sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Indiferença versus Solidariedade no Movimento de Exploração

Por Atanásio Mykonios

O capitalismo fragmenta a realidade e fragmenta a totalidade, de modo que nessa fragmentação os trabalhadores perdem, de alguma forma, a perspectiva solidária. É por isso que, a rigor, não somos solidários com a causa em geral dos trabalhadores de outras áreas.

Não fazemos greve em solidariedade à exploração em geral nem contra qualquer forma de trabalho. Não nos mobilizamos contra as condições precárias e a exploração de qualquer categorias a não ser a nossa.

Ficamos entusiasmados quando explode uma revolta de trabalhadores aqui ou ali. Disparamos toda sorte de análises, sempre com aquele caráter esperançoso e positivo. Ficamos com o ânimo renovado quando testemunhamos sublevações.

Mas, cá entre nós, enquanto trabalhadores de setores diversos, nos preocupamos com as agruras de nossa própria categoria profissional, não nos importa tanto a totalidade do processo de exploração. No máximo, torcemos para que a greve daquele setor do capitalismo traga alguma redenção, acue os detentores da dominação institucional e formal.

De resto, sabemos que o funcionalismo público tem tido mais força para lutar, as greves mais longas têm sido protagonizadas por várias categorias de servidores públicos. Cada vez mais os trabalhadores precarizados não conseguem se mobilizar.

A luta contra o Estado-nacional é o mote dessas mobilizações. O modo de produção capitalista continua na mesma. As expectativas de autogestão estão nos deixam sempre animados.


Isso demonstra que o trabalho no capitalismo cria, entre outras loucuras, o egoísmo corporativo. 

domingo, 1 de fevereiro de 2015

ÁGUA E TERRORISMO DE ESTADO

Por Atanásio Mykonios



Há um processo de guerra para o controle das fontes de energia em todo mundo. Os gestores, tecnocratas e os próprios capitalistas associados estão preocupados em obter o controle direto dessas fontes. Os conflitos mais intensos que observamos na atualidade têm como foco prioritário vastas regiões onde petróleo, gás natural e carvão são alvo de ações extremas.

Num primeiro momento ficamos com a impressão de que se trata de ações patrocinadas por grupos extremistas que desejam a separação ou controle de áreas já sob sua influência. Os meios de comunicação apresentam apenas a parte da realidade que lhes interessa, o conflito parece se resumir a um amontoado de extremistas, fanáticos e estúpidos guerreiros com inspirações meramente religiosas.

No entanto, se ampliarmos a lente, perceberemos que coincidentemente, tais conflitos têm como base avançar sobre o poder de estados-nacionais, a fim de desmontá-los e conseguir o controle direto dessas fontes.

Em outras palavras, para os capitalistas associados, parece não haver mais interesse em manter grandes estados com poder de controle sobre fontes e recursos de energia para fazer o capital manter os equipamentos de respiração artificial que o mantêm com essa sobrevida. É preciso, portanto, chegar com segurança a esses recursos e para isso, nada melhor do que desmontar alguns Estados-nacionais que são obsoletos para essa ordem capitalista e financiar grupos extremistas com caráter separatista. Na Líbia, na Nigéria, na Síria, no Iraque, na Ucrânia, na Venezuela, o processo é praticamente o mesmo, com a diferença que na Venezuela, não é preciso a articulação de grupos de natureza separatista. Por outro lado, haja vista o ataque que está sendo promovido contra a Rússia – a queda do preço do barril criou desconforto para a economia interna russa.

Esses países e regiões em conflito bélico revelam mais que coincidências, mostram que o escopo desses conflitos armados têm como pano de fundo a obtenção do controle direto desses recursos, mas as forças econômicas e políticas utilizam o fator étnico e religioso para escamotear os reais intentos desse processo.

Em outros lugares, os gestores e os capitalistas não necessitam de grupos separatistas ou de radiais religiosos, o próprio Estado-nacional se encarrega dessa tarefa. Isto é, o Estado-nacional faz as vezes de um grupo terrorista. É o caso do Brasil, por aqui ainda não temos esses supostos fanáticos que beiram à condição medieval, temos, na verdade, tecnocratas muito bem articulados com os interesses mundiais. A suposta incompetência do governo do Estado de São Paulo revela, no entanto, uma grande competência no que concerne ao agir com métodos de um terrorismo de estado contra a população de um modo geral.

