quinta-feira, 25 de outubro de 2007

A CISÃO DA POLÍTICA

Por Atanásio Mykonios


A democracia representativa aprofunda a cisão, entre decisão e prática há um fosso. A práxis social deve reverter-se para reproduzir a separação social entre consumo e produção. As necessidades da sociedade, em geral, passam ilusoriamente a serem atendidas pela prática política da representação, que procura compensar as cisões impostas pela alienação da mercadoria. A luta entre partidos para a chegada ao poder aprofunda a divisão entre classes sociais e a reprodução social do capitalismo avança na medida em que fazem parte do espectro do Estado do bem estar social. O ordenamento político prevê uma legislação que assegura e legitima a política institucional e esta forma prevaleceu no Estado da sociedade da mercadoria, por longas décadas, especialmente no Ocidente. Em todos os momentos da história política dos povos, o conflito primordial se deu entre duas categorias sociais e humanas, no sentido de encontrar um equilíbrio ou de privilegiar uma dessas categorias, a saber, a liberdade, com suas prerrogativas em torno dos interesses de grupos e da subjetividade humana, que garante aspectos primordiais à existência humana, como a criatividade, etc; a igualdade, aspiração com a qual todas as sociedades tiveram de se defrontar interna e exteriormente. Mas tanto a liberdade quanto a igualdade ficam prejudicadas com a prática política dos partidos e das instituições que visam ao estabelecimento de relações e comportamentos relativos à manutenção do próprio ordenamento que, para ser formalmente sustentado, do ponto de vista material, com recursos, dinheiro, etc., deve submeter-se ao capitalismo, mesmo que procure encontrar mecanismos de compensação com os quais diminua o sofrimento dos miseráveis, transferindo renda e dinheiro, mas não criando condições possíveis de libertação da e na própria relação da sociedade do valor. A luta interna e intestina segue o caminho do poder e a distribuição dos excedentes dos impostos, uma vez que cada grupo aspira traduzir materialmente sua doutrina, destinando recursos para os grupos sociais nesta ou naquela determinada situação. Como todo o processo é fragmentado, não se tem a noção exata do todo nem sua amplitude, dessa forma acontece que a conseqüência inevitável é uma visão parcial a atividade política, imaginando que a ação leva a uma justiça social pela prática do embate institucional. O sistema político do Estado da mercadoria e do valor não representa, contudo, a substância da política em sua profundidade e em seu fundamento, já que uma sociedade que pode enfrentar sua condição atual do valor, do trabalho assalariado e da mercadoria, não pode fazê-lo com ações e escolhas que permanecem estritamente no campo de uma reprodução automática do capitalismo. Por outro lado, observa-se a capacidade da estrutura que move e mantém a política como um modelo de gestão que cinicamente discursa em favor do bem-comum, da justiça e da distribuição, mas, na raiz, prevalece o último intento do próprio sistema, sustentar com uma legislação propícia, as regras gerais da relação marcada pela mercadoria e pelo seu estupendo fetiche.
Toda a necessidade humana passa por um regulamento teleguiado pela instituição política, por isto, a política institucional cindida pela mercadoria, nasce já póstuma, fora do eixo da história, em outro sentido, anacrônica. Nossa sociedade pode ser compreendida, entre tantos aspectos culturais, pela capacidade de conciliação e de retorno a um ponto anterior às possibilidades de ruptura.

A crise ão tem causa natural - é uma escolha cultural e que se torna ideológica

Por Atanásio Mykonios

A sociedade moderna está sob o signo da crise, contudo, muitos dirão que a crise é inerente à própria sociedade, que em todas as sociedades em todos os períodos houve crise e substancialmente conflitos. Cabe aqui dizer que a crise nasce de um processo dialético, nasce da mudança, pois é esta que cria as condições para a crise se instalar na sociedade. Pode haver um aspecto da crise, que atinja um aspecto social. Pode haver, de outro lado, uma crise tópica e passageira, ou uma crise que abarque toda a sociedade; a crise afeta, mas ela é parte contínua do próprio processo. Mas a crise do capitalismo não se dá a partir de um determinado momento em que o sistema se desenvolve, ela nasce com o capitalismo quando este se torna um modo articulado que engendra trabalho-valor-mercadoria, e esta articulação solidária entre essas categorias promove ao mesmo tempo o acúmulo, a dependência e a pobreza provocada industrialmente. E a crise se reveste de um desespero cínico na medida em que a riqueza é uma corrida contra o tempo, contra os recursos e contra as determinações do próprio capitalismo: o trabalho como substância do valor e a tecnologia, com sua a enorme produtividade que exclui paradigmaticamente o próprio trabalho.
A crise, desde seu nascedouro, afeta a perspectiva da necessidade, mas também modifica as noções de necessidade que são provocadas pelo desdobramento do capitalismo. As forças produtivas colocam-se na imprescindível regra da expansão da forma-mercadoria e os mecanismos de sua inserção não obedecem às reais necessidades das comunidades locais. Aliás, este é um dos aspectos da crise social do capitalismo, o fato de que a necessidade imposta pela mercadoria descaracteriza o senso de comunidade e o senso da liberdade social dos grupos e das culturas criarem identidades com seu contexto próprio de necessidades. Pois a mercadoria exporta necessidades e globaliza o discurso estético do estatuto social das necessidades, o que gera, constantemente, um modo alterado e distanciado da realidade da comunidade humana.