domingo, 1 de janeiro de 2012

O não-senso de nós mesmos

Atanásio Mykonios

Mas o que as pessoas querem ou o de que de fato precisam? De que precisam pode não ser a realidade de sua própria consciência. É possível que as reais necessidades sejam, na atualidade, apenas de ordem subjetiva. Ou, em outras palavras, conforme o que podemos objetivamente dizer, as necessidades estejam na esfera da decisão puramente pessoal. A auto-ajuda, o pensamento religioso, as demandas por um manual de instruções sobre o que fazer e como fazer. O discurso das grandes formas está impregnando o pensamento e o pensado. Não parece mais haver distinção entre ambos e especialmente estamos presos ao espetáculo absoluto. A absolutização do modo banalizante das relações é uma norma não mais relativa, parece uma lei que não permite nenhuma tergiversação.
Mais uma vez alguns são atirados ao abismo da cegueira social sem que haja condições de atingir a totalidade. A loucura silenciosa é uma companheira fiel de alguns, contra a imensa maioria anestesiada pelo torpor de uma vida insana e sem reflexão alguma. A raiva e o sentimento de impotência são constantes, certo voluntarismo sempre volta às possibilidades da consciência, mas tudo isso não passa de uma grande ilusão. A liberdade que segue no horizonte como u-topos nada mais é que uma miragem. As cartas estão postas à mesa tragicamente, alcançamos os objetivos tão caros à modernidade iluminista, avançamos sobre a natureza com a voraz petição do progresso da modernização capitalista, fincamos as bases da idolatria ao trabalho como forma de libertação das massas consumidoras, ativamos as condições de destruição dos indivíduos pela competição.
Mesmo assim, não estamos bem. A tristeza está por toda parte, a angústia que não tem nome, não tem face, não tem dono, permanece como inquilino absurdamente preso à nossa consciência vadia. São raros os momentos em que a experiência humana ganha o sentimento oceânico, nada parece mais importar a não ser o estar presente no presente sem qualquer história. O sujeito real da história não são as culturas ou os indivíduos, mas apenas uma constituição absoluta que abstrai às pessoas sua real possibilidade como indivíduos. Sentimentos humanos se confundem com os sentimentos construídos pela necessidade do ser social que ora não passa de uma fantasmagoria metafísica.
A política não mais existe. Mesmo antes das grandes guerras, havia o prenúncio de que o ato fundamental do Estado estava a serviço da relação econômica substancial – a produção de mercadorias. E quando chegou de forma definitiva a revolução científico-tecnológica com o fito de promover a mudança que faltava para o processo de produção, a política nada mais representava a não ser um jogo teatral que pudemos distinguir se se tratava de uma comédia, uma tragédia ou um drama de mau gosto. Mesmo com a derrocada do Estado democrático, do Estado socialista, do Estado fascista, o que importa é a noção de que o Estado serve peremptoriamente ao mundo ordenado juridicamente pelas abstrações do trabalho e do dinheiro absoluto. A tristeza é a marca de um mundo despolitizado até a raiz.
E a preguiça social graça como regra orgulhosa dos sujeitos sociais. Pessoas têm dificuldades em concentrarem seu próprio cérebro em favor de alguma atividade intelectual. Ler tornou-se um esforço descomunal e é preciso que toda leitura seja marcada com imagens que facilitem tal esforço. A ideia de alguma coisa não pode se fixar por muito tempo, como uma mercadoria que não deve sofrer o aprofundamento de suas mazelas, a leitura requer dos indivíduos uma atitude de desconfiança.
O que querem as pessoas ler? Ora, não sei, não posso mais distinguir. A crítica social parece perder seu sentido num mundo absolutamente recheado de insignificâncias e absurdidades sem qualquer racionalidade a não ser a racionalidade intrínseca que penetra o consciente inconsciente de todos. Por isso, a revolução pela liberdade virá, quiçá no âmago da exaustão humana, quando não mais houver saída para a alienação, o espetáculo, o grotesco da existência, quando não mais houver sentido no não-sentido, quando todas as formas da mediocridade não traduzirem o medíocre dos seres humanos ou, quando, de alguma forma, formos reféns da barbárie. Talvez quando estivermos banalizados pelas relações pessoais, reduzidos a meras formas disformes de um mundo de reprodução do nada para o nada, poderemos então perceber o vazio que nos toma por dentro vindo do mundo que fomos capazes de idolatrar.
Mas temo que apenas quando a família, o Estado, a propriedade, a religião, a educação e a política desabarem por completo, quando os discursos sociais e o comportamento encapsulado dos indivíduos forem de tamanha contradição que não mais poderão se sustentar. Quando as promessas não mais se cumprirão aí poderemos voltar a atenção a nós mesmos para além do que há a nos escravizar e do qual não temos qualquer controle.

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