No Brasil, ao menos por enquanto, não temos inimigos contra a nossa cultura ocidentalizada, nossos conflitos e problemas dizem respeito a determinados grupos que ignoram ou fingem ignorar os grandes interesses que movem a relação entre o Estado-nacional e as forças do capital.

A água é um grande interesse, a água é a fonte fundamental da existência humana. A água é essencial para a produção em grande escala. É notória a capacidade das reservas que o Brasil possui quanto à água.

A considerar o que é possível inferir dos atos do governo do Estado, me parece, cada vez mais, que a estratégia é, sem dúvida, a mesma que em outras regiões do planeta, propiciar o acesso e o controle direto das fontes de água por meio de ações de desmonte e sucateamento dos serviços e, por fim, um terrorismo total sobre a população. Não se trata, neste caso, apenas da real possibilidade de privatizar os serviços de abastecimento e fornecimento de água, mais do que isto, o ataque para o acesso direto às reservas que estão aí. Esses atos revelam a violência total, objetiva e direta do Estado-nacional para garantir ao capitalismo mundial o acesso direto aos aquíferos no Brasil.

Tais atos consistem em acordos subliminares com a grande mídia para escamotear as realidade e criar um fato político estrutural para a legitimação dos seus interesses; o cumprimento das orientações advindas das associações de capitalistas e suas corporações; preparação para o confronto militarizado, ou seja, a militarização total das relações sociais de dominação política e econômica em que as forças de segurança passam a cumprir o papel decisivo de proteção jurídica dos interesses globais; o avanço sobre os direitos relativos ao uso da água, destituindo, gradativamente, o acesso a fim de criar as condições efetivas para a sua total privatização e controle – a ordenação jurídica nesse sentido ainda cabe ao Estado-nacional .  

Isso demonstra que por enquanto não há necessidade de desmonte total do Estado-nacional brasileiro, uma vez que este cumpre fielmente todas as etapas que lhe são designadas pelas determinações impostas pelo grande capital e desde que cumpra com os acordos e garanta o acesso direto. Assim ocorre também com a PETROBRAS, uma vez que é de interesse as jazidas de petróleo.

Isso demonstra que o capitalismo, em seu atual estágio, está mais mobilizado para ter o domínio total dos recursos energéticos que o sustentam, os esforços de guerra, em que as forças de segurança têm atuado, são no sentido de controlar as rotas de fornecimento em conjunto com a sua extração. Essa etapa do sistema revela em seu cerne maior brutalidade e maior concentração de força pulverizada em grupos de interesses locais que dominam regiões inteiras.

A forma do Estado-nacional se torna, a cada dia, uma ficção para o próprio capital transnacional. Basta apenas que alguns estados continuem fortes para manterem as estruturas de poder associado aos grandes capitalistas, enquanto os países periféricos serão alvo desse processo de desmonte contínuo. Onde for possível manter o controle dominando as condições gerais de produção garantidas pelo Estado-nacional, muito que bem, nesse lugar, ele cumprirá o papel de impingir a todos a força dos interesses capitalistas; mas onde isso não for possível, haveremos de presenciar a sua desintegração total.


sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

REFUGIADOS AFETIVOS

Por Atanásio Mykonios


Há uma indigência afetiva entre nós. Estamos abandonados. Nós mesmos somos refugiados de uma guerra de sentimentos, uma guerra de indiferenças. Fingimos estar fortes e sermos autônomos, fingimos não precisar de pessoas que conhecemos, fingimos felicidades e realizações. Queremos esconder nossa miserável condição social, nossa mediocridade com as fotos de um dia ensolarado. Há uma necessidade doentia de sermos percebidos. Nossa infância ainda não acabou, como mendicantes, pedimos atenção, carinho, em meio a escombros sociais e emocionais. Nossa idade mental revela a extrema ignorância acerca do que nos ocorre. Temos medo de sermos descobertos. Esse fingimento esconde nossa perversidade mais recôndita. Em ruínas internas e externas, continuamos a seguir nossos caminhos, esperando que alguém nos dê a atenção devida. O silêncio dessa condição social é mortal. Nos tornamos uma imensa maioria silenciosa que assiste ao desmoronamento de as estruturas afetivas, psicologicamente estamos por um fio. As pessoas silenciam diante do real que as esmaga. Simplesmente dão de costas e continuam. E assim como recebem indiferença, praticam-na com o mesmo esmero e método. metodicamente somos estranhos a nós mesmos, queremos que o mundo seja para nós, de modo que a sustentável forma de nosso corpo social é uma ilusão. Assumem um caráter difuso. Conseguem ser extremamente corajosas escondidas pela tela de um computador e por teclados – essa virtualidade se torna um mundo dentro do mundo real. É como um refúgio, por isso, somos refugiados de um mundo dentro do mundo real. Nesse mundo, não importa a presença, não importa o olhar real, não importa o pulsar real. Não acreditamos em mais nada, a não ser a imensa vacuidade que nos preenche. Não nos interessa qualquer compromisso com a humanidade. Nossa arte é diletante, somos os "capitalistas anticapitalistas" como Robert Kurz apontou. Como mercadorias, somos trocados no varejo dos sentimentos como objetos de troca e de consumo, ainda estamos em nossa própria pré-história. Pouco importa o que ocorre no mundo ou à nossa volta, a não ser um lugar seguro para trabalhar e uma vida de entretenimento. Esse mundo parece que veio para ficar. Mesmo que tudo esteja para ruir, o que importa é que até a ruína seja motivo de entretenimento, tudo deve ser agradável ao imediato da consciência sem individualidade. Mas, por outro lado, como toda cultura da mercadoria, possivelmente, esse mundo será ainda substituído por outra virtualidade e novos campos de refugiados serão criados. O silêncio desse sepulcro social é a expressão mais importante da orgulhosa indiferença que nos acomete. De certa forma, quanto mais distantes da materialidade do mundo, mais indiferentes nos tornamos, mais nuvens preenchem nosso modo mental. Quanto mais nas nuvens, mais estranhos somos. Essa apoteose da indiferença é também a marca de um tempo sem a presença do indivíduo, que abdicou de seu direito de estar no mundo. Que essa forma social nos pense e que o faça do modo com que continuemos entorpecidos pela eternidade afora. 

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

A CIDADE, O QUE ELA É?

Por Atanásio Mykonios

Temos de mergulhar em três elementos a serem considerados, de início.

Primeiro: O que é a cidade, qual é a sua função e qual é fundamentalmente a sua condição para o sistema de produção de mercadorias.

         É importante reconhecer que a cidade como uma grande concentração urbana é um elemento da produção industrial. A cidade se organiza para organizar a indústria. A vida na cidade é uma existência industrial, e por quê? Porque todas as ações e toda a rotina dos cidadãos são marcadas pelo tempo e pelo compasso da produção industrial.

         A vida na cidade deixa de existir, passa a existir um mecanismo de reprodução das condições do tempo e do compasso da fabricação. O que existem são espaços fabricados. Os corpos fabricam espaços, fabricam coisas na cidade. Por isso, o ir e vir na cidade tem como primeiro princípio o de garantir a fabricação de coisas.

         O primeiro direito não é existir na cidade, mas é fazer a cidade produzir. E continuamos a produzir coisas na cidade. Por mais que queiramos, a cidade é um lugar que não nos privilegia. O direito primeiro na cidade é mantê-la funcionando, produzindo, fabricando.

Nós temos de seguir por esses caminhos que não nos levam para a nossa felicidade. As pessoas caminham pela cidade, as pessoas vivem na cidade, apesar de ser ela uma grande fábrica de coisas e de valores.

Mas também as pessoas querem respirar. Existe uma necessidade de resistência, de fazer emergir a beleza, o grito, a sensibilidade, fazer viver o que não passa de concreto. Temos de saber que a cidade não é feita para nós, mas nós podemos recriá-la se assim pensarmos nas possibilidades de superarmos o modo fabril de valorizar cada espaço da cidade.

Segundo: Que cidade a população quer? Obviamente partindo do primeiro elemento a ser considerado.

         Partindo do princípio de que a cidade é uma imensa fábrica social que produz dinheiro, tristeza, indiferença, que cidade nós imaginamos para nós? Temos de estudar a fundo a nossa cidade, temos de conhecê-la, precisamos saber como ela se constitui, como os espaços são divididos, a quem esses espaços são destinados, como o direito de viver a cidade é exercido.

