domingo, 30 de janeiro de 2011

A encruzilhada egípcia

De repente o Ocidente descobre que Hosni Mubarak está há mais de 30 anos no poder. De repente o Egito emerge como uma ditadura. Antes, ajudara o Ocidente e Israel. Recebeu vultosos recursos para manter-se alinhado com os EUA e Israel. Além disso, as forças armadas foram as mais aquinhoadas com esses recursos. Também pudera, era necessário dinheiro e muito equipamento para manter o povo sob a jurisdição do tacão da força.
O Egito tentou ingressar no mundo capitalista, nada mais justificável e até politicamente estratégico para um país que se localiza num enclave geográfico. Mas o capitalismo traz em si a necessidade de modernização. De um lado, moderniza parte das relações por meio da troca, das formas em que a mercadoria assume, destruindo as formações tradicionais.
Parece que os membros do núcleo mais duro do capitalismo não se importam em ter de negociar com ditaduras, sejam de esquerda ou até de direita. Há muito os gerentes do capitalismo mundial, os EUA, têm sócios dos mais diversos naipes. Grupos radicais, ditaduras militares, totalitarismos de direita, grupos familiares, teocracias, etc. Não faz muita diferença para os negócios, desde que haja controle social minimamente em condições de garantir a produção e a circulação de mercadorias.
Assim, a massa é apresentada ao que o capitalismo tem de mais banal e, substancialmente, as necessidades sociais se avolumam e as promessas do capitalismo começam a ser cobradas pela juventude que, assim como na Grécia, na Tunísia e em tantos outros países, perde a perspectiva ante o encantamento social. Desencantadas, as massas se vale de paus e pedras para manifestarem sua revolta.
Mas isto não é tudo. Os pobres se veem mergulhados no desemprego, na iminência da miserabilidade total, as estruturas sociais não conseguem garantir as formas de relação mínimas. O capitalismo em suas crises regionais e mundiais, atinge em cheio as pretensões dos governos que esperam encontrar espaços na geopolítica, imaginando serem capazes de influenciar os rumos dos conflitos sociais.
Assim, Mubarak não passa de mais uma caricatura, que é mantida por conta de interesses políticos. É sustentado assim como poderá ser descartado a qualquer momento. Ele surge na TV com um pronunciamento sem qualquer procedência, afirma apenas que pretende se manter no poder, e que as forças de segurança permanecerão ao seu lado. Por isso, nomeia um chefe das forças de segurança, como um capitão do mato para manter em ordem as forças repressoras.
A modernização chega tardiamente ao Egito. Espremido entre o Oriente e o Ocidente, entre a necessidade de ingressar definitivamente na sociedade de consumo e premido pela tradição islâmica, que tem em suas demandas, a exigência de se manter fiel aos seus próprios ditames. Neste sentido, a luta intestina por liberdade individual flagrantemente contradiz a condição da cultura milenar. A Irmandade Muçulmana resolve aderir aos manifestantes, que como uma turba, toma as ruas de assalto. Isto parece demonstrar que a insatisfação não tem um encaminhamento político, a direção é derrubar Mubarak. Mas durante 30 anos não se viu nada igual. O que aconteceu com os egípcios que não se manifestaram contra a monarquia egípcia? Monarquia tecnocrata, que se mantém no poder à base de uma repressão contínua.
Por todo Oriente Médio, as forças religiosas têm grande ascendência social e política. A ideia de uma separação entre Estado e religião não é tão acentuada nessa região. Isto não quer dizer que no Ocidente esta cisão ocorre tranquilamente, ao contrário, o presidente dos EUA toma posse tendo a Bíblia como testemunha de seu juramento de servir à nação.
Sem dúvida, é preciso cuidado para não acusar o Egito por um suposto atraso em relação à modernização ocidental capitalista. Mas o seu drama é, neste momento histórico, emblemático. Se derrubar Mubarak, terá de saber qual grupo deverá assumir a condição desse processo. As correntes mais ao fundamentalismo poderão assumir esse processo. Por outro, a democratização liberal é um caminho que dificilmente será atingido pelo Egito. Esta última pretensão não é interessante aos EUA nem a Israel. Ambos preferem uma ditadura com alguns traços laicos e que permita uma inserção limitada ao capitalismo mundial a uma democracia liberal que poderá fazer com que o apoio decisivo à causa israelense seja colocada em risco.
O Ocidente não sabe o que fazer, torce pelos manifestantes, mas precisa manter Mubarak no poder, afinal, sua ajuda para manter a paz entre palestinos e israelenses parece fundamental. Em troca, fecharam os olhos, as ditaduras tecnocráticas, misturadas com temperos teocráticos são um modo político eficaz no Oriente Médio.
Os fundamentalistas cristãos e capitalistas, querem, de forma sub-reptícia, derrubar o regime, falam em liberdades individuais, de imprensa, liberdades de organização, de expressão, políticas, etc. Se esquecem que apoiaram e apóiam ditaduras, no Chile, no Brasil, na Argentina, na África, na Ásia. Não importa. O fato é que para os negócios, esses gerentes atuam de forma pragmática.
Mas o tempo de cobertura dos meios oficiais de comunicação é infinitamente maior do que ocorreu na Grécia. Há um interesse, um tanto mórbido e de outro, profundamente emblemático, quanto aos acontecimentos no Egito.
A repressão
É notória a repressão às manifestações populares. No Brasil, na semana passada, em uma cidade próxima à Goiânia, a polícia reprimiu com extrema violência a insatisfação de moradores quanto ao transporte público.
Em Londres, a polícia reprimiu manifestações de estudantes, com força desmedida. Na Grécia, na França, no Irã, na Índia, nas Filipinas. Em qualquer lugar, as forças policiais estão se preparando para atuarem com força máxima.
Isto indica que há uma mudança na forma pela qual os estados nacionais estão encarando esses movimentos sociais. Indica, sobretudo, a leitura de que há um processo de hostilidade que expressa a crise do próprio sistema. Os estados nacionais estão cada vez mais atentos pois há um risco iminente para um estopim, um rastilho que pode espalhar com a velocidade dos meios de comunicação.
Não é à toa que a Internet e a telefonia celular são bloqueadas com maior veemência. As redes sociais nos mostram que há uma força que foge ao controle dos estados amplos. Estamos diante de uma encruzilhada. O Egito nos mostra claramente que um novo elemento se instaura no drama social do Oriente Médio, o drama entre a modernização, o capitalismo, a tradição e a luta pela igualdade e liberdade.


