sábado, 17 de dezembro de 2011

A liberdade no horizonte?

Atanásio Mykonios

O ser humano está perdendo o seu humano. As fronteiras do humano e da animalidade foram estabelecidas pelo pensamento ao longo de séculos. Quais seriam as fronteiras entre a humanidade e suas criações? Seríamos, hoje, uma espécie de moldes da tecnologia? Teríamos perdido o sentido da existência em favor de uma razão cega e estúpida? O que ainda nos pertence como humanos? Por vezes sinto que há uma fronteira que foi ultrapassada sem volta para a nossa própria desgraça. As máquinas falam por nós, o lucro é o nosso porta-voz, a mercadoria é nossa linguagem. O que nos resta? Vivermos como animais mecânicos simbolizados por nossas realizações desastrosas?
As relações sociais estão profundamente marcadas por um imenso deserto, nada nos apetece a não ser o consumo ou uma condição de vida melhor. Vida melhor e mais segura. A liberdade humana está em silenciar a si mesma, em condicionar-se ao desumano com a felicidade de quem não conhece a história e para quem a consciência se tornou um fardo a-histórico. Sabemos, no mais íntimo de nossa consciência que nenhuma ação econômica será suficiente para resgatar nossa humanidade, mas mesmo assim é nosso dever superar o capitalismo.
Mover-se contra o capital não é uma mera revolução, é o confronto decisivo de nossa história. O que nos inspira é a concepção enraizada do humano, o humano livre, erótico, cuja experiência concreta e a palavra constroem o mundo, livre das amarras da escravidão, não mais ingênuo diante das condições políticas adversas ou como que constituído de puro voluntarismo, a não assumir a real perspectiva da luta entre as partes e a totalidade do mundo.
A ignorância, a doença, a indigência, a miséria, a brutalidade, queremos enfrentar nossas chagas e romper a cegueira que nos assola a consciência. A vida prevalecerá! Não porque somos idólatras da vida e tememos morrer, a vida prevalecerá porque é nela que somos humanos, na relação com a natureza, na existência dos indivíduos e em nossas idiossincrasias.
Os Estados, as religiões, os partidos, o poder, a hierarquia, a burocracia, a educação, a família, os moralistas, os administradores e gestores, todas as instâncias sociais experimentarão a ruína, na medida em que o próprio capital não responder adequadamente às exigências do humano.
Todas as lutas serão lutas históricas - já o são. No horizonte que não podemos perdê-lo. O lugar sem lugar, a utopia, importante para que continuemos a caminhar e trilhar o objetivo fundamental – a liberdade humana sem condicionamentos. Não importa realizar a utopia, seu papel histórico é outro, é nos conduzir no presente para a nossa liberdade sabendo que não haverá o lugar sonhado. Façamos isso!

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Necessidade e Liberdade


Atanásio Mykonios


A necessidade, na sociedade capitalista, perde seu sentido humano, apesar de o consumo ser destinado ao indivíduo, o processo de produção não considera as necessidades dos indivíduos. Não são as necessidades humanas que determinam a produção em geral e sim a produção de mercadorias que determina a necessidade humana.
O homem, nem em seu sentido social em geral, não se encontra na produção, não se reconhece no processo de produção, o que surge, em seu lugar, são os mecanismos impregnados de tecnologia e sua expressão é o mundo invertido, refletido no consumo. Daí que o produto-mercadoria é mais importante que a necessidade humana no âmbito social da produção de valor.
Da produção ao consumo, perde-se o sentido histórico da necessidade, surge como fenômeno não a necessidade humana, mas a necessidade do valor em se multiplicar, escondida no valor-de-uso.
Os indivíduos se veem como donos de sua própria necessidade, capazes, de ilusoriamente decidir acerca de como, quando e o que consumir. Tomam para si a condução das necessidades sem perceber que são conduzidos pelo mecanismo social da produção de valor – a inversão social está posta.
Nesse sentido, nada importa para o indivíduo a não ser satisfazer suas necessidades sem se dar conta do processo em que ocorre a própria satisfação das necessidades. Ora, o mecanismo de produção atual nos coloca num âmbito da abundância em meio a uma expectativa de consumo ampliado, mas o que ocorre no início e na jornada da produção não diz mais respeito ao indivíduo.
Os produtos surgem como num passe de mágica, apenas isso. Curiosamente, esse modo de comportamento diante da necessidade revela que toda forma de necessidade está guindada pelo jogo de relações impregnadas de uma racionalidade que, ainda segundo Marx, nos Grundrisse, fica evidente a liberdade dos indivíduos, ainda mais notória quando as relações de necessidade são postas, de tal modo que a inversão da consciência social de cada indivíduo é estabelecida numa espécie de razão às avessas.
O pensamento marxiano nos leva a considerar os aspectos da necessidade que merecem um aprofundamento e ampliação uma vez que Marx analisa sob vários pontos no interior do processo capitalista. Mas o aprofundamento das necessidades em Marx deve nos levar a um estudo mais amplo no que tange aos aspectos que, de acordo com Agnes Heller, são fundamentais para a compreensão da necessidade. O aspecto antropológico, o ético e o político. O elemento importante é a perspectiva política. Do ponto de vista ético não é a sociedade nem os indivíduos que detêm o poder de determinar suas necessidades, mas estas são conduzidas pela produção de valor. O consumo se torna a imediata condição do humano.
Isso implica uma abordagem das formas políticas que se fazem presentes no mundo das necessidades atuais. A questão ética em jogo não são as necessidades dos indivíduos, seu egoísmo ou sua impenetrável vontade em satisfazer necessidades que beiram à esquizofrenia. O problema ético é o fato histórico de que a realidade das necessidades é condicionada por um fator externo e alienante aos indivíduos. Isto requer uma atenta reflexão sobre o problema ético da necessidade, uma vez que sob vários aspectos o problema se avoluma, os recursos materiais e naturais apontam para a exaustão, o complexo jogo produtivo implica fragmentação das condições de trabalho e o consumo adquire nova feição.
Ao atingir a totalidade social, será possível compreender quais são as necessidades naturais da naturalização do modo de viver em face a uma crescente crise do capital que atinge globalmente a sociedade humana? Por outro lado, a crise ecológica concomitante à crise do próprio sistema capitalista nos convida a um aprofundamento da questão da necessidade que implica um estudo ético e, por conseguinte, o enfrentamento político da sociedade, suas instituições e, sobretudo, dos indivíduos lançados à própria sorte nesse processo social.
As instituições governam o processo de necessidades, na perspectiva do fetiche social. Por isso não é exatamente um estudo antropológico sobre a necessidade e sim, esse estudo tem como objetivo estudar o aspecto político relativo ao processo de produção de valor e das condições em que a necessidade ocorre.
O conhecimento da sociedade é a consciência histórica que é adquirida pelos indivíduos como totalidade das relações sociais, que transcende o mecanismo das relações particulares e atinge o grau da apreensão do todo. Lukács desenvolve um estudo conjuntural sobre a consciência de classe e a consciência histórica e neste aspecto, quanto ao modo em que se dá a inversão do processo de necessidade na atualidade. As formas sociais adquiridas pelo capitalismo e sua consequente forma alienante atinge a necessidade como categoria social.


A consciência de classe, por outro lado, é o elemento, segundo o qual abarca a história no processo total. A totalidade das relações sociais e do mecanismo do capital são elementos que devem ser apreendidos a partir da totalidade do sistema e nele engendrada a consciência da classe, que historicamente deve assumir o protagonismo de sua ação para afirmar-se como o próprio processo do real.