terça-feira, 15 de março de 2011

Uma Catástrofe pode barrar o Capitalismo?

Atanásio Mykonios


O capitalismo tem a capacidade de criar uma forma de pensamento irresponsável em relação à realidade. Entre suas grandes características, oferece ao ser humano uma interpretação cindida, ou seja, separada, em que os fatos e a vida em suas variadas formas não têm qualquer relação possível. Os eventos naturais, especialmente, são tratados como se fossem forças ingovernáveis e sem conexão com o modo como vivemos. É o que podemos dizer de uma forma que estabelece a fragmentação entre as realidades em que vivemos.
Isto não quer dizer que um terremoto seja causado pela ação humana. Não podemos ser supersticiosos nem ingênuos em imaginar que o homem tenha possibilidade de atuar sobre toda a natureza. Mas a afeta com sua ação diretamente no modo como organiza a sua existência.
Desde o início, os vários movimentos inspirados no pensamento de Marx sofreram a crítica severa de que acreditavam que havia um único fundamento para a existência humana. Este fundamento seria a economia ou a atividade econômica. Acusavam-nos de que pensávamos apenas em uma ordenação materialista e que tudo parecia se reduzir à economia. Isto se tornou uma ofensa aos espiritualistas, aos liberais. A honra dos seres humanos estava afetada porque em defesa da vida, os vários movimentos alienados acreditavam que o homem poderia controlar o capitalismo.
Mas, pasmem todos, ao contrário do que muitos possam imaginar, o grande fundamento que sustenta o capitalismo nada mais é que a economia. Com um discurso de justiça e bem-comum, o fundamento fica, na verdade escondido. Num sentido mais amplo, economia política. E então, a sociedade que criou o mercado da troca de valor supera qualquer catástrofe e se torna o verdadeiro pressuposto que orienta e conduz as relações e a vida de todo mundo.
Um terremoto que causa praticamente o fim de uma sociedade é tratado apenas como uma inevitável tragédia natural. As imagens iniciais são de tormenta e a tragédia ganha a força do espetáculo. A cada nova tomada, a cada nova reportagem, o que parece importar é descobrir o pior fato, o maior sofrimento, o clímax da destruição deve ser apresentado com o propósito de criar a consternação absoluta.  
É interessante o fato de que historicamente a sociedade arranca da natureza o que lhe é necessário. Na sociedade capitalista, a natureza é uma fonte inesgotável à voracidade de sua expansão. Não encontra limites, não obedece a nenhuma ética a não ser a de comerciantes. A sustentabilidade não é nada mais do que um freio em face à destruição iminente.
Contudo, o contrário não parece afetar o pensamento da humanidade capitalista. A mentalidade reinante é a de que a natureza jamais poderá impedir o avanço desenfreado na produção de valor sobre valor. O mundo ainda não se deu conta de que há um limite no processo social e histórico do modo como produzimos e consumimos. Um colapso do sistema que produz mercadorias é mais do que evidente e ocorrerá por conta de vários fatores, dentre eles, a catástrofe natural.
Porém, tão forte é a sua potência em reduzir todas as realidades a uma única que o mercado submete até a tragédia humana às suas próprias determinações. Não seria o caso de esperar por uma transformação das relações humanas quando uma catástrofe atinge toda a estrutura de um país? Não seria previsível imaginar que uma forma de produzir poderia ser repensada quando toda uma sociedade entra em colapso? Quando tudo desmorona, não é momento de criar as condições para uma revolta social em favor da libertação a esta histórica escravidão?
Assim, podemos pensar que nem mesmo um desastre natural de proporções inimagináveis pode barrar um modo de organizar a vida humana. Os estabelecimentos comerciais continuam a “vender” produtos de primeira necessidade. O racionamento serve como estratégia para que as mercadorias continuem a serem trocadas e não “doadas”.
Imediatamente à devastação no Japão, o mercado calculava os estragos e já aponta para as oportunidades de ressurgimento econômico por meio das empresas e dos investimentos que serão necessários. Mais uma vez, assim como no Iraque, Afeganistão e na Indonésia, o capitalismo não vê fronteiras nem condições adversas para a sua expansão. Fará isto em nome da salvação nacional e da dignidade humana!
Este monstro não é apenas hegemônico, do ponto de vista do trabalho alienado, da exploração e das formas de produzir, atingiu a totalidade das relações, não parece mais possível fazer qualquer coisa sem que a troca-de-valor esteja presente. Continuaremos a acreditar que não há outra saída.
Em breve tudo voltará ao normal, assim como nas áreas devastadas pela chuva no Brasil ou em outros lugares. Aliás, a lógica do mercado ainda não deu solução a uma multidão de cidadãos que esperam pelo aluguel social no Estado do Rio de Janeiro. Em breve o trabalho será retomado, o tempo excedente será calculado para o lucro. A vida retomará sua rotina e o consumo será o refúgio dos indivíduos.
A ética social é a ética fundamental de uma forma total de ser. É a ética da mercadoria. Ela prevalece sobre todas as estruturas, sobre todas as tradições e culturas. As religiões, as famílias, as comunidades, a política, tudo está subsumido a este modo de ser capitalista. Até a dádiva só é possível se houver uma capacidade de produzir e trocar, ou seja, o que doamos é fruto de produção de mercadorias que são vendidas e doadas.
As imagens são acachapantes. A sociedade japonesa começa a encarar o problema estrutural. Abastecimento, racionamento, acesso, fome. Mas eis que o mercado se mobiliza. O Estado, promotor e garantidor do ordenamento jurídico das relações que produzem a troca, assume o papel de sustentáculo da economia. Colocará à disposição da sociedade quase 200 bilhões de dólares.
Os consumidores serão salvos. Mais que os simples indivíduos que devem ser salvos pelo frio, pela fome, pela destruição de suas casas e lugares, as empresas deverão ser salvas em primeiro lugar. Elas são o esteio da modernização e a garantia de que a justiça prevalecerá. A bolsa de valores de Tóquio despenca. As ações das construtoras sobem em todo mundo, porque se apresentarão para reerguer a infraestrutura, mas as ações das empresas de energia nuclear se tornarão preço de banana.
Em nome da salvação e da ajuda humanitária, o Japão será reerguido, assim como ocorreu após a II Grande Guerra. O milagre do capitalismo transformará novamente a sociedade. Como uma colonização sem fronteiras, desembarcarão todas as forças produtivas para fazer ressurgir as relações congeladas pela catástrofe natural.
Para o capitalismo não há novidade. As dores humanas, a destruição e o abandono podem ser tratados com doses de investimentos. Nada mais parece impedir essa sociedade de atingir o seu absoluto. As escolhas foram feitas, mas ninguém avisou a natureza disto.

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