Marvin Gay - What's going on

4 comentários:

  1. Eu às vezes sinto medo ao pensar na bárbarie que poderia acontecer se toda a sociedade, que está alicerçada sobre esta gelatina de nada, vomitasse toda a sua revolta. Por que, de fato, todos nós sentimos este mal-estar, do qual Freud nos alertou. Todos sentem que isso tudo é uma grande farsa, que nossa civilização não tem ordem, que estamos, literalmente, por um fio.

    Mas... Eles nos domesticaram muito bem. Somos animais que não fazemos idéia da nossa força...

    Eles conseguiram nos acorrentar deixando a chave logo ao lado. Só que ninguém quer usar a chave, eles são tão bons para nós. Nós amamos muito tudo isso! (...)

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  2. ah, tenho divulgado seu blog, grego! abraços

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  3. Meu caro Daniel, meu irmãozinho.
    É isso, também tenho muito medo disto tudo. As últimas notícias do Egito também mostram que há uma onde de saques e violência, aproximadamente, 40% dos egípcios estão abaixo da linha da pobreza. O capitalismo é isto.
    Abraço meu irmão

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  4. Preocupante esta visão quanto a um possível estado de barbárie, porém, quando observamos nossa história perpassando pela colonização, república, estado moderno, militarismo e tempos contemporâneos, é possível constatarmos que o aspecto mais forte de todas estas transições são pacíficos por parte de uma maioria e muito dinâmico por parte de uma minoria desprezível. Talvez Daniel esteja mesmo certo quanto a eficácia de uma domesticação. O que não se pode desprezar é um fato que pode ser observado e que vem sendo ocultado pela mídia em geral, ou seja, a miséria aumenta e tende ao aumento de sua condição. Miséria esta, que em todos os seus sentidos possíveis apontam para uma decadência social e cultural onde seu aspecto mais crítico pode ser observado na educação.

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