Por
serem postos de trabalho de menor remuneração e maior descontinuidade
contratual, os empregos terceirizados atendem fundamentalmente à mão de obra de
salário de base.” (Pochmann, s/d, p. 2) No entanto, é preciso ressaltar que
isto parece ser uma tendência que não se manterá apenas na base da pirâmide e
sim avançará sobre todas as categorias de trabalhadores.
A distribuição
atual, segundo estudo apresentado por Lilian Arruda marques, do DIEESE, indica
que do total de trabalhadores, 26,8% trabalham em setores terceirizados,
enquanto o restante está formalmente contratado, ou seja, 73,2%.
Distribuição dos trabalhadores em setores
tipicamente terceirizados e tipicamente contratantes, 2013
Setores
|
2013
|
|
Número
de Trabalhadores
|
%
|
|
Setores
tipicamente contratantes
|
34.748.421
|
73,2
|
Setores
tipicamente terceirizados
|
12.700.546
|
26,8
|
Total
|
47.448.967
|
100,0
|
Fonte: Rais 2013. Elaboração:
DIEESE/CUT Nacional, 2014. Nota: setores agregados segundo Class/CNAE2.0. Não
estão contidos os setores da agricultura. (Marques, 2015)
Por
esses aspectos, é que a pressão será dada, daqui para frente, sobre a força de
trabalho regulada por convenções e por ordenamento jurídico estabelecido por
meio de lutas políticas históricas. A intenção é clara, rebaixar o valor da força
de trabalho a um patamar relativamente seguro para a valorização do valor. Para
a grande indústria, isso só é possível devido ao grande avanço nas inovações do
processo produtivo, pelo fato de que os trabalhadores poderão exercer as atividades
no âmbito da produção sem que haja descontinuidade das condições produtivas. A formação
desses trabalhadores ficará a cargo de sua própria iniciativa.
A
real luta política é travada no âmbito do modo de produção capitalista, é nesse
elemento que consiste a luta de classes, evidenciando aqui a imposição do modo
de produção como princípio ordenador da estrutura do capitalismo. É na disputa
pelo poder de controlar o tempo de trabalho e sobre ele estabelecer as regras
da valorização que encontramos decididamente o verdadeiro embate político que
desemboca na relação jurídica necessária para legitimar essa condição de
exploração.
É
nesse caldo que seria importante compreender as etapas desse processo de luta e
tentar de ir além de apenas preservar o que está conquistado, mas de perceber o
movimento que o capitalismo promove quando entra numa fase de crise, mesmo que
esta aparenta ser cíclica. No entanto, temos de apresentar propostas que possam
vislumbrar a perspectiva de uma nova forma social, uma superação da exploração,
mesmo porque, se pudermos manter as atuais formas de exploração, em que 73,2%
dos trabalhadores não são terceirizados, isso não elimina a exploração do tempo
de trabalho socialmente necessário para a produção das mercadorias – a exploração
permanece com aspectos de menor intensidade, talvez, em seus elementos
selvagens.
Por
outro lado, a luta contra a PL 4330 é a capacidade de os trabalhadores se imbuírem
de sua mobilização a fim de garantirem a força política em torno de
determinados avanços que são históricos e que devem prevalecer sobre o direito
absoluto da exploração total, a todo custo.
Referências
MARQUES, Lilian Arruda. Terceirização no Mercado de Trabalho. In Brasil
Debate, Dieese apresenta dados sobre a terceirização no Brasil. 16/04/2015. Disponível em http://www.brasildebate.com.br/dieese-apresenta-dados-sobre-as-condicoes-da-terceirizacao-no-brasil/,
acesso em 23/04/2015.
POCHMANN,
Márcio. Seminário 20 Anos
de Terceirização no Brasil. In SINDEEPRES: Relações do trabalho
terceirizado.
SINDEEPRES, São Paulo: Sala de Imprensa. Disponível em http://www.sindeepres.org.br/images/stories/pdf/pesquisa/terceirizacaonobrasil.pdf,
acesso em 23/04/2015.
MET – Ministério do Trabalho e do Emprego. Portal do
Trabalho e do Emprego, Estatísticas. RAIS - Relação Anual de Informações
Sociais. Características do Emprego Formal segundo a RAIS 2012. Disponível em: http://portal.mte.gov.br/data/files/FF80808145B26962014615E380E02C8C/ResultadosDefinitivos.pdf,
acesso em 04/11/2014.
[1] MET – Ministério do Trabalho e do Emprego.
Portal do Trabalho e do Emprego, Estatísticas. RAIS - Relação Anual de
Informações Sociais. Características do Emprego Formal segundo a RAIS 2012.
Disponível em:
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