terça-feira, 28 de agosto de 2007

PARA UM SENTIDO ACERCA DO ENSINO DE FILOSOFIA

Por Atanásio Mykonios

O ensino de Filosofia se tornou uma realidade, particularmente no Estado de São Paulo. Por meio de um decreto oficial, o Ensino Médio, o EJA, alguns projetos de Ensino Integral, além da perspectiva de que as escolas privadas incluam Filosofia em seus currículos, hoje há uma demanda que exige uma série de considerações e que estava reprimida devido a um histórico de autoritarismo que caracteriza nossa realidade. A começar pela possibilidade da própria Filosofia figurar como uma matéria com o mesmo estatuto que as demais disciplinas que vogam nas grades curriculares, temos os mesmos direitos que os físicos, químicos, letratos, lingüistas, biólogos, matemáticos, etc. É provável que não estivéssemos preparados para atender a esta demanda, que foi brutalmente reprimida ao longo de todos os anos de regime militar.Os governos ditatoriais cometeram um crime de lesa pátria ao serem extremamente eficientes em solapar a educação de base e transformar o ensino acadêmico em mera correia de transmissão das necessidades técnicas do então “milagre brasileiro”. Some-se a isto o fato de que nossa Escola não está preparada para a democracia, para a liberdade, para a diversidade social. Mas o ganho substancial que ora observamos é que as massas penetraram a escola por meio da democratização de acesso, no entanto, nossos cursos superiores permaneceram fechados, conservadores e elitistas, ofereceram um ensino hierarquizado, baseado nas formalidades de relação entre professor e aluno. Mesmo que a Escola tenha tentado heroicamente abrir caminhos nos processo de ensino e aprendizagem, nossas comunidades permanecem no veio histórico característico da nossa cordialidade, o autoritarismo disfarçado de cinismo social, mascarado pelo tapinha nas costas e pela grande capacidade de fingirmos que não temos problemas.Há inúmeras indagações acerca do ensino de Filosofia nas escolas públicas, encontros, reflexões, material em profusão é continuamente destilado a fim de darmos resposta a um problema que aflige os professores de Filosofia, a saber, a final, o que fazer em sala de aula? Como manter a honra da Filosofia com seu cabedal e a tradição de séculos, que vararam mais de dois mil anos de história do Ocidente. Ainda não sabemos como lidar com as reais condições da sala de aula e criar uma seqüência programática, parece, de certa forma, refletir a dificuldade em encontrar um ensino metodológico. Afinal, o que é melhor oferecer à 1ª série ou à 2ª série? Sócrates, os naturalistas, Platão, Aristóteles e sua Metafísica ou a Ética a Nicôcamo? Quando poderemos abordar o sistema hegeliano com os alunos da 2ª série, a dialética e o processo do real? E quanto à Escola de Frankfurt, nossos alunos terão algum dia o direito de conhecer aspectos sobre a Dialética do Esclarecimento, sobre a Indústria Cultural ou, quem sabe, a crítica a nossos valores ocidentais, feita por Nietzsche, Para além do Bem e do Mal? É bem verdade que nossas salas de aula são o retrato do pandemônio, e aqui não me refiro a um ou outro docente que tem a sorte de encontrar uma sinergia com suas turmas, de modo geral, estamos submetidos a um inferno que espelha o colapso institucional da Escola. Quem sabe devamos nos especializar em terapia filosófica grupal!Mesmo assim, insistimos em oferecer um inventário sobre os filósofos e suas escolas, isto é importante, mas como poderemos criar nos alunos o gosto pelo pensamento alheio se a própria Filosofia, até agora, não me parece ter sido capaz de oferecer um olhar original sobre a nossa própria condição, sobre o homem e sua realidade, o homem brasileiro, este homem que foi exaustivamente abordado por muitos campos de atuação brasileiros. Trata-se de reconhecer a universalidade e a originalidade do pensamento alheio, mas este está visceralmente vinculado a um contexto e a uma cultura. Fomos educados a não fazer uma ponte entre nosso contexto e a Filosofia, que parece flutuar incólume pelas nuvens ideais que se movem, mas em nalgum momento, elas descem ao chão. Por outro lado, quantos de nossos alunos conhecem nossos filósofos brasileiros mais importantes?Estamos diante de um problema estrutural que exige uma apreensão política da questão, pois de um lado temos a Filosofia como campo de pesquisa que avança assustadoramente em águas cada vez mais profundas, sendo que muitos dos nossos teóricos são internacionalmente reconhecidos por sua competência, por sua dedicação e empenho. De outro lado, encontramos o ensino de Filosofia que é dado pelas escolas oriundas da igreja católica, que têm por tradição situar a Filosofia como um apêndice institucional para a formação de um contingente de sacerdotes que, via de regra, não permanece na estrutura eclesial e migra para o campo da licenciatura, compondo assim um enorme exército de ex-seminaristas, ex-padres, ex-freiras, freiras (com todo respeito a esses profissionais!) os chamados leigos que estudam nessas escolas e que estão na sua grande maioria a lecionar Filosofia nas escolas públicas. Ou, por outras instituições cujas identidades não se mostram estruturadas para a pesquisa, mas tentam desesperadamente um lugar no mundo do pensamento filosófico. A burocracia e a estrutura exigidas fazem da Filosofia serva dos mecanismos produtivos. Qual a conseqüência? Um fosso enorme. As escolas da igreja não preparam para um senso crítico, apenas para um senso tomista ético, sem grandes repercussões e comprometimento, nossos professores se vêem manietados em torno de determinadas correntes e as pesquisas consagradas na grande