         Não podemos estar vivos na cidade e não vivermos a cidade em que estamos. Isso implica que é preciso lançar os olhos sobre a cidade. Se prestarmos atenção, observaremos que a maior parte das pessoas transita pela cidade, mas não a vê.

         Pensar a cidade e não deixar que ela nos pense. Eis o desafio. Se essa é uma questão, a partir do modo como a cidade é organizada, temos de saber o que a cidade representa para nós. Os espaços, os lugares onde temos de ir e temos de trabalhar, os lugares onde estudamos, comemos, convivemos uns com os outros.

         A questão mais importante é o acesso aos lugares. Acessar significa ter o direito. Mas a cidade é dividida. Não podemos ir a todos os lugares, precisamos de uma condição fundamental. O dinheiro é o elemento mais importante para podermos acessar os lugares. Se temos dinheiro, podemos comprar um terreno em um condomínio, ou se não temos condições suficientes, temos de viver em localidades sempre conforme as nossas posses.

E isso tem a ver com o trabalho e com a forma de produção capitalista. Se queremos uma cidade que proporcione maior liberdade e maior capacidade de mobilidade, temos de repensar o modo como a nossa sociedade se organiza em torno do sistema de produção.

       Terceiro: De que forma a cidade pode propiciar condições para que a maioria das pessoas transite na cidade?

         Quer queiramos ou não, ainda estamos no modo capitalista de viver a cidade. A cidade é um imenso galpão produtivo. Cada vez mais temos menos liberdade e menos condições de ver a cidade.

         Nesse sentido, não podemos ter ilusões. A passagem é comprada e não paga. Se a passagem é comprada, como qualquer outra coisa no mundo capitalista, a passagem é uma mercadoria. E como mercadoria, ela tem de ser tratada num campo de negociações. Essas negociações implicam luta política.

         A mercadoria tem um caráter social, mas, sobretudo, tem um caráter político, pois é uma imposição social de uma forma de produção, que está presente em todas as relações sociais e presente na cidade como um todo. qualquer mercadoria é imposta por meio do trabalho.

         O preço de uma mercadoria não chega ao mercado sem que por trás não haja uma luta e uma imposição. Por isso é um processo político. Dessa forma, se a população compra uma mercadoria e o aumento dessa mercadoria incide sobre parte do seu trabalho, é mais do que razoável que essa população se organize politicamente para enfrentar o aumento dessa mercadoria nas relações entre oferta e procura.

         Para isso, nessa luta política, é preciso saber que o preço de uma mercadoria, como a passagem de ônibus, é paga por alguém. No capitalismo o que existe é uma rede de dependências, sendo que, de uma forma ou de outra, se um preço é praticado no mercado, significa que a demanda sustenta a oferta. Se o preço da passagem deve se manter constante, a mais-valia (ou o mais-valor) deve ser transferido para alguém.

         Se a população não mais pagar por essa mercadoria, significa que alguém deverá fazê-lo, mas deve fazê-lo socialmente. Quem deve absorver a Tarifa Zero, por exemplo, é a sociedade como um todo. Significa que é um processo político que coloca em jogo o preço de uma mercadoria.

         Dessa forma, a sociedade deve se posicionar, com seus grupos de interesse, sabendo que se trata de um conflito político, pois quem tem mais poder estabelece o valor dessa mercadoria. A mercadoria é, portanto, um processo de luta política, não só entre produtores e consumidores, também o é entre os produtores e entre os próprios consumidores. Toa mercadoria se coloca na relação social após um forte confronto de interesses.

         Aqui, há vários interesses envolvidos. Da parte dos produtores, os detentores dos meios de produção, de outro lado, aqueles trabalhadores que promovem a circulação da mercadoria. Há os que adquirem essa mercadoria, ou seja, aqueles que a consomem imediatamente, estes são os que se servem do processo de produção de passagens.

         Essa produção de passagens, implica uma tensão contínua. E nada que se faça nesse sentido não irá excluir, em hipótese alguma, o conflito político envolvido nesse processo.

         É evidente que temos algumas escolhas e decisões a serem feitas. Cabe à sociedade fazê-las tendo em vista da importância dos cidadãos na cidade, e que importância esta tem sobre eles.