academia jamais chegarão às salas de aula, a não ser daqui a 200 anos. E quando ingressamos na estrutura estatal de ensino temos poucas noções acerca de filosofia da interrogação, apenas, como bem disse Bertrand Russel, tratamos de enfatizar a filosofia da felicidade e da conversão, típica de um modelo de pensamento que vem da tradição aristotélica que fundou, de alguma forma, nossa cultura intelectual, no período colonial. A Filosofia moderna é vista com certo receio. E as escolas pesquisadoras aprofundaram a leitura a ponto de se afastarem desta realidade que urge e grita, a Escola de base.Então podemos dizer que há duas Filosofias no Brasil? A Filosofia dos especialistas e pesquisadores, os que se tornam referência filtradora dos grandes estertores da produção do Ocidente e a Filosofia do baixo clero, que se empenha desesperadamente em oferecer alguma luz para os milhões de alunos que entopem as escolas, que, por seu turno, se transformaram em depósitos de gente humana?Muitos filósofos migraram para outras áreas, especialmente para a Educação ou para a Psicanálise, a História, enfim. Isto pode indicar que há áreas de atuação que nos parecem mais promissoras do ponto de vista prático quanto aos resultados. Hoje, a Filosofia, esta Filosofia do baixo clero está sendo empurrada para pensar a si mesma no campo da Educação e aquilo que lhe é próprio é deixado para a grande Filosofia. Os problemas da Educação permanecem, são a expressão de um modelo social, que impõem à escola a promessa de que pela Educação seremos salvos, mas não poderá ser cumprida no futuro. A Escola está formando um exército que jamais servirá para o propósito de sua promessa. Prometemos especialmente aos pobres que a Escola é o lugar e a morada da inclusão pelo trabalho, isto está em franca decadência. A honra perdida da Escola!Daí sermos obrigados a discutir as questões relativas à Educação e ao ensino de Filosofia, pela via da Filosofia da Educação, estamos em um campo relativamente minado, porque não temos a condição de atuar conforme o que é precípuo à Filosofia, problematizar todo o contexto social, político e ético da Escola. Creio ser importante perfilar a discussão no campo do domínio da Educação, pois o que fazemos em sala de aula é, em última instância, Educação, mas também é preciso aprofundar nossa realidade, avançar, interpelar a Escola, seus agentes, sua comunidade, provocar a reflexão sobre as questões emergentes tanto quanto aquelas de perspectiva.O estatuto da sociedade contemporânea está prestes a receber um carimbo de impasse formal, uma vez que as condições de reprodução do sistema estão a provocar reflexões de fundo acerca do processo produtivo, do consumo, do trabalho, da tecnologia e sobre a exploração dos recursos e sua conseqüente exaustão. Em outras palavras, necessidade e tempo serão dois elementos que farão parte do nosso cardápio pedagógico muito em breve, no entanto, ainda não adquirimos a consciência de que estamos diante de escolhas sociais que obrigatoriamente deveremos fazer. Achamos que estas escolhas recairão sobre nossos netos, mas estamos enganados, pois vivemos o olho do furacão!Muitas vezes entramos em sala de aula como se o mundo estivesse pronto, acabado, com seus paradigmas formados e o futuro garantido, e tentamos nos proteger como domadores de leões metidos na arena da estupidez. Lecionamos nossos conteúdos filosóficos com vistas a um passado de conceitos, idéias, silogismos, estruturas éticas e políticas das quais não nos damos conta de que o mundo é o aqui e agora e que nos aponta para problemas reais dos quais não devemos nem podemos nos furtar, sob pena de sermos absolutamente engolidos pelos acontecimentos, a ponto de nos tornarmos anacrônicos e sem qualquer possibilidade de intervenção concreta sobre este mundo.De modo geral, é possível observar que a Filosofia e seu ensino no chão das salas de aula tem se arrastado como outras disciplinas, estas, mais legitimadas por uma sociedade ávida por ciência, por respostas pragmáticas, cujos conteúdos são oferecidos com vistas à preparação técnica e em virtude dos vestibulares. Mas a Filosofia! Ora, não encontra espaço na Escola, está confinada a um decreto que obrigou a uma mudança na grade curricular, mas, de certo, a sociedade ainda não se convenceu de sua “utilidade”, a não ser no sentido de ensinar a pensar e a oferecer certos preceitos éticos metafísicos que servem a um tipo de sociedade apartada dos problemas sociais e mergulhada e uma profunda desigualdade social.Aprender ética em uma sociedade cujos parâmetros de classe são abissais requer um exercício de engessamento da realidade a fim de colocar todos os espíritos manietados em uma mesma fôrma conceptual, e isto me parece ser um enorme exercício de fantasia especulativa, que se aparta da realidade. Por isto, o ensino de Filosofia não poderia, a meu ver, restringir-se a um punhado de enunciados nem no inventariar a trajetória do pensamento filosófico. Mas é preciso reconhecer que temos pouco a oferecer que não o nosso próprio esforço e dedicação, nosso empenho e a crença de que é possível marcar a diferença em sala de aula, pois nos HTPCs, nas salas de professores, nos corredores ou nos encontros de ADD, nossa ação se restringe ao ervanário comum e simplório do cotidiano social desta grande comunidade sem identidade que é a nossa Escola.Isto precisa e deve mudar! Talvez programas de formação social, de formação ética, de formação política, de leitura da realidade, de ampla discussão, de mudança de cultura e transformação do olhas sobre a realidade. Isto leva tempo!

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